A arte da pontuação
Fidel Fernando
‘A arte da pontuação: uma necessidade em tempos de expressão’


Pontuar é uma arte que vai muito além das regras fixas que, muitas vezes, encontramos nos compêndios gramaticais. A vírgula, o ponto e vírgula, o ponto final e outros sinais de pontuação formam um sistema complexo que molda e orienta a leitura. No entanto, pontuar exige mais do que obedecer às normas; é um exercício de empatia, onde o autor se coloca no lugar do leitor, ajustando a pontuação ao género textual e à mensagem que deseja transmitir.
Essa abordagem alerta-nos para a ideia de que cada género textual escolhe, por assim dizer, seus próprios sinais de pontuação. Numa fábula, por exemplo, a pontuação ajuda a dar vida às falas dos personagens e à cadência da narrativa. Já numa agenda de reunião, cada ponto ou ponto e vírgula mantém a clareza das informações. Como observam Leal e Guimarães em ʻPor Que é Tão difícil Ensinar a Pontuar?ʼ, o acto de pontuar vai além de um simples conjunto de normas, requerendo sensibilidade para adaptar o texto ao género e ao contexto.
A necessidade de pontuar conforme a norma é clara, pois ela garante uma comunicação precisa. Entretanto, como argumenta Luft em ʻA vírgula: Considerações sobre o Seu Ensino e Empregoʼ, devemos ter cuidado para não aprisionar o uso da pontuação a uma norma engessada. Para ele, pontuar é também uma questão de estilo e de intenção comunicativa. Cada escolha de pontuação influencia o ritmo, a expressividade e até a interpretação do texto. Por isso, ele propõe que os professores incentivem seus alunos a experimentarem as várias possibilidades que a pontuação oferece, sem ignorar a norma, mas também sem sufocar a liberdade expressiva.
Assim, pontuar não é um processo mecânico; é uma forma de diálogo com o leitor, onde cada sinal tem um papel crucial na construção da mensagem. O autor, ao escolher onde inserir uma pausa ou onde terminar uma ideia, precisa considerar o leitor como um interlocutor activo – o que Bakhtin chamaria de ʻalteridadeʼem sua análise sobre os géneros do discurso. A comunicação eficaz passa, portanto, por entender que pontuar sob uma perspectiva apenas normativa desconsidera o facto de que diferentes tipos de texto –uma narrativa, um relatório técnico, ou uma crónica como esta – exigem tratamentos distintos.
No entanto, é importante alertar para os riscos de pontuar puramente por intuição ou por uma ʻsensaçãoʼ de onde devem estar as pausas. A intuição é válida, mas precisa ser acompanhada pelo conhecimento dos critérios gramaticais e contextuais. Caso contrário, corremos o risco de criar frases ambíguas, que dificultam a compreensão, algo que Garcia aborda em ʻComunicação em Prosa Modernaʼ, defendendo que a pontuação precisa sempre guiar a clareza da leitura e ser fundamentada em uma visão que une norma e estilo.
Sobre o estilo de pontuar, observa-se o caso de Saramago, que confere à vírgula, nas suas obras, várias funções. O autor dá novos significados à vírgula, substituindo, deste modo, outros sinais de pontuação: o travessão, o ponto de interrogação e o ponto de exclamação. Neste aspecto, concordamos com Vieira et al., para quem “a literatura de Saramago é inovadora pela maneira de narrar e pela pluralidade de usos da vírgula”.
Portanto, a arte da pontuação é, em última análise, um exercício de equilíbrio. Urge aprender a pontuar conforme as normas, mas não devemos esquecer que essas normas servem como ferramentas para enriquecer a expressividade do texto. A pontuação é a voz do autor no papel, a pausa e a respiração do texto, e deve ser usada com técnica, mas também com arte. Afinal, pontuar não é apenas uma questão de seguir regras, é uma forma de nos fazer compreender melhor – e essa é, sem dúvida, a maior responsabilidade de quem escreve um texto.
Fidel Fernando