Silêncios que falam alto
Paulo Siuves: Crônica ‘Silêncios que falam alto’


Os dias andam estranhos. Todo mundo repete isso, mas ninguém sabe exatamente o que anda fora do lugar. Talvez porque o fora de lugar tenha virado regra — ou porque estamos todos cansados demais para admitir. Outubro chegou com cheiro de chuva que não veio, calor em hora errada e uma sensação de que algo está prestes a acontecer… mas nunca acontece.
As notícias pipocam nas telas sem mais espanto. O mundo grita todos os dias, e nós… silenciamos. Rolamos, clicamos, curtimos, indignamos, esquecemos. O ciclo do absurdo já não é exceção — é algoritmo.
Nas cidades, a pressa virou distração. Corremos menos por urgência, mais por hábito. Em casa, assistentes virtuais falam mais que vizinhos. A geladeira manda avisos, o carro quase se dirige sozinho — e ninguém sabe para onde.
Não é paz o que sentimos, é cansaço. Um silêncio atravessado de ruídos: econômicos, sociais, políticos, climáticos, emocionais. Cada um com seus fones de ouvido, sua bolha digital, sua playlist de escapismo. Sua ansiedade medicada.
Ainda assim, há resistências. Pequenas, quase invisíveis, mas teimosas: um café sem pressa, um livro esquecido relido, uma conversa sem motivo que termina em riso, uma planta crescendo no quintal. Há quem insista em plantar, mesmo quando o tempo já não sabe prever a si mesmo.
Talvez outubro esteja nos lembrando que a vida não se resume a sistemas atualizados ou terabytes configurados. Há poesia no fora do padrão, no que não cabe em planilha, no que não dá lucro.
Não lembramos de metade do que vivemos no primeiro semestre — consumimos, nos recompensamos, esquecemos. Mas talvez, só talvez, este outubro esteja nos oferecendo uma pausa. Não por esgotamento, mas por possibilidade.