Liberdade geométrica
Nilza Murakawa: Poema ‘Liberdade geométrica’


Daqui de casa
Vejo o Sol nascer quadrado
Raios e ferros listrados
Bordados em ponto cruz
Lá em cima
Pipas coloridas, confusas
Driblam fios e linhas de vidro
Espiando de seus ninhos
Passarinhos desconfiados
No muro em frente
Rabiscos insistentes
Recados em códigos esquisitos
Tingem de negro e de cinismo
Toda aquarela do grafitismo
Deste lado da rua
Peões respingados da massa
Apressam os passos, sem graça
Domésticas arrumadas
Abraçadas com suas bolsas a tiracolo
Do outro lado
Em vidros semiabertos
Colarinhos engomados
Brincos e penteados
Voam blindados
Da esquina
O chope e as batatinhas
Mudaram-se para o quintal
Os guris de calças curtas?
Nem sinal!
No portão
Bem posicionados
Olhares eletrônicos
Nem só pela pizza esperam
Lavanderia, padaria
Pet shop, pedrarias
Manicure, pedicure
Jornal, revista semanal
Jontex®, calminex®
Buquês, marmitex®
E sapatos via sedex®
Meus pés sentem falta de gente…
Reféns de bichos
Minha história e a sua
Não são mais escritas
Com nossa tinta
Também não é mais redonda
Nossa lua
Meus olhos sentem falta do sol por inteiro…
Tem listras minha pele
Tem listras meu pijama
Nilza Murakawa