Entre falar, escrever e, quem sabe, expressar-se
Elaine dos Santos
‘Entre falar, escrever e, quem sabe, expressar-se’


Já fui insuportavelmente exigente quanto à minha escrita, sobretudo, na produção de textos acadêmicos autorais. Sou professora licenciada em Letras e, embora tenha ministrado raríssimas aulas especificamente de Língua Portuguesa – dediquei-me ao trabalho com Literatura -, é minha obrigação pautar-me pelo uso da língua chamada culta, aquela ditada pela gramática.
Nos últimos anos, especialmente, após a aposentadoria – ainda que eu continue trabalhando como revisora de textos acadêmicos -, precisei reinventar-me em função de um ‘ranço’, implicância com a minha escrita em redes sociais.
Dizem que escrevo demais, que escrevo difícil, que a minha linguagem é rebuscada, que me valho de metáforas, de ironias. Eu trabalhei, quase 20 anos, com Literatura: precisei ler, interpretar, entender textos canônicos/clássicos de Literatura, é parte do meu trabalho, não sei como fazer diferente.
Por outro lado, com muita frequência, sou procurada por pessoas que, preparando-se para concursos, processos seletivos que envolvem provas de português, dizem: “Como é difícil ler, entender e responder questões de análise e interpretação de textos!”
Essas mesmas pessoas reconhecem que há uma grande distância entre o português que falam e o português que leem e escrevem. A culpa é da gramática? A culpa é do falante?
Existem alguns índices que apontam uma qualificação pessoal, profissional de um indivíduo. Algumas pessoas acreditam que ter o carro do ano, ter uma casa imponente sejam ‘sinais de status’. Outras avaliam que roupas de grife ou viagens a Europa diferenciam-nas dos ‘relés mortais’.
Nós, usuários da Língua Portuguesa padrão, particularmente, na escrita, consideramos duas coisas fundamentais: ter algum conhecimento que nos permita falar ou escrever – com certa propriedade – sobre os assuntos em pauta na contemporaneidade e fazê-lo com uma escrita clara, sem desvios graves de ortografia, pontuação, acentuação, concordância.
Oswald de Andrade, um dos ícones da primeira fase do Modernismo no Brasil, escreveu um poema conhecidíssimo: “Dê-me um cigarro / Diz a gramática /Do professor e do aluno / E do mulato sabido / Mas o bom negro e o bom branco /Da Nação Brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada/ Me dá um cigarro”.
É preciso pontuar dois aspectos: Oswald de Andrade faz parte do grupo iconoclasta, que se propunha a quebrar todas as normas, todas as regras, agindo sob influência das vanguardas europeias. A sua proposta não se conservou ‘ipsis litteris‘por muito tempo, a segunda fase do Modernismo em termos de poesia voltou-se com fervor ao clássico soneto, rimas ricas, métrica decassílaba.
Não somos astros de primeira grandeza da Literatura Brasileira e, em nome de uma suposta criatividade, não convém transgredir ortografia, concordância, regência apenas para ‘parecer diferente’. Se as pessoas não se entendem em redes sociais, se reclamam de qualquer erudição, como fazê-las compreender quando nos desviamos de um padrão meramente aceito pelos países de Língua Portuguesa.
Se cada pessoa ‘inventar’ a sua Língua Portuguesa, não terão sentido os inúmeros acordos ortográficos entre os países que usam essa língua e, cá entre nós e o mundo, não é todo dia que surge um Riobaldo na pena de Guimarães Rosa.
Capricho, cuidado na escrita. Muita transpiração: escreve, reescreve, revisa são alguns pontos básicos para todos nós, poetas, prosadores, estudantes, concurseiros.
Profa. Dra. Elaine dos Santos