Mais uma canção para você
Paulo Siuves: Poema ‘Mais uma canção para você’


Há dias em que acordo com seus passos.
Como se o chão, ainda frio, lembrasse o contorno dos seus pés.
Há sempre um acorde ressoando em mim,
como um coral que tenta se calar —
mas não consegue manter essa clave guardada no bolso.
Eu componho porque não sei perder.
E porque você sabia — ah, você sabia —
que eu não mentia quando dizia “volto já”.
Eu sempre volto.
Mesmo sabendo que seu nome se afasta de mim
como vela soprada em mar revolto.
Há noites em que meu peito é puro instrumento:
um surdo-mor lento de carne que ainda arde,
feito desses desejos que se explodem em metáforas.
Cada nota que escrevo hoje é oferenda e ferida.
Cada pausa que deixo na pauta é um grito contido.
E se alguém me perguntar por que insisto —
direi que a música é como o amor impossível:
não se mede pelo alcance,
mas pela persistência, pela esperança.
E se essa esperança é suicídio ou seiva,
não saberei distingui-la agora.
Mas ainda assim escrevo.
Porque um dia — talvez —
esta canção perdida que escrevo agora
seja a canção que finalmente encontre você,
e nos realize.
Mesmo que seja tarde demais.
Mesmo que seja apenas uma hora.
Porque enquanto houver música —
eu ainda toco você.
E enquanto houver silêncio —
você ainda me fere.
O impossível permanece —
e ainda assim, eu continuo compondo.