O encanto das interjeições na variedade do Português de Angola

Fidel Fernando:

‘O encanto das interjeições na variedade do
Português de Angola’

Fidel Fernando
Fidel Fernando
Imagem gerada por IA do Bing -  28 de outubro de 2024 
às 2:33 PM
Imagem gerada por IA do Bing –  28 de outubro de 2024
às 2:33 PM

Recordo-me de partilhar, certa vez, numa rede social, o seguinte: “Sempre que posso abordar a ‘classe das interjeições’ nas aulas, pelo facto de a Variedade do Português de Angola (VPA) possuir formas próprias, além daquelas que a gramática normativa do Português nos dá a conhecer, faço alusão a elas – crucifiquem-me os puristas”.

Esse é o dilema que muitos educadores enfrentam, ao ensinar uma língua cujas raízes multiplicam-se em diferentes terrenos culturais. As interjeições, tão pequenas e aparentemente insignificantes, são, na verdade, janelas para um universo de expressões emocionais. Elas não apenas servem para transmitir emoções, mas também revelam muito sobre a cultura, os sentimentos e as vivências de quem as usa.

Na VPA, expressões como “aka!”, “mamué, “ewa”, “ove”, “aiué”, “oko!”, “aua!”, “mba!” são vivas, pulsantes e frequentemente mais familiares a muitos alunos angolanos do que as interjeições ou locuções catalogadas nas gramáticas do Português Europeu (PE). Enquanto “apre!”, “oh cruz credo” ou “ora bolas!” podem parecer distantes e formais para muitos, as formas locais surgem como verdadeiras expressões de identidade e pertencimento. A título de exemplo, conforme Clemêncio Queta, em circunstâncias de aflição, perigo ou medo, um falante angolano dificilmente usará a locução interjetiva “oh cruz credo!” ou “valha-me Deus!”, mas, sim, “mamaué!”, “aiué!” ou, ainda, “Meu Deus!”. Em prosseguimento da deixa anterior, o autor pergunta se esse facto é ou não característica da emergência de uma norma própria do Português de Angola.

As interjeições da VPA reflectem a vivência angolana. Ao levá-las para a sala de aula, servindo-se da música de Nilda Catumbela com o título “Oko, Aka[1]”, por exemplo, não se ensina simplesmente a gramática; acima de tudo, valoriza-se a cultura de muitos alunos. A música, as conversas cotidianas e até os momentos de lazer no ambiente familiar reforçam o uso dessas expressões, tornando a gramática normativa menos eficaz, se não adaptada à gramática funcional, ou seja, à realidade de quem a aprende. A linguística é um universo vasto e, como ensinam renomados sociolinguístas, cada variedade tem seu valor e, por isso, não deve ser marginalizada. Marcos Bagno, por exemplo, defende que a língua é um reflexo da identidade cultural e social de seus falantes. Por seu turno,  José Carlos Venâncio entende que o português falado em Angola está em constante evolução, absorvendo influências locais e internacionais.

Certo é que, ao ensinar, não podemos limitar-se à rigidez das normas gramaticais, mas encontrar um ponto de equilíbrio. A Variedade do Português de Angolana não está em desacordo com o PE, mas complementa-o. Aliás, não há variedades superiores a outras. Ao final, “a diferença entre remédio e veneno é a dose”, como diz Mário Sérgio Cortella. Deve-se ensinar tanto a gramática normativa quanto a descritiva, permitindo que o aluno compreenda que não existe apenas uma maneira correcta de expressar o que sente ou pensa.

O desafio, então, é encontrar esse equilíbrio, evitando a estigmatização das formas linguísticas locais e promovendo uma educação que respeite tanto a diversidade quanto a norma. Afinal, as interjeições são apenas um exemplo. Na vastidão da língua, outros tópicos podem e devem ser trabalhados sob essa mesma óptica, como os pronomes de tratamento, por exemplo, que variam entre a variedade brasileira, portuguesa e angolana.

No fim, ao ensinar os alunos a valorizar tanto a VPA quanto a norma padrão, promovemos uma formação mais completa, capaz de respeitar a identidade e, ao mesmo tempo, abraçar as regras da língua que eles compartilham com milhões de falantes ao redor do mundo.


[1] https://www.youtube.com/watch?v=4gUWIODtoyo

Fidel Fernando

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