A amplitude do cuidar
Cláudia Lundgren: ‘A amplitude do cuidar’


‘Cuidar’, vocábulo de múltiplos sentidos. ‘Cuidado’, abrange muitas interpretações.
É uma palavra substantiva, que pode significar ‘ter zelo com alguma coisa’, como na expressão: “Cuidado para não quebrar o prato!” Já em “Cuidado para não levar um choque! Não ponha a mão no metal ao ligar o aparelho na tomada!”, “Cuidado para não cair daí!”, ou ainda “Devo dirigir com cuidado!”, o vocábulo significa ‘agir com precaução, com cautela’, zelando aí, não mais por uma coisa, mas pela sua própria vida, ou pela vida de outrem.
Se eu disser que a condição de saúde de alguém gera ‘cuidados’, significa que devemos nos preocupar, pois é grave. Quando dissemos que o ladrão agiu ‘cuidadosamente’ (com cuidado) ao furtar uma casa, significa que foi algo pensado, premeditado, de forma silenciosa, a fim de não deixar vestígios. Cuidar de alguém pode ir desde a fazer um curativo numa ferida, preparar uma refeição, ajudar a fazer uma tarefa que o outro esteja impossibilitado ou dar apoio emocional.
Cuidar, sentido tão amplo… acordar em uma madrugada fria a fim de pôr coberta nos filhos; amamentar, doar-se, ser alimento; dar banho nos pais que nem sequer lhe conhece mais ou oferecer a alguém uma escuta afetiva.
Ter cuidado com as palavras significa não ferir o outro; ter cuidado com alguém significa acautelar-se; cuidar de si mesmo significa fazer o que gosta sem ultrapassar o limite do outro: realizar exames periodicamente, praticar exercícios físicos, ter respeito consigo mesmo, enfim, tratar-se bem.
É o patrão que preocupa-se com a saúde física e mental dos seus funcionários, oferecendo-lhes um bom plano de saúde e permitindo que eles durmam meia hora pós-almoço. Cuidar de uma empresa significa cuidar de pessoas: dar ordens sem ofender; agir sem preconceitos; não cometer, e nem permitir que se cometa, abusos com a funcionária bonitinha da recepção. Um bom líder demonstra sua autoridade sem pressionar ou amedrontar o liderado.
Já em um hospital, ‘cuidar’ é agir integralmente . É olhar o paciente como uma pessoa, que tem uma história, uma identidade, vontades, princípios, fragilidades. Cuidar do paciente não é agir no automático ‘ver o soro – a medicação – aferir a pressão – a temperatura – ver a glicose – trocar fraldas’; é compreender que ali habita alguém que merece a sua atenção, seu bom dia, seu sorriso. É alguém que merece conforto: lençóis e fronhas limpas, um banho caprichado, a posição agradável no leito; alguém que se preocupe em virar o corpo de quem não já não pode mover-se.
Cuidar, em saúde, não é agir sozinho, é trabalhar em equipe: administração, assistentes sociais, médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, acompanhantes terapêuticos, todos unidos em torno de um mesmo propósito; é um colega de profissão que procura entender a exaustão do outro, trocando com ele de plantão, com a permissão e compreensão da administração. Cuidar, em saúde, é também dar assistência aos familiares em momentos difíceis; é compreender a dor do parto, sem proferir palavras como “na hora de fazer foi bom”.
Para trabalhar na saúde tem que ser vocacionado no cuidar; ter empatia, se colocar no lugar do paciente; realizar o seu trabalho, exclamando internamente: “Era assim que eu gostaria de ser tratado!”; é saber dar uma má notícia; é mostrar ao paciente terminal que pode não haver cura, mas que ainda há vida. E, se não há mais cura, com todo o respeito, não faz muito sentido submeter o paciente a tratamentos dolorosos e, de certa forma, inúteis, se podemos simplesmente aliviar suas dores, oferecer nossos ouvidos, ver com ele o pôr do sol, contar-lhe uma história, pegar um violão e cantar para ele uma canção, fazer aquele curativo bem feito, dar um abraço e um beijo, permitir que o quarto de hospital seja o seu lar. Tudo isso, e infinitamente mais, significa o ‘cuidar’; o cuidado.
Cláudia Lundgren