Tênue linha

Evani Rocha: Poema ‘Tênue linha’

Evani Rocha
Evani Rocha
Imagem criada por IA do Canvas em 25 de novembro de 2024, às 21h10
Imagem criada por IA do Canvas em 25 de novembro de 2024
, às 21h10

Passa o trem a apitar
Na fina linha do tempo
Num vai e vem sem cessar
Passo eu, passa você

Passam as águas do riacho
Passam as pontes, passarelas
Passam as terras sem fronteiras
Passam as moças na janela

Passam as estações do ano
Passam os anos devagar
Passam chuvas, passa o sol
Passam as noites de luar

Passa o vagão da saudade
O tempo e o desengano
Passa o claro e o escuro
Passam fortes tempestades

Passa o vento passageiro
Levando as folhas caídas
Passa o vagão do poeta
Passam os versos da poesia

Passam os pés do jardineiro
Marcando o pó da estrada
Passa o vagão da roseira
E as rosas desabrochadas

Passa o trem a apitar
Na tênue linha da vida
Passam os dias, os amigos
Passam os sorrisos no bar

Passa o vagão do suspiro
Da alma a soluçar
Passam as mãos cheias de nada
E nada mais a passar!

Evani Rocha

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Longos dias

Evani Rocha: Poema ‘Longos dias’

Evani Rocha
Evani Rocha
Imagem gerada por IA do Canvas – 18 de novembro de 2024,
às 22:15 PM

Dediquei-me a tolerância desses dias

Longos dias frios de inverno

Esperei no peitoril da janela

As transformações no céu

Não cansei-me de contar as estrelas

E as folhas secas que o vento levou

As mudanças da lua

E as cores mutantes que

Se expressaram nas ruas

Não me feriram as partículas de granizo

Mas deixaram nuas

As árvores e os vitrais

Desolaram as calçadas

Abdiquei dos sonhos de infância

Pela tenacidade do laboro

Perdi a última florada da primavera

Quando me escondi na penumbra do silêncio

Dediquei-me a rabiscar versos sem rima

Para derramar os excessos de min’ alma

A semear as sementes que não tinha,

Na terra úmida de meus olhos marejados.

Evani Rocha

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Canção da vida

Evani Rocha: Poema ‘Canção da vida’

Evani Rocha
Evani Rocha
Imagem gerada por IA do Bing - 04 de novembro, às 22h
Imagem gerada por IA do Bing – 04 de novembro, às 22h

Hoje não tem dança de rolinhas no telhado
Não tem galhos de roseira na janela
Hoje só há ela e os dedos no teclado
E a melodia da letra ‘Aquarela’

Hoje tem pingos de chuva na calçada
E dos olhos embaçados, temporal
A boca não diz mais uma palavra
Mas, nas mãos, a canção da vida fala

Hoje não tem flores abertas nas floreiras
O solo ressequido esvaiu-se e morreu
Apenas a fachada rosé do casario
Sobressai em meio aos sobreiros

Hoje tem saudade nos retratos da parede
E um silêncio doído nos corredores
Sobre o leito um pijaminha dobrado
E as batidas no peito, desiguais

Igual aos sorrisos da juventude
Tão igual esse desejo de voar
O corpo leve encontraria as nuvens
E os dedos longos alcançariam o mar!

Evani Rocha

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Quanta sede

Evani Rocha: Poema ‘Quanta sede’

Evani Rocha
Evani Rocha
Imagem gerada por IA do Bing - 27 de outubro de 2024,
 às 19:00 PM
Imagem gerada por IA do Bing – 27 de outubro de 2024,
às 19:00 PM

Quanta sede não saciada
Cacos do que foi inteiro outrora
As folhagens tomam conta da calçada
E a fachada velha, atrás, se desponta

É uma sede da infância ausente
Do corredor largo ao lado da sala
Da mesa posta sob a luminária
E as conversas de gente grande

Quanta sede não saciada
Do pote de barro, só os fragmentos
Se fecho os olhos, já estou de volta
Vejo a poltrona livre na varanda

Há aves em gorjeio no arvoredo
E um céu nublado diz que vai chover
Ouço os pingos grossos no telhado
E aqui dentro um rio a correr

“São as águas de março”
Nas palavras de um poeta
As últimas nuvens a desfalecer
Deixarei levar os restos de saudade
Para em outras águas reviver.

Evani Rocha

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No meio do caminho

Evani Rocha: Poema ‘No meio do caminho’

Evani Rocha
Evani Rocha
Imagem criada por IA do Bing
Imagem criada por IA do Bing

No meio do caminho

Tinha uma flor

Tinha espinhos à margem do caminho

No fim do caminho tinha uma dor

Tinha saudade na brisa do mar

Tinha rastros fundos marcando o chão

Tinha maresia inundando o peito

E um jeito único de ser solidão

Tinha areia nas ruas desertas

E maré alta lavando a praia

Tinha deserto na alma da gente

E muita gente em procissão

Tinha uma flor na mão do jardineiro

E um murmúrio a reverberar

Tinha uma fala ainda ausente

E muitos lenços a tremular

Tinha abraços e laços refeitos

Tinha olhos fundos a marejar

Tinha mãos dadas em silêncio

E um barco de sonhos a naufragar.

Evani Rocha

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A professora Drica

Evani Rocha: Crônica ‘A professora Drica’

Evani Rocha
Evani Rocha
Imagem gerada com IA ∙ 15 de outubro de 2024 às 4:26 PM
Imagem gerada com IA do Bing ∙ 15 de outubro de 2024 às 4:26 PM

A professora Adriana sentou-se delicadamente na poltrona, em frente ao médico. Nada disse. Mas o Doutor, educadamente:

– Bom dia Adriana, como vai indo?

Ela pensou: “lá vem ele com seu gerundismo.”

A boca continuou cerrada, apenas alguns suspiros velados saiam pelas narinas. O Doutor Augusto era seu médico há alguns anos, porém, não havia intimidade para confissões. Apenas o visitava a cada dois meses, para pegar os receituários de, pelo menos, meia dúzia de ‘remédios’. Seu olhar estava fixo naqueles olhos pretos, que pareciam enormes, por trás das grossas lentes dos óculos!

De repente, em segundos se viu andando apressada no corredor. Uma bolsa pesada sobre o ombro esquerdo e os braços carregados de livros e cadernos. Tinha uma sequência de portas dos dois lados. Muitos estudantes saíam e entravam nas salas. Era uma total algazarra.

Parou quase no final do corredor, quando se deu conta que não lembrava qual era a sala que deveria entrar…teria que conferir novamente na sua planilha de horário. Seu coração já batia descompensado. A boca estava seca…precisava de ajuda para abrir sua agenda. Alguns professores passavam por ela apressados, adentrando em suas salas. Teriam que entrar rápido nas salas, para que os os estudantes entrassem, senão o burburinho continuava.

Drica não sabia se pedia ajuda a algum aluno ou se voltaria à sala dos professores para conferir qual era a turma, onde já deveria ter entrado há cinco minutos. O suor minava na testa, ela já estava em pânico novamente.

– Dona Adriana, a senhora está bem? – indagou o médico, estendendo-lhe a mão, com um lencinho de papel.

– Ah! Sim! Sim! Desculpe-me doutor, apenas me distraí…

– A senhora está pálida… como tem passado nos últimos dias?

– Tenho passado bem…muito bem, obrigada! Eu trouxe-lhe os últimos exames que me pediu.

– Ah! Ótimo. Deixe-me ver…

A professora Drica, como era chamada por seus colegas e alunos, pegou a pilha de exames que estava em seu colo e colocou sobre a mesa do médico.

Enquanto o médico folheava, ela viajou novamente em seus pensamentos repetitivos: Agora estava lutando contra o tempo para conseguir encontrar seus horários de aula, abrindo com uma só mão os livros e cadernos que carregava, quando, de repente, caiu tudo no chão do corredor. Não fez tanto barulho, mas chamou a atenção de alguns estudantes que ainda estavam nas portas das salas. Ela ficou de cócoras para juntar o material, então ouviu uma voz às suas costas:

– Professora Adriana! O que houve? A senhora não deveria estar em sala de aula? Seus alunos ainda estão todos nos corredores!

Ela levantou o rosto, os livros que havia apanhado caíram de suas mãos. Ela tentou explicar o que havia acontecido, porém as palavras não saiam de sua boca:

– Eu…eu…”

A coordenadora interveio:

– O que é isso? A senhora não me parece bem! Vamos até a minha sala, vamos conversar…

– Claro, claro! Só um instante… Assentiu, juntando o material, agora com a ajuda da coordenadora.

Caminhavam apressadas pelo corredor, sob os olhares curiosos dos adolescentes. Entraram. A coordenadora encostou a porta e fez sinal para que Drica se sentasse na cadeira à sua frente. Ela sentou-se, mas continuou a folhear o material procurando sua planilha de horário.

– Quer conversar professora? – disse a coordenadora, tentando olhar nos olhos de Drica.

– Sobre o que quer conversar, querida? – respondeu Drica, fazendo-se de desentendida.

– Professora, essa é a segunda vez na semana que a senhora fica perdida no meio do corredor…outro dia entrou em turma errada…ou seja, talvez esteja passando por algum problema e gostaria de desabafar…

– Ah! Achei! Achei! Acabei de resolver o meu problema. Minha aula agora é no quinto ano C! Desculpe querida, preciso dar essa aula hoje… pra ficar em dia com o conteúdo. Obrigada pelo apoio.

A professora falou e foi se levantando da cadeira. Abriu a porta e saiu rápido pelo corredor.

Enquanto o médico lhe dizia que seus exames estavam bons, exceto o colesterol um pouquinho alto, a glicose também estava saindo um pouquinho do normal. Seu hormônio da tireoide estava baixo, teria que fazer a reposição, para controlar a hipotireoidismo…Ah! e tomar Sol, precisa produzir a vitamina D, pois também está um pouquinho baixa…

Drica se lembrou da pergunta da coordenadora, sobre ter algum problema… O médico havia acabado de dizer que ela estava razoavelmente bem de saúde.

– Ah! E manter a medicação de uso contínuo para controlar a ansiedade, a depressão, evitar a síndrome do pânico como teve da última vez e… – a voz do médico foi sumindo no seu consciente. Ouvia essas mesmas recomendações há anos. Ela já sabia todo restante da conversa.

No dia seguinte estava novamente naquele comprido corredor cheio de estudantes em algazarra. Pisava leve, e se imaginava caminhando numa trilha no meio de uma floresta. Um ar puro e sons de passarinho. Um riacho de águas cristalinas fê-la parar. Devia atravessá-lo. Dobrou as barras da calça comprida e tirou os sapatos.

Olhou para a planilha de horário que já estava nas mãos, conferiu a turma e adentrou na sala de aula.

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Não vale

Evani Rocha: Poema ‘Não vale’

Evani Rocha
Evani Rocha
Imagem gerada por IA do Gencraft
Imagem gerada por IA do Gencraft

Não vale a pena triturar os ossos
O óbvio, a tudo é sabido
Há quem sonha em viver o ócio
Mas teme ser preterido

Não vale a pena esvair-se por terra
Virar-se ao anverso do reverso
Deixar-se levar por retóricas vazias
Depois, encher a boca de fantasias

Não vale suportar a dor, sem cortar as raízes
Colher a flor sem regar o jardim
Exalar o odor da decepção
Calar nos olhos a contestação

Não vale a pena alimentar o ódio
Ficar a sós olhando o horizonte
Amassar o barro e subir ao pódio
Se não foi capaz de escalar o monte!

Evani Rocha

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