No silêncio do entardecer a vida passava. Percursos íngremes, trajetos sinuosos, ora longos, ora curtos, cheios de dor, de solidão, de saudades.
Enveredava na plácida tarde, caminhos pedregosos, juntando pedras, para construir castelos, fortes à ventania e às tempestades.
No murmurejo das águas do rio Vermelho e nas pedras dos mistérios, dos segredos, da ilusão, o tempo passou.
Recriava a vida buscando o cume da montanha, livrando-se dos tropeços, tornando os empecilhos transponíveis.
Na solidão dos versos, sonhos e canções, canções d’amor ao murmúrio do vento.
À sombra mortalha do silêncio sussurros ditavam o tempo, imprimindo sobre as pedras, sua história, sua fortaleza e solidez, no caminho de pedras do existir.
Como de costume aquele velho rabugento, desdentado, carcomido e solitário chegou até o boteco da sua preferência.
Com a barba a fazer, e portando um andador surrado com tempo, enferrujado e cheio de bactérias, que um pequeno corte bastaria para pegar um tétano lascado, caminhou até o balcão já com o seu mau humor costumeiro.
– Hei! Seu balconista lerdo, me vê a mesma porcaria de pinga de sempre, por gentileza.
E lá vai o balconista cumprir as ordens daquele cliente que, ainda mesmo na casa dos oitenta e tantos anos, não deixava o costume de julgar, a mandar em todos, auscultando que estava no tempo da “Ditadura” ainda, já que era um grande simpatizante dos membros da “Caserna”.
E assim o velho se sentou isolado, e não gostava de ser importunado por ninguém.
Diante de suas artrites severas, e seus problemas pulmonares em virtude do tabaco, tinha noção que já estava, “fazendo peso na terra”.
E tampouco alguém se importaria com sua morte, então era aproveitar o pouco da diversão da vida de solteirão lhe proporcionava, que era se embriagar diante das poucas “migalhas financeiras” que tinha de sua aposentadoria de antigo funcionário da falida Companhia de Trens Intermunicipais.
Mesmo diante do marasmo de uma existência fajuta, tinha a consciência de que a morte seria somente um complemento para continuar respirando e resmungando em outro plano existencial, sendo uma forma de transmutação que viesse trazer algum relaxamento para suas limitações físicas, mas que, pelo contrário, desenvolveu uma mente perspicaz e assídua para falar mal da vida alheia, fazendo da fofoca uma das poucas coisas de valor que ainda poderia esperar de seus dias.
No meio daquele bando de consumidores assíduos de álcool, de vez em quando aparecia algum vira-lata magricela, procurando silenciosamente alguma posta de salgado ou carne vencida, pelo qual teria companhia de larvas e mosquitos que aí faziam sua “degustação diária de doenças e incômodos zumbizante”, quando não tinham seu “alimento” vendido pela metade do preço para os clientes menos desavisados, ou que já estavam encharcados de tanta birita, e que não percebiam tal falta de higiene.
Ele era um que comia dessas “fartas pachorras de guloseimas baratas”, e também não tinha a menor paciência com os “doguinhos” que ficavam ao seu redor, lhe causando importunos por causa que sua medíocre solidão tinha sido interrompida.
Mas no meio daqueles cachorros, nesse dia surgiu um gato gordo, portentoso, forte, maravilhoso, que fez vários daqueles barrigudos bebedores de cerveja prestarem atenção em sua virtuosidade e beleza.
E ele passa para lá e para cá, com seus olhos azuis cintilantes e fortes, prontos para dar um bote em quem ousasse se aproximar.
O velho, mesmo com sua catarata, avistou o felino, e voltando em suas memórias, tinha plena convicção que um dia tinha sido tão ágil, belo e sadio como a criatura que estava passeando em sua frente.
– Esse gato tem algo de especial… No meio de toda essa miséria e sujeira ele está aqui, passeando de um lado para o outro, como se estivesse pronto para pegar algum de nós, malditos infelizes e levar para o mundo dos mortos- pensou consigo mesmo.
Em um momento da sua vida tinha lido, que no Antigo Egito, o gato era considerado o guardião dos mortos, e dos submundos.
Lentamente o bichano, vai se aproximando, com suas cores branca e preta, mas de tanta bebedeira coletiva, quase ninguém nota sua presença.
Os cachorros famintos, quase nem tem forças para latirem para o intrépido invasor que aproxima daquele local de perdição e lamento.
E ele vai assim se constituindo imponente em sua jornada, demonstrando toda a sua leveza e beleza, entre uma falta de elegância humana, mas aonde sobra ganância material, e pouca paz mental.
Ele empina o rabo, e diretamente vai até velho no fundo daquela espelunca e pula no seu colo, esfregando a cabeça no seu peito, como se estivesse pedindo carinho, o que automaticamente recebe do ‘saco bípede de reclamações ambulante’.
– Bem gatão, você é único que me deu atenção entre todos esses imbecis, e pelo jeito está sozinho assim como eu, nesse mundo hipócrita, já fui tão belo como você agora só aguardo o dia da minha morte.
Com muita dificuldade conseguiu um coleira, que era de um dos frequentadores do bar, e passou no pescoço do belíssimo animal.
Pegou seu andador e amarrou a corda que prendia o gato junto aos pés do seu fiel companheiro de metal andante.
Como de costume deixou o dinheiro em cima do balcão e saiu seu cumprimentar ninguém, mas não sem chamar atenção, dos frequentadores do botequim.
– Esse gato vai perder toda a formosura e vai morrer de fome logo. Esse velho ao qual nem se quer sabemos o nome não vai tratar dele, de maneira alguma.
Comentou um dos clientes, que observavam “a partida do animal”, e do gato.
O velho não voltou mais ao bar, mas nem se quer notaram sua ausência.
Dias depois devido há um imenso mau cheiro que vinha de uma casa próxima do bar, e polícia foi chamada até o local para averiguar o odor de carne podre que vinha incomodando seus moradores, que vinha diretamente de suas residências.
Arrombaram a porta da casa, e encontraram o velho coberto de moscas e em estado de decomposição.
Fazia dias que tinha morrido, e unicamente notaram sua ausência, através da difusão do cheiro insuportável do seu cadáver.
Enquanto o gato que tinha levado para casa ,dormia tranquilamente em sua cama de molas, se espreguiçando docemente, o que fez um policial levá-lo para casa, e assim ter um novo lar para fica
– Gatinho você tem um novo lar, mais tranquilo que esse muquifo em que enfiaram você! Disse o ingênuo policial.
A professora Adriana sentou-se delicadamente na poltrona, em frente ao médico. Nada disse. Mas o Doutor, educadamente:
– Bom dia Adriana, como vai indo?
Ela pensou: “lá vem ele com seu gerundismo.”
A boca continuou cerrada, apenas alguns suspiros velados saiam pelas narinas. O Doutor Augusto era seu médico há alguns anos, porém, não havia intimidade para confissões. Apenas o visitava a cada dois meses, para pegar os receituários de, pelo menos, meia dúzia de ‘remédios’. Seu olhar estava fixo naqueles olhos pretos, que pareciam enormes, por trás das grossas lentes dos óculos!
De repente, em segundos se viu andando apressada no corredor. Uma bolsa pesada sobre o ombro esquerdo e os braços carregados de livros e cadernos. Tinha uma sequência de portas dos dois lados. Muitos estudantes saíam e entravam nas salas. Era uma total algazarra.
Parou quase no final do corredor, quando se deu conta que não lembrava qual era a sala que deveria entrar…teria que conferir novamente na sua planilha de horário. Seu coração já batia descompensado. A boca estava seca…precisava de ajuda para abrir sua agenda. Alguns professores passavam por ela apressados, adentrando em suas salas. Teriam que entrar rápido nas salas, para que os os estudantes entrassem, senão o burburinho continuava.
Drica não sabia se pedia ajuda a algum aluno ou se voltaria à sala dos professores para conferir qual era a turma, onde já deveria ter entrado há cinco minutos. O suor minava na testa, ela já estava em pânico novamente.
– Dona Adriana, a senhora está bem? – indagou o médico, estendendo-lhe a mão, com um lencinho de papel.
– Ah! Sim! Sim! Desculpe-me doutor, apenas me distraí…
– A senhora está pálida… como tem passado nos últimos dias?
– Tenho passado bem…muito bem, obrigada! Eu trouxe-lhe os últimos exames que me pediu.
– Ah! Ótimo. Deixe-me ver…
A professora Drica, como era chamada por seus colegas e alunos, pegou a pilha de exames que estava em seu colo e colocou sobre a mesa do médico.
Enquanto o médico folheava, ela viajou novamente em seus pensamentos repetitivos: Agora estava lutando contra o tempo para conseguir encontrar seus horários de aula, abrindo com uma só mão os livros e cadernos que carregava, quando, de repente, caiu tudo no chão do corredor. Não fez tanto barulho, mas chamou a atenção de alguns estudantes que ainda estavam nas portas das salas. Ela ficou de cócoras para juntar o material, então ouviu uma voz às suas costas:
– Professora Adriana! O que houve? A senhora não deveria estar em sala de aula? Seus alunos ainda estão todos nos corredores!
Ela levantou o rosto, os livros que havia apanhado caíram de suas mãos. Ela tentou explicar o que havia acontecido, porém as palavras não saiam de sua boca:
– Eu…eu…”
A coordenadora interveio:
– O que é isso? A senhora não me parece bem! Vamos até a minha sala, vamos conversar…
– Claro, claro! Só um instante… Assentiu, juntando o material, agora com a ajuda da coordenadora.
Caminhavam apressadas pelo corredor, sob os olhares curiosos dos adolescentes. Entraram. A coordenadora encostou a porta e fez sinal para que Drica se sentasse na cadeira à sua frente. Ela sentou-se, mas continuou a folhear o material procurando sua planilha de horário.
– Quer conversar professora? – disse a coordenadora, tentando olhar nos olhos de Drica.
– Sobre o que quer conversar, querida? – respondeu Drica, fazendo-se de desentendida.
– Professora, essa é a segunda vez na semana que a senhora fica perdida no meio do corredor…outro dia entrou em turma errada…ou seja, talvez esteja passando por algum problema e gostaria de desabafar…
– Ah! Achei! Achei! Acabei de resolver o meu problema. Minha aula agora é no quinto ano C! Desculpe querida, preciso dar essa aula hoje… pra ficar em dia com o conteúdo. Obrigada pelo apoio.
A professora falou e foi se levantando da cadeira. Abriu a porta e saiu rápido pelo corredor.
Enquanto o médico lhe dizia que seus exames estavam bons, exceto o colesterol um pouquinho alto, a glicose também estava saindo um pouquinho do normal. Seu hormônio da tireoide estava baixo, teria que fazer a reposição, para controlar a hipotireoidismo…Ah! e tomar Sol, precisa produzir a vitamina D, pois também está um pouquinho baixa…
Drica se lembrou da pergunta da coordenadora, sobre ter algum problema… O médico havia acabado de dizer que ela estava razoavelmente bem de saúde.
– Ah! E manter a medicação de uso contínuo para controlar a ansiedade, a depressão, evitar a síndrome do pânico como teve da última vez e… – a voz do médico foi sumindo no seu consciente. Ouvia essas mesmas recomendações há anos. Ela já sabia todo restante da conversa.
No dia seguinte estava novamente naquele comprido corredor cheio de estudantes em algazarra. Pisava leve, e se imaginava caminhando numa trilha no meio de uma floresta. Um ar puro e sons de passarinho. Um riacho de águas cristalinas fê-la parar. Devia atravessá-lo. Dobrou as barras da calça comprida e tirou os sapatos.
Olhou para a planilha de horário que já estava nas mãos, conferiu a turma e adentrou na sala de aula.
Hoje é o dia dos professores. Dia daqueles que sempre levam trabalho para casa, e em casa, precisam trabalhar para ter trabalho para o dia seguinte.
Dia daqueles que precisam dedicar um tempo em sua casa para corrigir provas e atividades. Daqueles que, mesmo que seja domingo ou feriado, precisam planejar as aulas para ministrar no dia seguinte.
Dia daqueles que não podem esquecer os diários para fechar, os relatórios para preparar, as apostilas para imprimir e o planejamento para concluir.
Dia daqueles que não podem esquecer de olhar as mensagens do celular, pois sua supervisora ali vai estar, lhe enviando aqueles famosos recadinhos, sempre para te lembrar.
Dia daqueles que são os verdadeiros responsáveis por formar todas as profissões, daqueles que tem superpoderes, e se transformarem em psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais.
Dia dos professores é o dia daqueles que ouvem diariamente as célebres frases: É para copiar, professor? Vai cair na prova? Vale quantos pontos? Pode fazer em dupla ?
É dia dos professores e não tem como esquecer, daquelas nossas vaquinhas que já viraram tradição, seja para um aniversário, evento ou comemoração.
Borboleta Leve meus encantos pintados a ILUSÃO Descreva meus poemas nas estrelas Dê vida e traga compaixão Voe sem tédio aos ouvidos do universo entoe minhas letras
Borboleta Vem de longe Abrace o vento Cante meu verso Beije meu terço Não iluda meu peito
Oh! Borboleta Que seu olhar oceânico mude consciência sua aura lave a terra Aqui estamos Derreados com as falácias dos magistrados
Então vem para ficarmos a sós! Leve-nos depois Entre você em nós Entregamos nossas mágoas aos seus magnos sons Deixe-nos ir para longe Leve-nos para vós OUÇA A NOSSA VOZ