A Arte como didática: ela precisa ‘ensinar’ bons modos?

Elaine dos Santos:

“A Arte como didática: ela precisa ‘ensinar’ bons modos?”

Elaine dos Santos
Elaine dos Santos
A Arte como didática
A Arte como didática
Imagem criada pela IA do Bing

Um dos pressupostos básicos com que trabalha um professor de Literatura, cuja formação é na área de Letras, é que a Arte não deve ser usada para fins didáticos. Certamente, professores de séries iniciais tendem a discordar. Respeito-os.

A Arte – entendida aqui como música, pintura, escultura, poesia, romance – é, antes de tudo, prazer, fruição, deleite. Trata-se de uma re/apresentação da realidade, uma re/criação da realidade, o que, em termos técnicos, chama-se mimese, termo que foi criado por Aristóteles na Grécia Antiga.

Além disso, Aristóteles considerou a Arte em geral, mas me detenho na epopeia e nas tragédias , como catarse. Todos nós temos as nossas tristezas, os nossos medos, as nossas dúvidas, mas, teoricamente, não andamos, no cotidiano, ‘chorando as pitangas’ (dito popular que significa chorando os nossos sofrimentos).

As tragédias, como ‘Édipo Rei‘, em que o personagem principal fura os fura os olhos ou Jocasta suicida-se ao saberem que são filho e mãe e que, apesar disso, por puro desconhecimento, viveram juntos e tiveram filhos, provocam o choro, a compaixão diante dos fatos. Mal comparando, a comoção diante da morte de Airton Senna, em 1994, fez o Brasil chorar, viver a sua própria  catarse, purgar as dores do cotidiano na morte do seu ídolo.

Porém, como consta em um poema de Camões: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e a Arte pode assumir um cunho inovador, revolucionário, incluindo o pendor de denúncia. Recordo-me da grande obra de Pablo Picasso que contempla a Guerra Civil Espanhola, a destruição da cidade de Guernica, em 1937, cuja dor e sofrimento são reproduzidos, re/ criados em seu famoso e valioso quadro.

‘Guernica’, o quadro, é uma pintura cubista. O Cubismo, uma das vanguardas europeias do início do século XX, é uma ruptura com os modelos que valorizavam a perfeição das formas. Trata-se de um tratamento geométrico dado às formas da natureza, o que provoca a fragmentação, a decomposição das formas, dos planos, das perspectivas.

Essas lembranças da estudante de graduação e da professora de Literatura vieram à tona diante de uma postagem e os respectivos comentários em uma rede social. Havia uma instalação feita com terra e era visível a simulação da morte, a finitude da vida. Os comentaristas menosprezavam o artista e a sua proposta. Um dos comentários era categórico: “Isso é coisa de louco, não ensina absolutamente nada”.

Quem disse que a Arte precisa ensinar?

Quem disse que a Arte precisa seguir as regras que nós acreditamos que definam a Arte?

Do ponto de vista do texto literário, quem disse que não se pode mais usar a palavra em sentido conotativo, sendo necessário o sentido denotativo para facilitar a compreensão do leitor?

Espera-se que a Arte (e sempre penso na Literatura como correlata) deve ser colocada em uma camisa de força para atender os censores de plantão?

Não comentei a dita postagem, mas a vontade foi colocar o mictório (vaso sanitário masculino) – sob o título de ‘A fonte’ usado por Marcel Duchamp , o expoente máximo do Dadaísmo , também uma das vanguardas europeias, exposto como Arte em Nova Iorque no ano de 1917.

Se a Arte é re/presentação da realidade, re/criação da realidade, ou seja, se reinterpretamos à luz da nossa subjetividade, como querer que música, pintura, escultura, poesia, romance sejam um monobloco, que agradem a todos igualmente, se nós, como seres humanos, somos diferentes?

Vivemos tempos ‘enformados’ (e chatos), com extrema dificuldade para aceitar o diferente, o diverso… Mas o mundo roda, a terra gira, as novas gerações nos sucedem!

Prof. Dra. Elaine dos Santos

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