Raízes das linhas e sementes do riso

Ella Dominici: ‘Raízes das linhas e sementes do riso’

Ella Dominici
Ella Dominici
Imagem criada por IA do Bing - 19 de setembro de 2025, às 09:11 PM
Imagem criada por IA do Bing – 19 de setembro de 2025, às 09:11 PM

Aqui, colhemos as raízes que um dia plantamos em manhãs de alegria. Da sacada, o mar se abriu em primeira visão, e nas areias tristonhas se espalhou o silêncio de lembranças dispersas. Dentro da casa, a velha contava histórias ao ocaso, e ele, distraído, ouvia como quem encontra, por acaso, o fio secreto da vida.

A insegurança rondava, cambaleante, na dança incerta dos dias: duas auroras, uma rosa e outra roxa, se erguiam como promessa. No bolso, um pente; na boca, um dente. Pequenos símbolos da permanência, guardados e amarrados num lenço para não se perderem, como pensamentos fixos que insistem em seguir viagem.

Às costas, a crista dos rochedos se erguia, altas escarpas que outrora foram tórridas. Amigos, cúmplices da vida, conspiravam com as esquinas, enquanto, nos portais do tempo, a ferrugem das maçanetas revelava segredos do interior — segredos que fugiam ao toque dos dedos.

As palavras balbuciavam sentidos, como raízes que rastejam sobre seixos na beira d’água. Desde então, aprendi: as sementes são sempre mais alegres do que as raízes que permanecem presas aos séculos. Porque as raízes, mesmo que avancem por escadas de mármore, jamais alcançam as nuvens de Carrara que se infiltram pelos tetos fendidos.

Já as sementes, livres, voejam. Vão nas asas do amor, nos bicos de beijos, nas copas de árvores e ninhos ardentes, até o templo dos sentidos. O pólen, em sua dança, dispersa cócegas pela pele, desfazendo a arrogância e desnudando o ego cego.

E na elegância do riso, aquele riso que chega até às lágrimas, fragrâncias se libertam, dissolvem mistérios sérios e devolvem à vida seu brilho de instante. Passionais, as sementes cavalgam no dorso de rosas desvairadas; na pressa da alegria, perdem as sandálias, e até mancando correm — mas correm sempre, leves, no movimento que as conduz para além do peso das raízes.

Porque a vida, afinal, é bem mais alegre do que triste: é feita de sementes que se recusam a permanecer presas, e escolhem sempre dançar no vento.

Ella Dominici

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