Réquiem da alma
Ella Dominici: Poema ‘Réquiem da alma’
Absoluto sentido despede o absurdo,
e eu, que me dobro aos ventos do tempo,
conduzo o vazio com mãos de maestro,
regendo silêncios que falam ao mundo.
Música, insto-te: sê minha prece,
minha fuga, meu cântico breve.
Arranca-me destas paixões torpes,
leva-me além, onde a alma leve
não pesa mais sob a sombra da vida.
Estende-me nas cordas, que vibram,
numa música que sobe às janelas.
Faz-me dançar além existenciais alas,
bailar entre estrelas frágeis e belas.
Ó vida, tanta vida e tão fugaz,
ponte sobre abismos que não se tocam.
E eu, desalojado do nada que deixo,
sou rei sem coroa, leão sem força.
Minha vida é onda, fluida, em movimento,
que volta ao mesmo mar onde começou.
Hoje se vai, lutuosa, em silêncio,
sangrando o jugo de tudo que restou.
Será o vazio maior que a Verdade?
Será o absurdo mais forte que a fé?
Eu te digo: não. Pois na tua arte
há um verbo oculto que nunca se perde.
Existência amarga, exílio íntimo,
escala montanhas de mortalidade.
Mas o instante belo – ah, o instante breve! –
rompe o banal e tece a eternidade.
Poesia és no Formador, ouves? Mesmo a morte,
besta incompreensível, é poesia reconciliadora
Na sombra fria, poeiras de rimas sombrias,
há um eco vivo que o tempo alumia.
E assim, peço-te: faz da Palavra
o grito que busca o instante absoluto.
Faz-me testemunha do que não compreendo,
e deixa-me achar na fé um novo rumo.
Pois em ti, Deus vejo-me inteiro,
mesmo em dúvidas, caos, impossibilidades.
Tu me legas o sopro que do mundo afasta,
e, no adeus ao absurdo, alcanço a eternidade.