A Colônia dos Abacateiros

Há mundos que só se visitam quando o corpo dorme e a alma desperta. A Colônia dos Abacateiros é o relato luminoso dessas travessias

Capa do livro 'A Colônia dos Abacateiros', de Suziene Cavalcante
Capa do livro ‘A Colônia dos Abacateiros’,
de Suziene Cavalcante

Suziene Cavalcante é uma multifacetada escritora brasileira contemporânea. Após lançar obras dos segmentos jurídico, poético-literário, ficção-romance, biográfico, histórico, contos e prosa, lança A Colônia dos Abacateiros, um livro que revela a espiritualidade da autora.

Sinopse

Há mundos que só se visitam quando o corpo dorme e a alma desperta. A Colônia dos Abacateiros é o relato luminoso dessas travessias: uma obra inspirada nas experiências espirituais, projeções astrais e encontros sutis vividos pela autora, que recebeu a missão de traduzir em palavras o que viu nos planos da luz.

Nesse livro, o leitor adentra uma colônia espiritual em pleno nascimento—uma morada de cura, estudo, poesia e recomeço, onde pedreiros celestes erguem casas com preces, poetas desencarnados inspiram encarnados em sonho e mestres de luz orientam espíritos em transição. Entre jardins perfumados, pavilhões de sabedoria, hospitais vibracionais e templos de arte, revelam-se reencontros com entes queridos, congressos de poetas universais, tecnologias sutis e processos de reencarnação guiados por equipes espirituais.

A Colônia dos Abacateiros surge como um cinturão de amparo entre Goiás e Mato Grosso, irradiando cura especialmente aos que carregam dores profundas no corpo espiritual. Em suas alamedas, Cora Coralina, Manoel de Barros, Mário Quintana e outros espíritos ilustres ensinam que a poesia é ponte entre mundos, e que o amor é, acima de tudo, a verdadeira arquitetura do universo.

Mais do que um livro, esta é uma obra de consolo e esperança. Um convite para lembrar: a morte não é fim, mas retorno; a vida se estende em dimensões invisíveis; e cada gesto de amor que praticamos na Terra ergue, no Céu, uma nova morada.

Uma leitura para quem sente, pressente e deseja recordar de onde veio. Um cântico espiritual que acolhe, cura e ilumina.

Serviço

Título: A Colônia dos Abacateiros

Autora: Suziene Cavalcante

ISBN-13: 97806501 799117

Número de Páginas: 273

Preço Kindle: R$ 24,99

Adquira seu exemplar: https://a.co/d/iJvTk9v

Sobre a autora

Suziene Cavalcante.
Suziene Cavalcante.

Natural de Rondonópolis (MT), é bacharel em Direito, Letras e Teologia, policial estadual em Mato Grosso, poetisa, escritora de contos revolucionários, compositora e cantora cívica, com livros publicados em diversos segmentos: jurídico, poético-literário, ficção-romance, biográfico, contos, prosa etc. Autora do livro ‘A História de Cuiabá em Poesia – 300 anos’.

É Embaixadora Cultural da AIAP – Academia Intercontinental de Artistas e Poetas e coordenadora do Projeto Arte Jurídica/2° Juizado TJ-MT.

Autora de hinos de várias entidades, dentre as quais, ONU; Universidade de Sorbonne, OAB Nacional, Magistratura Federal; UFR- Universidade Federal de Rondonópolis e ABL- Academia Brasileira de Letras.

É biógrafa museal de personalidades pátrias célebres, dentre as quais Cora Coralina, Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer e Dom Aquino Correia, biografias escritas no formato poético-literário-histórico.

Na senda biográfica-poética, escreveu sobre Fernando Pessoa; Juscelino Kubitschek; Cecília Meireles e a História de Rondonópolis.

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Nadia Bussacchini na XV Florence Biennale

Bianca Agnelli

Nadia Bussacchini na XV Florence Biennale: uma poética de luz e sombra

Logo da seção Entrevistas ROLianas
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Nadia Bussacchini. Foto por Bianca Agnelli
Nadia Bussacchini. Foto por Bianca Agnelli

Firenze, 21 de outubro de 2025. Conheci Nadia Bussacchini por acaso, em um daqueles intervalos sutis que precedem os eventos destinados a se transformar em lembrança coletiva. Na área teatro do Pavilhão Spadolini, na Florence Biennale, uma expectativa crescente tomava o ambiente: fileiras de cadeiras já estavam ocupadas, alguns técnicos davam os últimos retoques com a iluminação, e o murmúrio distante da Fortezza da Basso se preparando para receber Tim Burton – aguardado por todos nós com seis horas de antecedência – para receber o prêmio Lorenzo il Magnifico pela carreira.

Nadia Bussacchini e Bianca Agnelli

Ela estava a poucos metros de distância, com um crachá que parecia pertencer à equipe. Perguntei-lhe uma informação qualquer, um gesto distraído para preencher a espera. Mas, em vez de uma resposta formal, recebi um sorriso e uma frase simples: “Sou artista.”

A partir daí, a conversa se abriu naturalmente. Ela me contou sobre suas obras, sobre o seu espaço expositivo em outro pavilhão, e me pediu – quase como uma brincadeira – para guardar o lugar dela. Mais tarde, quando a sala já estava cheia e o ar carregado de expectativa, ela voltou. Compartilhamos aquelas horas juntas, e formou-se uma conexão especial.

Após a cerimônia, fui ver seus quadros. Três telas, dispostas como um pequeno conto visual sobre maternidade, expectativas, realidade – e, sobretudo, sobre ser mulher.

Os títulos: RevelationThe Light WithinContemplation.

Tela Revelation. Foto por Bianca Agnelli

Em Revelation, uma concha de náutilo emerge de um fundo escuro. É um objeto antigo, quase sagrado, uma espiral perfeita que guarda o mistério do crescimento e da proteção.

Em The Light Within, o náutilo retorna, desta vez ao lado do seio de uma mulher, como se a ideia de “casco” e a de “corpo” se fundissem em um único gesto de cuidado.

Por fim, em Contemplation, uma figura feminina deixa-se envolver por elementos aquáticos e naturais – um polvo, peixes, uma mariposa luminosa – como se a natureza reclamasse os contornos do humano.

Nadia Bussacchini nasceu em Brescia, Itália e vive nos Estados Unidos, mas a sua pintura surge de um lugar que existe além da geografia. Após uma formação clássica, enriquecida por estudos de história da arte e pintura no exterior, encontrou o mestre Manuel Piña, com quem aprimorou seus conhecimentos sobre luz e sombra, seguindo a tradição da “scuola bottega”.

Tela The Light Within. Foto por Bianca Agnelli

Desde então, seu percurso entrelaça culturas, países e linguagens, mantendo no centro uma constante: a exploração da luz como lugar interior, como revelação silenciosa.

Suas obras, suspensas entre realismo e sonho, entre matéria e símbolo, falam com uma voz suave, porém poderosa. A concha, a mulher, a água, a luz: cada elemento se repete como uma oração laica. Olhá-las é como inclinar-se sobre um limiar – aquele entre o corpo e o espírito, entre o que se mostra e o que permanece invisível.

E é justamente nesse limiar que se move o tema da XV Florence Biennale, The Sublime Essence of Light and Darkness: Concepts of Dualism and Unity.

Nas obras de Bussacchini, a luz nunca é apenas luminosa, e a sombra nunca é apenas ausência. Trata-se de um diálogo contínuo entre revelação e mistério – um léxico que pertence tanto à matéria pictórica quanto à condição humana.

Para compreender mais profundamente a poética e o percurso de Nadia Bussacchini, fiz algumas perguntas sobre os temas e as imagens que habitam suas obras.

Tela Contemplation. Foto por Bianca Agnelli

Luz e escuridão, dualismo e unidade: conceitos profundamente entrelaçados ao seu vocabulário visual.

Como você interpretou essas ideias na série exposta, e o que a levou a explorá-las neste momento da sua carreira?

A luz e a escuridão sempre foram, para mim, duas presenças que convivem, como duas vozes que não se anulam, mas se completam. Na série que apresentei, quis aprofundar esse diálogo porque me encontro em um momento da carreira em que sinto a necessidade de compreender as origens das minhas emoções. A escuridão, para mim, não é um abismo, mas um ventre; e a luz não é uma resposta, mas uma passagem. Trabalhei buscando um equilíbrio entre essas duas forças, deixando que fossem elas a guiar o ritmo das imagens. Foi um processo de escuta profunda, quase meditativo, que acredito refletir perfeitamente meu estado interior.

O náutilo aparece em duas das suas obras – como concha em Revelation e junto ao corpo feminino em The Light Within.

Que significado esse símbolo tem para você? É um refúgio interior ou uma metáfora mais universal do nascimento e do acolher?

O náutilo é, para mim, um símbolo antigo, meditativo. Vejo-o como uma estrutura perfeita, uma espiral que cresce mantendo a memória de cada fase da sua existência. Em Revelation, representa o chamado para uma verdade interior, enquanto em The Light Within torna-se uma extensão do corpo feminino, um refúgio que guarda, mas que ao mesmo tempo convida a se abrir. O náutilo é, para mim, uma metáfora da viagem em direção a si mesma: conter, proteger, mas também renascer continuamente. É um símbolo que carrega delicadeza e força, assim como as mulheres que aparecem nos meus discursos visuais.

Nos seus quadros, maternidade, feminilidade e expectativas sociais se entrelaçam com a realidade.

Como você vive essa tensão na prática artística e na vida cotidiana, e como ela influencia a forma como você conta histórias através da pintura?

Ser mulher em um mundo cheio de expectativas é uma dança complexa. A maternidade – real ou simbólica – carrega um peso e uma luz que inevitavelmente infiltram-se no meu trabalho. Na minha prática artística, vivo essa tensão quase diariamente: o desejo de liberdade absoluta e, ao mesmo tempo, o chamado constante aos papéis que a sociedade nos impõe. Pintar torna-se então uma forma de renegociar esses limites, de contar não apenas o que vivo, mas o que muitas mulheres sentem e nem sempre conseguem expressar. Minha pintura, nesse sentido, é um lugar de libertação.

Antes da Florence Biennale, você expôs no Texas, no Marrocos e na Suíça, em contextos muito distintos.

Que herança você traz dessas experiências internacionais? Existe um fio invisível que liga todas as suas obras, ou cada exposição conta um capítulo separado?

Texas, Marrocos, Suíça… cada lugar me ensinou algo diferente, não apenas como artista, mas como ser humano. No Texas, percebi a força da multiculturalidade; no Marrocos, a poesia do silêncio e do deserto; na Suíça, a precisão e a calma. Acredito que exista um fio invisível que liga todas as minhas obras, mas não como uma linha reta… mais como um batimento, uma respiração que se repete de formas diferentes. Cada exposição é um capítulo, sim, mas pertencem todas ao mesmo livro emocional.

Você estudou com Manuel Piña, artista de forte matriz latino-americana.

Como a visão dele enriqueceu ou desafiou sua formação europeia? Você se sente artista entre dois mundos ou livre de fronteiras geográficas e estilísticas?

Estudar com Manuel Piña representou uma ponte entre mundos. Sua perspectiva latino-americana, tão potente e profundamente ligada à memória coletiva, abriu fendas na minha formação europeia, convidando-me a explorar a vulnerabilidade como força. Sinto-me uma artista entre dois mundos, mas também livre deles: minha identidade visual nasce dessa fusão, desse diálogo constante entre raízes e movimento.

Muitos dos seus trabalhos jogam com a luz, o corpo e a natureza de modos poéticos e suspensos.

Como você definiria o “lugar interno” onde nascem suas imagens? É um espaço de reflexão, memória, sonho… ou um entrelaçamento de tudo isso?

Minhas imagens nascem em um lugar que não saberia definir com uma única palavra. É memória, sim, mas também sonho; é reflexão, mas também intuição espontânea. É um espaço onde a lógica não domina: é mais parecido com um mar interno, no qual as ideias chegam como ondas. Algumas suaves, outras mais fortes, mas todas necessárias.

A Florence Biennale reúne artistas do mundo todo, e ainda assim suas obras parecem criar um diálogo íntimo com quem as observa.

Quando você pinta, o quanto pensa em quem verá o quadro, e o quanto deixa a obra falar sozinha?

Quando pinto, não penso em um público específico. Deixo que a obra nasça por si mesma, com seu ritmo e sua voz. Só depois, quando a exponho, percebo que a pintura sempre encontra um jeito de falar com quem a observa. Acredito que a magia esteja justamente aí: no fato de que cada espectador se torna coautor do significado.

Olhando sua trajetória artística, percebe-se uma continuidade sutil entre suas obras mais recentes e as mais antigas.

Se você tivesse que descrever esse fio invisível, como definiria a essência da sua pesquisa artística?

Se tivesse que descrever a essência da minha pesquisa artística, diria que nasce do desejo de compreender o ser humano por meio de símbolos que nos pertencem desde sempre – a luz, o corpo, a natureza, o rito. Meu fio invisível é a busca por um equilíbrio entre fragilidade e força, entre sombra e revelação. Todas as minhas obras, até as mais distantes no tempo, falam disso.

Em um mundo que muda tão rapidamente, como você acha que sua pintura, que entrelaça feminilidade, natureza e símbolo, pode dialogar com as transformações da nossa sociedade?

Vivemos em um mundo que muda em um ritmo vertiginoso. Acredito que minha pintura pode dialogar com essa mudança justamente porque busca a essência, não a superfície. Feminilidade, natureza e símbolo não são conceitos estáticos: são portas pelas quais observar o que está acontecendo. A arte pode ser um lugar de pausa, de consciência, de escuta. E é isso que busco oferecer.

Se pudesse escolher o próximo lugar para onde sua arte encontraria novos olhos e novos espaços, onde gostaria de levá-la? Existe o sonho especial de fazê-la chegar ao Brasil, permitindo que sua luz e suas histórias toquem terras distantes e novos públicos?

Gostaria de levar minha arte a muitos lugares, mas o Brasil ocupa um lugar especial no meu imaginário. Talvez por sua energia, talvez pela forma como celebra a vida e a espiritualidade. Seria uma honra compartilhar minhas histórias em um contexto tão vibrante. Cada nova terra é um novo diálogo, e sinto que o Brasil seria um encontro profundamente luminoso.

Agradeço a Nadia Bussacchini por nos conceder um olhar sobre seu mundo visual, onde a luz brinca com a sombra e a natureza conversa com o corpo humano. Suas obras não são apenas observadas: são escutadas, respiradas, levadas consigo. Percebe-se a delicadeza dos gestos, a força dos símbolos, a leveza com que o tempo se detém diante de uma concha, de uma mariposa, de um polvo que dança entre as cores.

Que essas imagens continuem a mover-se, a despertar curiosidade, a dialogar com novos olhos e culturas distantes; que encontrem quem as observe e o surpreendam, o toquem, o acompanhem por um instante fora do tempo cotidiano. Em um mundo que corre, a arte de Bussacchini é um suspiro profundo: silenciosa, potente, necessária.

Para acompanhar seu percurso, visite o site oficial nbussacchini.com e siga a artista no Instagram.

Bianca Agnelli

Nadia Bussacchini alla XV Florence Biennale: una poetica della luce e dell’ombra

Firenze, 21 ottobre 2025 

Ho conosciuto Nadia Bussacchini per caso, in uno di quei tempi sospesi che precedono gli eventi destinati a trasformarsi in ricordo collettivo. Nell’area teatro del Padiglione Spadolini, alla Florence Biennale, c’era un’energia di vibrante attesa: file di sedie occupate, qualche tecnico che sistemava le luci, e il brusio lontano della Fortezza da Basso che si preparava ad accogliere Tim Burton, atteso da noi tutti con sei ore d’anticipo per ricevere il premio Lorenzo il Magnifico alla carriera.

Lei era qualche metro distante, con un badge che sembrava appartenere allo staff. Le ho chiesto un’informazione, un gesto distratto per riempire l’attesa. Ma invece di una risposta formale, ho ricevuto un sorriso e una frase semplice: “Sono un’artista.”

Da lì, la conversazione si è aperta naturalmente. Mi ha raccontato delle sue opere, del suo spazio espositivo in un altro padiglione, e mi ha chiesto – quasi per gioco – di tenerle il posto. Più tardi, quando la sala si è riempita e l’aria era carica di aspettativa, è tornata. Abbiamo condiviso quelle ore insieme, e si è creata una connessione speciale.

Dopo la cerimonia, sono andata a vedere i suoi quadri. Tre tele, disposte come un piccolo racconto visivo sulla maternità, le aspettative, la realtà – e, soprattutto, sull’essere donna.

I titoli: RevelationThe Light WithinContemplation.

In Revelation, una conchiglia di nautilus emerge da uno sfondo scuro. È un oggetto antico, quasi sacro, una spirale perfetta che racchiude il mistero della crescita e della protezione.

In The Light Within, il nautilus ritorna, questa volta accostato al seno di una donna, come se l’idea di “guscio” e quella di “corpo” si fondessero in un unico gesto di cura.

Infine, in Contemplation, una figura femminile si lascia avvolgere da elementi acquatici e naturali – un polpo, dei pesci, una falena luminosa – come se la natura reclamasse i contorni dell’umano.

Nadia Bussacchini è nata a Brescia e vive negli Stati Uniti, ma la sua pittura appartiene a un altrove. Dopo una formazione classica, arricchita da studi di storia dell’arte e pittura all’estero, ha incontrato il maestro Manuel Piña, con cui ha perfezionato la sua conoscenza della luce e dell’ombra, seguendo la tradizione della “scuola bottega”.

Da allora, il suo percorso ha intrecciato culture, paesi e linguaggi, mantenendo al centro una costante: l’esplorazione della luce come luogo interiore, come rivelazione silenziosa.

Le sue opere, sospese tra realismo e sogno, tra materia e simbolo, parlano con voce quieta ma potente. La conchiglia, la donna, l’acqua, la luce: ogni elemento si ripete come una preghiera laica. Guardarle è come sporgersi su una soglia – quella tra il corpo e lo spirito, tra ciò che si mostra e ciò che rimane invisibile.

Ed è proprio su questa soglia che si muove il tema della XV Florence BiennaleThe Sublime Essence of Light and Darkness: Concepts of Dualism and Unity.

Nelle opere di Bussacchini, la luce non è mai solo luminosa e l’ombra non è mai soltanto assenza. È un dialogo continuo tra rivelazione e mistero – un lessico che appartiene tanto alla materia pittorica quanto alla condizione umana.

Per comprendere più a fondo la poetica e il percorso di Nadia Bussacchini, le ho rivolto alcune domande sui temi e sulle immagini che abitano le sue opere.

Luce e oscurità, dualismo e unità: sembrano concetti profondamente intrecciati al tuo linguaggio visivo.

Come hai interpretato queste idee nella serie che hai esposto, e cosa ti ha spinto a esplorarle in questo momento della tua carriera?

La luce e l’oscurità sono sempre state per me due presenze che convivono, come due voci che non si annullano ma si completano. Nella serie che ho presentato, ho voluto approfondire questo dialogo perché mi trovo in un momento della mia carriera in cui sento la necessità di comprendere le origini delle mie emozioni. L’oscurità, per me, non è un abisso, ma un grembo; e la luce non è una risposta, ma un passaggio. Ho lavorato cercando un equilibrio tra queste due forze, lasciando che fossero loro a guidare il ritmo delle immagini. È stato un processo di ascolto profondo, quasi meditativo, che credo rifletta perfettamente il mio stato interiore.

Il nautilus ricorre in due delle tue opere – come conchiglia in Revelation e accanto al corpo femminile in The Light Within.

Che significato ha per te questo simbolo? È un rifugio interiore o una metafora più universale della nascita e del contenere?

Il nautilus è per me un simbolo antico, meditativo. Lo vedo come una struttura perfetta, una spirale che cresce mantenendo memoria di ogni fase della sua esistenza. In Revelation rappresenta il richiamo a una verità interiore, mentre in The Light Within diventa un’estensione del corpo femminile, un rifugio che custodisce ma che allo stesso tempo invita ad aprirsi. Il nautilus è per me una metafora del viaggio verso sé stessi: contenere, proteggere, ma anche rinascere in modo continuo. È un simbolo che porta con sé delicatezza e forza, proprio come le donne che appaiono nei miei discorsi visuali.

Nei tuoi quadri, maternità, femminilità e aspettative sociali si intrecciano con la realtà.

Come vivi questa tensione nella tua pratica artistica e nella vita quotidiana, e come influenza il modo in cui racconti storie attraverso la pittura?

Essere donna in un mondo pieno di aspettative è una danza complessa. La maternità —reale o simbolica— porta con sé un peso e una luce che inevitabilmente si infiltrano nel mio lavoro. Nella mia pratica artistica vivo questa tensione quasi quotidianamente: il desiderio di libertà assoluta e, allo stesso tempo, il richiamo costante ai ruoli che la società ci impone. Dipingere diventa allora un modo per rinegoziare questi limiti, per raccontare non solo ciò che vivo, ma ciò che molte donne sentono e non sempre riescono a esprimere. La mia pittura, in questo senso, è un luogo di liberazione.

Prima della Florence Biennale, hai esposto in Texas, Marocco e Svizzera, in contesti molto diversi tra loro.

Quale eredità porti da queste esperienze internazionali? Esiste un filo invisibile che collega tutte le tue opere, o ogni esposizione racconta un capitolo a sé stante del tuo percorso creativo?

Texas, Marocco, Svizzera… ogni luogo mi ha insegnato qualcosa di diverso, non solo come artista ma come essere umano. In Texas ho percepito la forza della multiculturalità; in Marocco, la poesia del silenzio e del deserto; in Svizzera, la precisione e la calma. Credo che esista un filo invisibile che lega tutte le mie opere, ma non come una linea retta… più come un battito, un respiro che si ripete in modi diversi. Ogni esposizione è un capitolo, sì, ma appartengono tutti allo stesso libro emotivo.

Hai studiato con Manuel Piña, artista dalla forte impronta latinoamericana.

In che modo la sua visione ha arricchito o sfidato la tua formazione europea? Ti senti più artista tra due mondi o libera dai confini geografici e stilistici?

Studiare con Manuel Piña ha rappresentato un ponte tra mondi. La sua prospettiva latinoamericana, così potente e profondamente legata alla memoria collettiva, ha aperto crepe nella mia formazione europea, invitandomi a esplorare la vulnerabilità come forza. Mi sento un’artista tra due mondi, ma anche libera dagli stessi: la mia identità visiva nasce proprio da questa fusione, da questo dialogo costante tra radici e movimento.

Molti dei tuoi lavori giocano con la luce, il corpo e la natura in modi poetici e sospesi.

Come definiresti il “luogo interno” in cui nascono le tue immagini? È uno spazio di riflessione, di memoria, di sogno… o un intreccio di tutto questo?

Le mie immagini nascono in un luogo che non saprei definire con una sola parola. È memoria, sì, ma anche sogno; è riflessione, ma anche intuizione spontanea. È uno spazio dove la logica non domina: è più simile a un mare interno, in cui le idee arrivano come onde. Alcune dolci, altre più forti, ma tutte necessarie.

La Florence Biennale raccoglie artisti da tutto il mondo, eppure le tue opere sembrano creare un dialogo intimo con chi le osserva.

Quando dipingi, quanto pensi a chi guarderà il quadro, e quanto lasci parlare l’opera da sola?

Quando dipingo, non penso a un pubblico specifico. Lascio che l’opera nasca per sé stessa, con il suo ritmo e la sua voce. Solo dopo, quando la espongo, capisco che la pittura trova sempre un modo per parlare a chi la osserva. Credo che la magia stia proprio lì: nel fatto che ogni spettatore diventa co-creatore del significato.

Guardando la tua traiettoria artistica, si percepisce una continuità sottile che attraversa le tue opere più recenti e quelle del passato.

Se dovessi raccontare questo filo invisibile, come descriveresti il cuore della tua ricerca artistica?

Se dovessi descrivere il cuore della mia ricerca artistica, direi che nasce dal desiderio di comprendere l’essere umano attraverso simboli che ci appartengono da sempre —la luce, il corpo, la natura, il rito. Il mio filo invisibile è la ricerca di un equilibrio tra fragilità e forza, tra ombra e rivelazione. Tutte le mie opere, anche quelle più lontane nel tempo, parlano di questo.

In un mondo che cambia così rapidamente, come pensi che la tua pittura, che intreccia femminilità, natura e simbolo, possa dialogare con le trasformazioni della nostra società?

Viviamo in un mondo che cambia a un ritmo vertiginoso. Credo che la mia pittura possa dialogare con questo cambiamento proprio perché cerca l’essenza, non la superficie. Femminilità, natura e simbolo non sono concetti statici: sono porte attraverso cui osservare ciò che sta accadendo. L’arte può essere un luogo di pausa, di consapevolezza, di ascolto. Ed è questo che cerco di offrire.

Se potessi scegliere il prossimo luogo dove la tua arte troverà nuovi occhi, nuovi spazi, dove ti piacerebbe portarla? C’è un sogno speciale di farla arrivare in Brasile, lasciando che la tua luce e le tue storie tocchino terre lontane e nuovi pubblici?

Mi piacerebbe portare la mia arte in molti luoghi, ma il Brasile ha un posto speciale nel mio immaginario. Forse per la sua energia, forse per il modo in cui celebra la vita e la spiritualità. Sarebbe un onore condividere le mie storie

in un contesto così vibrante. Ogni nuova terra è un nuovo dialogo, e sento che il Brasile sarebbe un incontro profondamente luminoso.

Ringrazio Nadia Bussacchini per averci concesso uno sguardo nel suo mondo visivo, dove la luce gioca con l’ombra e la natura conversa con il corpo umano. Le sue opere non solo si guardano: si ascoltano, si respirano, si portano con sé. Si percepisce la delicatezza dei gesti, la forza dei simboli, la leggerezza con cui il tempo si ferma davanti a una conchiglia, a una falena, a un polpo che danza tra i colori.

Che queste immagini possano continuare a muoversi, a incuriosire, a dialogare con occhi nuovi e culture lontane; che possano trovare chi le guarda e lo sorprenda, lo tocchi, lo accompagni per qualche istante fuori dal tempo quotidiano. In un mondo che corre, l’arte di Bussacchini è un respiro profondo: silenzioso, potente, necessario.

Per rimanere aggiornati sul suo percorso, vi invito a visitare il suo sito ufficiale nbussacchini.com e a seguire l’artista su Instagram 

Bianca Agnelli

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Descobri por aí…

Eliana Hoenhe Pereira: Poema ‘Descobri por aí…’

Eliana Hoenhe Pereira
Eliana Hoenhe Pereira
Foto por Eliana Hoenhe Pereira
Foto por Eliana Hoenhe Pereira

Descobri por aí…

Que viajar é a mais absoluta liberdade! 

É preciso aproveitar as oportunidades. 

Em cada viagem brota um novo sentimento 

e uma jornada incrível de autoconhecimento. 

Verdadeira paixão que fortalece o coração! 

Cada instante vivido é único e viciante. 

O jeito é colocar o pé na estrada,

Ter um roteiro traçado, 

E apreciar os caminhos 

Nem que seja para ir sozinho. 

Os imprevistos registrados na memória 

Transformar-se-ão em contos e histórias.

Eliana Hoenhe Pereira

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O Golpe que Destituiu a Monarquia no Brasil

Alexandre Rurikovich Carvalho

‘O Golpe que Destituiu a Monarquia no Brasil: Contexto, Dinâmicas e Consequências’

Dom Alexandre Rurikovich Carvalho
Dom Alexandre Rurikovich Carvalho
 Arte em estilo vintage criada por IA do ChatGPT, apresentando curiosidades sobre Dom Pedro II, com fundo em tom sépia, tipografia clássica e um retrato central do imperador. Ao redor da imagem, dez curiosidades destacam seu conhecimento, paixão pela ciência, tecnologia, educação, artes e simplicidade pessoal. apresenta uma pintura histórica em estilo acadêmico, com forte inspiração nos grandes quadros cívicos do século XIX, retratando o momento da Proclamação da República no Brasil, em 15 de novembro de 1889.
Arte em estilo vintage criada por IA do ChatGPT, apresentando curiosidades sobre Dom Pedro II, com fundo em tom sépia, tipografia clássica e um retrato central do imperador. Ao redor da imagem, dez curiosidades destacam seu conhecimento, paixão pela ciência, tecnologia, educação, artes e simplicidade pessoal. apresenta uma pintura histórica em estilo acadêmico, com forte inspiração nos grandes quadros cívicos do século XIX, retratando o momento da Proclamação da República no Brasil, em 15 de novembro de 1889.

Introdução

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, é frequentemente descrita como um marco fundacional do Brasil republicano. No entanto, por trás do discurso oficial de “transformação pacífica”, há um processo político marcado por tensões, articulações militares e ações planejadas que configuram um golpe de Estado contra a monarquia constitucional do Imperador Dom Pedro II. Este artigo examina os fatores que conduziram à queda do regime imperial, os agentes envolvidos no movimento e os impactos imediatos e duradouros da abrupta mudança de ordem política.

1. A Crise do Segundo Reinado

O final do Segundo Reinado foi marcado pela convergência de tensões políticas, econômicas, sociais e ideológicas que corroeram as bases do regime. Embora a monarquia tivesse oferecido ao Brasil um raro período de continuidade institucional – sobretudo quando comparado aos demais países latino-americanos -, a década de 1880 apresentou sinais de desgaste que, somados, criaram o cenário favorável ao movimento golpista de 1889.

Os fatores dessa crise não se limitaram às chamadas “três questões” clássicas (Religiosa, Militar e Abolicionista). Eles incluíam mudanças culturais, pressões internacionais, novas correntes de pensamento político, ascensão de classes urbanas emergentes e profundas disputas pelo controle do Estado moderno. A seguir, cada uma dessas dimensões é analisada em profundidade.

1.1. A Questão Militar: De Força Secundária a Protagonista Político

Durante grande parte do Império, o Exército desempenhou papel secundário na estrutura do poder. A Guarda Nacional – composta por elites locais – era responsável pela segurança interna, enquanto o Exército era visto como força técnica e pouco prestigiada.

Todavia, após a Guerra do Paraguai (1864–1870), os militares retornaram fortalecidos e conscientes de seu peso político. A campanha havia consolidado uma cultura corporativa e um sentimento de missão histórica.

Alguns fatores contribuíram para o crescente conflito entre o Exército e o governo imperial:

  • consciência de classe militar: jovens oficiais passaram a reivindicar autonomia, reconhecimento profissional e tratamento igualitário frente à elite civil;
  • penetração das ideias positivistas: Benjamin Constant e outros formadores elevaram o Exército a um “partido fardado” com vocação reformista;
  • insatisfação com punições disciplinares: episódios como o de Sena Madureira, punido por manifestar apoio a um escritor republicano, alimentaram tensões;
  • percepção de desprestígio: militares viam o Império como excessivamente civilista, resistente a suas demandas.

Assim, ao final dos anos 1880, o Exército não era apenas uma corporação desconfortável; era um ator político articulado, com ideologia própria e liderado por oficiais que acreditavam que a república era o caminho natural da modernização.

1.2. A Questão Religiosa: Conflito entre Ultramontanismo e Regalismo

A disputa entre a Igreja Católica e o governo imperial, ocorrida principalmente entre 1872 e 1875, teve raízes profundas. A atuação das irmandades maçônicas, a tentativa da Santa Sé de reforçar seu controle sobre o clero (ultramontanismo) e o regalismo herdado do período colonial criaram um choque de legitimidades.

O Império se via como responsável pela administração das questões religiosas, enquanto a Igreja buscava autonomia espiritual e política. A prisão dos bispos de Olinda e Belém, por desobedecerem a ordens imperiais, radicalizou o conflito.

As consequências foram profundas:

  • parte do clero passou a ver a monarquia como obstáculo moral;
  • movimentos católicos se aproximaram, paradoxalmente, do republicanismo;
  • a autoridade imperial foi abalada internamente.

Embora Dom Pedro II tenha resolvido a crise por meio de anistia, o desgaste institucional permaneceu. A Igreja, importante base moral da sociedade, deixou de ser um pilar incondicional do regime.

1.3. A Questão Abolicionista: Ruptura com a Velha Elite Agrária

A partir da década de 1870, o movimento abolicionista ganhou força com o apoio de intelectuais, jornalistas, artistas, advogados e grupos urbanos. A escravidão, além de moralmente insustentável, tornara-se economicamente atrasada para o País que buscava integrar-se ao capitalismo mundial.

O governo imperial, embora progressista, adotou uma postura gradualista:

  • Lei Eusébio de Queirós (1850): fim do tráfico;
  • Lei do Ventre Livre (1871);
  • Lei dos Sexagenários (1885);
  • Lei Áurea (1888).

A abolição foi um triunfo moral, mas produziu uma ruptura política decisiva:

  • a elite escravista sentiu-se abandonada pelo Estado;
  • republicanos ruralistas — sobretudo paulistas — intensificaram o apoio ao novo regime;
  • o Império perdeu sua base política histórica, os grandes proprietários de terra.

Esse desalinhamento foi mortal para um regime que se sustentava sobre alianças oligárquicas e instituições moderadoras.

1.4. Transformações Socioeconômicas e Urbanização

A dissolução da monarquia não pode ser entendida apenas por seus conflitos internos. O Brasil dos anos 1880 vivia transformações profundas:

  • expansão das ferrovias e telegrafia;
  • crescimento das cidades (Rio de Janeiro, São Paulo, Recife);
  • surgimento de uma burguesia comercial e industrial;
  • introdução de novas ideias políticas (liberalismo radical, positivismo, republicanismo).

Essas mudanças criaram uma nova elite urbana, mais dinâmica, mais conectada ao mundo e menos identificada com o sistema monárquico.

A monarquia, com sua estrutura tradicional, foi percebida por alguns como símbolo de atraso administrativo e lentidão modernizadora, embora historiadores contemporâneos ressaltem que Dom Pedro II promovia reformas constantes — apenas de forma gradual e cautelosa.

1.5. O Cansaço Político e Pessoal do Imperador

A figura de Dom Pedro II é elemento central da crise. Nos últimos anos de vida pública, o Imperador demonstrava sinais de exaustão:

  • problemas de saúde debilitantes;
  • longas ausências do país;
  • desapontamento com disputas políticas que considerava mesquinhas.

Dom Pedro II jamais cultivou o personalismo. Sua visão de poder era quase burocrática e altamente filosófica. Entretanto, sua postura austera e avessa ao protagonismo político foi interpretada por alguns como desinteresse.

Essa percepção enfraqueceu a imagem da monarquia diante de setores que aguardavam um líder energicamente envolvido na política diária.

1.6. A Ruptura Política Entre Liberais e Conservadores

A alternância de poder entre Liberais e Conservadores – alicerce da estabilidade imperial – entrou em crise no final do século XIX. Os partidos se tornaram:

  • facções personalistas;
  • estruturas envelhecidas e distantes da sociedade;
  • incapazes de incorporar novas demandas urbanas e militares.

O sistema bipartidário, sustentado pelo Moderador, já não conseguia canalizar tensões.

O Império, cuja robustez fora construída sobre equilíbrio político, perdeu a capacidade de acomodar conflitos emergentes.

1.7. Pressões Internacionais e o Avanço das Ideias Republicanas

O contexto geopolítico internacional também influenciava o ambiente interno. Em toda a América do Sul, a monarquia brasileira destacava-se como exceção. Nos círculos diplomáticos e intelectuais, a república era vista como símbolo de modernidade política.

As relações com os Estados Unidos – já república consolidada – tornaram-se mais intensas, assim como a influência cultural francesa, onde o positivismo e o anticlericalismo ganhavam força.

O Brasil inseria-se em um fluxo ideológico global que valorizava:

  • laicidade;
  • constitucionalismo republicano;
  • centralização estatal modernizante.

Embora não determinantes por si só, esses elementos ajudaram a legitimar a ideia de que a monarquia era um regime ultrapassado.

2. A Construção do Movimento Golpista

A derrubada da monarquia brasileira não foi um acontecimento repentino, nem fruto de uma revolta popular. A Proclamação da República foi o desfecho de um processo articulado por grupos militares, civis e econômicos que atuaram de forma coordenada – ainda que nem sempre consciente – para desestabilizar o Império e preparar as condições políticas, ideológicas e psicológicas que permitiram o golpe de 15 de novembro de 1889.

O movimento republicano no Brasil, diferentemente do que ocorreu em países como Estados Unidos, França ou Chile, não emergiu de mobilização de massas, mas sim de elites urbanas, círculos militares e setores agremiados contra o governo imperial. Este capítulo examina as forças que construíram o movimento golpista, suas disputas internas, suas alianças táticas e a formação da mentalidade que tornou possível a queda do regime.

2.1. A Identidade Política do Exército e a Doutrinação Positivista

O Exército foi o principal vetor da mudança institucional, mas o caminho até seu protagonismo político foi gradual. Após a Guerra do Paraguai, cresceu uma cultura militar baseada em mérito, disciplina e nacionalismo, que contrastava com a política imperial, vista como conciliadora e excessivamente moderadora.

2.1.1. O Positivismo como Ideologia de Poder

A doutrina positivista de Auguste Comte, difundida nas escolas militares por Benjamin Constant e seus seguidores, exerceu papel decisivo. O positivismo pregava:

  • centralização técnica do Estado;
  • primazia da razão sobre a tradição;
  • “ditadura científica” como etapa necessária para a ordem;
  • rejeição de instituições “arcaicas”, como a monarquia;
  • valorização moral e cívica das Forças Armadas.

Essas ideias penetraram profundamente entre jovens oficiais, que passaram a se ver como vanguarda moral da nação, responsáveis por conduzir o país a um novo estágio de progresso.

2.1.2. A Radicalização da Questão Militar

Os choques com o governo imperial – punições disciplinares, desprestígio institucional, interferências civis – alimentaram ressentimentos corporativos. Nas casernas, formou-se uma cultura de oposição ao gabinete monárquico.

A soma de ideologia (positivismo) e ressentimento (Questão Militar) criou um Exército politizado e inclinado a intervir.

2.2. O Movimento Republicano Civil e o Papel das Elites Urbanas

Embora a queda da monarquia tenha sido executada pelo Exército, o movimento republicano civil teve papel crucial na preparação do terreno.

2.2.1. Os Clubes Republicanos

Desde 1870, multiplicavam-se clubes republicanos em centros urbanos como:

  • Rio de Janeiro
  • São Paulo
  • Pernambuco
  • Rio Grande do Sul

Eles funcionavam como espaços de doutrinação política e propaganda ideológica. Muitos eram formados por jovens advogados, jornalistas, professores e comerciantes, que viam a república como símbolo de modernização política.

2.2.2. A Imprensa Republicana

Jornais como A República, Gazeta da Tarde e O Radical foram fundamentais para criar uma narrativa de desgaste da monarquia:

  • ridicularizavam a figura do Imperador;
  • atacavam ministros;
  • exaltavam modelos republicanos estrangeiros;
  • difundiam a ideia de “inevitabilidade histórica” da república;
  • retratavam a monarquia como obstáculo ao progresso.

Essa pressão cultural produziu mudanças de opinião entre setores influentes da sociedade.

2.2.3. As Elites Agrárias Paulistas

A elite cafeeira paulista, ressentida com a Abolição, viu na república uma oportunidade de recuperar influência política, ampliar autonomia estadual e romper com o centralismo imperial.

Embora inicialmente não liderassem o movimento, tornaram-se importantes financiadores e apoiadores ideológicos.

2.3. Intelectuais, Maçons e Modernizadores: A Cultura Política da Mudança

Uma rede de intelectuais, maçons e reformadores sociais também se articulou em torno do ideal republicano.

  • A maçonaria oferecia espaços de sociabilidade política.
  • Professores das escolas militares disseminavam positivismo.
  • Juristas debatiam novos modelos constitucionais.
  • Artistas e escritores exaltavam valores modernos e seculares.
  • Cientistas buscavam participar mais ativamente da política nacional.

A república emergiu como símbolo de racionalidade, ciência e progresso — conceitos cada vez mais valorizados nas cidades em transformação.

2.4. A Rivalidade Pessoal e Política entre Deodoro e Ouro Preto

Um dos elementos mais conhecidos, porém, frequentemente subestimados, é o papel das rivalidades pessoais.

2.4.1. Deodoro: Monarquista por convicção, golpista por circunstância

O marechal Deodoro da Fonseca era amigo pessoal de Dom Pedro II e, até poucos meses antes do golpe, um monarquista convicto. Entretanto:

  • estava debilitado por doença;
  • tinha relações conflituosas com o presidente do Conselho, Visconde de Ouro Preto;
  • foi manipulado por rumores de que seria preso.

Republicanos civis e oficiais encantados pelo positivismo aproveitaram o antagonismo pessoal para persuadi-lo de que derrubar Ouro Preto era ato de salvação nacional.

2.4.2. A Falsa Acusação de Prisão

Agentes republicanos difundiram a informação falsa de que Ouro Preto havia expedido ordem de prisão contra Deodoro. Isso foi decisivo. O marechal, orgulhoso e sensível à honra militar, deixou-se levar ao movimento.

Dessa forma, a queda da monarquia dependeu não apenas de macroprocessos políticos, mas também de intrigas pessoais que catalisaram ações militares decisivas.

2.5. A Desarticulação da Monarquia: O Golpe como Oportunidade

A monarquia, apesar de suas forças estruturais, encontrava-se fragilizada politicamente:

  • o Imperador estava enfermo;
  • o gabinete de Ouro Preto era impopular entre militares;
  • a elite agrária desertara;
  • a princesa Isabel não consolidara alianças com setores conservadores;
  • os principais ministros civis subestimavam a conspiração.

Quando as tropas tomaram as ruas, o governo não reagiu — não por fraqueza militar, mas por ausência de vontade política de enfrentar concidadãos em combate.

Essa passividade foi interpretada pelos conspiradores como sinal de inevitabilidade histórica, abrindo espaço para transformarem a deposição do gabinete em deposição da monarquia.

2.6. A Aliança Tática entre Militares e Republicanos Civis

O golpe de 1889 foi resultado de uma aliança tática entre grupos distintos, que tinham interesses diferentes:

  • Militares positivistas: buscavam centralização técnica e moralização política.
  • Republicanos civis: queriam uma constituição laica e democrática.
  • Elite cafeeira paulista: desejava maior autonomia regional e menor intervenção estatal.
  • Intelectuais urbanos: almejavam modernização cultural e científica.

Embora unidos contra o Império, esses grupos divergiam profundamente sobre o tipo de república a ser construída — tensões que emergiriam logo após o golpe.

3. O Golpe de 15 de Novembro

Na manhã de 15 de novembro de 1889, tropas marcharam em direção ao Ministério da Guerra, pressionando o gabinete e forçando a renúncia de Ouro Preto. O objetivo inicial não era a derrubada da monarquia, mas sim a troca ministerial. No entanto, nas horas seguintes, republicanos civis e militares manipularam a situação para transformar o ato em ruptura total. Sem resistência armada e sem mobilização popular significativa, o Império foi deposto. Dom Pedro II recebeu comunicação oficial durante a tarde e, com serenidade exemplar, decidiu evitar qualquer derramamento de sangue.

No dia 16, a família imperial foi intimada a deixar o país em 24 horas. No dia 17, embarcou para o exílio na Europa.

4. A Legitimidade Questionada

A Proclamação da República não passou por referendo, plebiscito ou consulta pública. Foi um movimento preparado por minorias e realizado por ação militar direta – características típicas de um golpe de Estado.

Documentos e testemunhos da época revelam:

  • ausência de revoltas populares pró-república;
  • perplexidade da população, que assistiu aos acontecimentos como espectadores;
  • continuidade administrativa abrupta, com mudanças apenas no topo do poder.

Dessa forma, o novo regime nasceu sem base social sólida, sustentando-se principalmente na autoridade do Exército.

5. Consequências Imediatas e de Longo Prazo

5.1. Exílio da Família Imperial

A expulsão sumária dos Bragança representou uma ruptura dolorosa na história nacional. Dom Pedro II faleceu em 1891, em Paris, ainda amado por muitos brasileiros.

5.2. Militarização da Política

A República Velha foi marcada pela tutela militar. Os presidentes marechais (Deodoro e Floriano) ilustram a influência direta do Exército nos rumos da jovem república.

5.3. Centralização e Controle

O novo regime buscou consolidar-se controlando a imprensa, reprimindo revoltas (Canudos, Contestado, Revolta da Armada) e limitando a participação popular.

5.4. A Persistência do Debate Monarquia x República

Com o passar das décadas, cresceu o reconhecimento de que o Império oferecia estabilidade institucional rara na América Latina. Historiadores contemporâneos debatem as consequências do golpe e questionam se a transição poderia ter sido gradual e democrática.

Conclusão

O golpe que destituiu a monarquia em 1889 foi resultado da convergência de insatisfações políticas, interesses corporativos e articulações militares que encontraram um Império fragilizado por crises sucessivas. Apesar de sua narrativa oficial, a Proclamação da República não representou um clamor popular, mas sim uma manobra conduzida por minorias organizadas.

Ainda hoje, o episódio provoca reflexões sobre a legitimidade do poder, o papel das Forças Armadas na vida política e o processo de construção institucional no Brasil. Revisitar esses acontecimentos é essencial para compreender a natureza do Estado brasileiro e os desafios que historicamente marcam sua trajetória política.

Referências

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SODRÉ, Nelson Werneck. História da República Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

Alexandre Rurikovich Carvalho




A Família Imperial Brasileira Após o Exílio

Alexandre Rurikovich Carvalho

‘A Família Imperial Brasileira Após o Exílio (1889–1922): Experiências, Destinos e os Últimos Anos de Dom Pedro II, Teresa Cristina, Princesa Isabel e Conde d’Eu’

Dom Alexandre Rurikovich Carvalho
Dom Alexandre Rurikovich Carvalho
Pintura em estilo clássico rcriado por IA do ChatGPT, etratando a partida da Família Imperial do Brasil: Dom Pedro II e seus familiares a bordo de um navio, sob um clima de despedida solene e melancólica, simbolizando o fim do Império e o início do exílio.
Pintura em estilo clássico rcriado por IA do ChatGPT, etratando a partida da Família Imperial do Brasil: Dom Pedro II e seus familiares a bordo de um navio, sob um clima de despedida solene e melancólica, simbolizando o fim do Império e o início do exílio.

1. Introdução

A queda do Império brasileiro e a subsequente expulsão da família imperial marcaram de forma profunda a história política do país. A Proclamação da República, em 1889, rompeu abruptamente com um reinado de quase meio século, forçando Dom Pedro II e seus familiares ao exílio (BARMAN, 2012). Como observa Schwarcz (2019), a ruptura foi marcada por forte simbolismo: “a monarquia terminou sem resistência, mas carregando consigo o peso de um mundo que se acreditava superado”.

2. A partida para a Europa e os primeiros anos do exílio

A deposição de Dom Pedro II em 15 de novembro de 1889 ocorreu de forma abrupta, sem violência física, mas com profunda carga simbólica e emocional. O marechal Deodoro da Fonseca, líder do movimento republicano, decretou a imediata expulsão da Família Imperial, proibindo sua permanência no território brasileiro por tempo indeterminado. O decreto determinou que o imperador e seus familiares deixassem o país no prazo de apenas 24 horas, o que impossibilitou qualquer preparação adequada ou organização de bens e documentos pessoais.

Em 17 de novembro de 1889, escoltados por tropas republicanas, os membros da família embarcaram no vapor Alagoas, rumo à Europa. O embarque foi marcado por uma cena que a historiografia descreve como solene e melancólica: sem protestos populares, mas com forte presença de simpatizantes discretos, testemunhou-se a despedida de uma família que, por quase meio século, representara o centro político do país. Dom Pedro II, já debilitado pela diabetes e pela idade avançada, manteve postura serena, demonstrando seu histórico estoicismo diante de adversidades, característica amplamente descrita em sua correspondência pessoal.

A viagem transatlântica durou aproximadamente três semanas e foi marcada por incertezas políticas. A família não sabia em qual país se radicaria, tampouco se haveria apoio diplomático europeu. O primeiro destino escolhido foi Lisboa, considerando os laços históricos da Casa de Bragança com Portugal. Entretanto, ao chegar à capital portuguesa, verificou-se que o governo luso adotara postura cautelosa. Temendo comprometer relações com a recém-instalada República brasileira, a monarquia portuguesa evitou recepções oficiais, deixando a família praticamente sem apoio logístico.

Ainda assim, Dom Pedro II foi recebido com respeito pela população de Lisboa, que nutria admiração pela figura do imperador. Contudo, a estadia foi curta. Sem residência adequada e diante do agravamento da saúde da Imperatriz Teresa Cristina – profundamente abalada pelo exílio e pelo brusco desenraizamento -, tornou-se necessário buscar novo refúgio.

A família seguiu então para Madri, onde Teresa Cristina, de origem napolitana e aparentada com a família real espanhola, poderia encontrar ambiente mais acolhedor. Entretanto, a capital espanhola também não ofereceu condições estáveis. Após poucas semanas, a família decidiu estabelecer-se em Paris, cidade que, desde o século XIX, era centro cultural, científico e político da Europa. Essa escolha representava não apenas uma estratégia pragmática – considerando a infraestrutura urbana e as redes intelectuais da capital francesa, mas também afinidade pessoal de Dom Pedro II, frequentador assíduo da cidade durante viagens anteriores.

Os primeiros anos de exílio em Paris foram marcados por dificuldades financeiras. O novo governo brasileiro confiscou propriedades da família e interrompeu o pagamento de pensões oficiais. Dom Pedro II, que vivia com modéstia mesmo enquanto reinante, passou a depender de economias pessoais limitadas e do auxílio de amigos e simpatizantes. Também houve tentativas de restituição de alguns bens móveis e papéis, a maioria sem sucesso.

Apesar das restrições econômicas, o círculo intelectual da família expandiu-se significativamente. Dom Pedro II passou a ser convidado para conferências científicas, encontros literários e eventos culturais nos quais era tratado como estadista de alta respeitabilidade. Entretanto, essa vida cultural intensa contrastava com o sofrimento emocional vivido pela família, encerrada em luto contínuo pelos rumos políticos do Brasil e pela deterioração da saúde de Teresa Cristina, que não resistiria muito aos efeitos do exílio.

Assim, os primeiros anos pós-1889 representam uma fase de transição complexa: da condição de soberanos de um vasto império à de exilados politicamente inconvenientes para as diplomacias europeias. Essa experiência moldaria o comportamento e as expectativas dos membros da Casa Imperial ao longo das décadas seguintes, estabelecendo bases para seu papel político e simbólico no cenário internacional.

3. A Imperatriz Teresa Cristina: saudade, saúde fragilizada e morte em exílio

A Imperatriz Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias, conhecida por sua personalidade reservada, benevolente e pela dedicação à família, sofreu de forma intensa a ruptura abrupta de sua vida no Brasil. Diferentemente de Dom Pedro II – cuja formação intelectual o tornava mais apto a se adaptar à vida cosmopolita europeia – Teresa Cristina sentia-se profundamente enraizada na sociabilidade da Corte do Rio de Janeiro, onde exercia papel fundamental como patrona das artes e das obras de caridade.

Durante a viagem a bordo do Alagoas, testemunhas relatam que a imperatriz mantinha comportamento silencioso e abatido. A mudança repentina, aliada às condições climáticas do inverno europeu, agravou sua doença pulmonar. Em Lisboa, tentou-se preservar alguma rotina familiar, mas seu estado emocional permaneceu instável. A ausência de recepção oficial da monarquia portuguesa também contribuiu para um sentimento de deslocamento e desamparo.

A passagem pela Espanha tampouco trouxe alívio. Apesar de parentesco com figuras da monarquia espanhola, Teresa Cristina viu sua saúde deteriorar-se rapidamente. O choque emocional da deposição, somado à idade avançada (67 anos) e ao desgaste físico, culminou em seu falecimento em 28 de dezembro de 1889, apenas quarenta dias após o exílio.

Sua morte causou comoção na imprensa europeia e impacto profundo em Dom Pedro II, que passou a demonstrar melancolia crescente. Teresa Cristina foi sepultada provisoriamente no Panteão dos Braganças, em Lisboa. Seu corpo, juntamente com o de Dom Pedro II, só seria trasladado ao Brasil em 1921, já sob a República, num gesto de reconciliação histórica.

4. Dom Pedro II em Paris: intelectualidade, solidão e os últimos anos

Após a morte da imperatriz, Dom Pedro II deslocou-se definitivamente para Paris, cidade que simbolizava para ele o dinamismo cultural e científico do século XIX. Ali instalou-se, de forma modesta, no Hotel Bedford, onde viveria de maneira simples, quase austera, sustentado por rendimentos pessoais e por auxílio de amigos como o Conde d’Eu.

Sua rotina transformou-se em uma espécie de “exílio intelectual”. Frequentava bibliotecas, museus, universidades e sessões de academias científicas. Mantinha correspondência com personalidades como Victor Hugo, Pasteur e Renan, e participava de debates sobre astronomia, linguística, fotografia e história natural. Era presença constante nos círculos da Sorbonne e muito respeitado pelos intelectuais franceses.

Apesar dessa vida cultural intensa, vivia imerso em profundo sentimento de perda. Seus diários e cartas revelam nostalgia, saudade do Brasil e tristeza por estar afastado de seu povo, especialmente em um momento em que acreditava que ainda poderia contribuir para a modernização do país.

Em 1891, sua saúde, já debilitada por diabetes, agravou-se. Em 5 de dezembro daquele ano, Dom Pedro II faleceu no próprio Hotel Bedford, aos 66 anos. Em seu quarto, encontraram uma pequena bandeira do Brasil dobrada – símbolo de sua afeição à pátria. Após funeral em Paris, seu corpo permaneceu na Igreja de São Vicente de Paulo até o traslado para o Brasil em 1921, quando recebeu honras de chefe de Estado.

5. A Princesa Isabel e o Conde d’Eu: liderança da casa imperial, exílio prolongado e legado 

5.1. Vida em Eu-sur-Seine e papel político da Princesa Isabel

Com a morte de Dom Pedro II, a Princesa Isabel tornou-se chefe da Casa Imperial no exílio. Instalou-se com o marido, o Conde Gastão de Orléans, no Castelo d’Eu, na Normandia – uma propriedade da família Orléans. Ali viveram por décadas, criando os três filhos e mantendo relações com monarquistas brasileiros.

Isabel, profundamente religiosa, desenvolveu intensa atividade social e filantrópica. Tornou-se referência para movimentos católicos franceses e preservou a memória da abolição da escravidão, de que foi signatária em 1888. Parte da imprensa europeia a celebrava como “a Redentora americana”.

Embora fosse figura central para os monarquistas brasileiros, afastou-se da política ativa, atuando mais como símbolo moral do que como articuladora prática. Era vista como guardiã de um ideal monárquico baseado em valores cristãos, disciplina, austeridade e caridade.

5.2. O Conde d’Eu e a preservação da memória militar

Gastão de Orléans dedicou-se à escrita, especialmente revisitando sua participação na Guerra do Paraguai. Envolveu-se em polêmicas historiográficas sobre a figura de Caxias e a condução das campanhas militares. Defendia a honra das tropas brasileiras e o papel do Império no conflito, posicionando-se contra interpretações críticas emergentes nos círculos republicanos.

Administrou também o patrimônio familiar e cuidou da educação dos filhos, preparando-os para possíveis cenários de restauração monárquica.

5.3. Últimos anos de Isabel e Gastão

A partir de 1910, Isabel passou a sofrer de artrite severa, o que limitou sua mobilidade. Suas dores intensificaram-se após a morte de seu filho Luís, em 1920. A princesa faleceu em 14 de novembro de 1921, em Eu, meses antes do traslado dos restos mortais de seus pais ao Brasil.

O Conde d’Eu, por sua vez, sobreviveu-lhe por apenas um ano. Faleceu em 1922, deixando vasta documentação pessoal, correspondência e memórias que contribuíram significativamente para a historiografia monárquica brasileira.

6. Considerações finais

O exílio da Família Imperial Brasileira após a Proclamação da República constitui um momento singular na história política e social do Brasil, pois representa não apenas a ruptura institucional entre dois regimes, mas também um processo de ressignificação identitária que atravessou os protagonistas daquele período. A trajetória da família – marcada por deslocamento, sofrimento, adaptação e resiliência – revela facetas pouco exploradas na narrativa tradicional sobre o fim do Império. Longe da esfera de poder, seus membros desempenharam papéis simbólicos que contribuíram para a formação da memória nacional em torno do Segundo Reinado.

Dom Pedro II, cuja vida no exílio foi marcada pela dedicação quase monástica ao estudo, tornou-se exemplo da figura do estadista que, mesmo destituído, manteve compromisso moral e intelectual com ideais de progresso, civilidade e modernização. Como observa Schwarcz (2019), sua rotina parisiense ilustra a permanência de um “ethos ilustrado” que ultrapassou as fronteiras políticas impostas pela República. Barman (2012) reforça essa interpretação ao argumentar que o imperador, ao adotar postura digna e discreta diante da queda, consolidou uma imagem internacional de integridade que permaneceria na memória histórica do Brasil.

A Imperatriz Teresa Cristina, por sua vez, simboliza o impacto humano do exílio e a vulnerabilidade daqueles que, ainda que integrantes da elite imperial, não estavam preparados para a brusca ruptura institucional. Sua morte precoce, poucas semanas após a expulsão, evidencia a violência emocional e simbólica do processo. A historiografia, ao resgatar essa dimensão, amplia a compreensão sobre os efeitos do fim do Império sob a perspectiva individual e afetiva (NEVES, 2014).

A Princesa Isabel e o Conde d’Eu representam, no período pós-1889, a continuidade dinástica e a manutenção de um imaginário monárquico ativo, ainda que deslocado geograficamente. Conforme argumenta Villa (2015), o casal não assumiu protagonismo político direto, mas atuou como referência moral e intelectual para grupos monarquistas brasileiros que se reorganizaram na virada do século XX. A atuação filantrópica e religiosa de Isabel, bem como as obras militares e memorialísticas do Conde d’Eu, constituem importantes fontes para a compreensão da construção simbólica do Império no período republicano.

Além disso, a trajetória da família no exílio influenciou profundamente a reintegração de sua memória ao cenário político brasileiro. O retorno dos restos mortais de Teresa Cristina e Dom Pedro II em 1921, seguido décadas mais tarde pelo translado de Isabel e de Gastão, reforça o processo de reconciliação simbólica entre Estado republicano e legado monárquico. Esse movimento demonstra que a República, ao mesmo tempo em que se consolidava politicamente, reconhecia a importância histórica do Império na formação da identidade nacional.

Por fim, compreender o exílio da Família Imperial é compreender também o Brasil que emergia no final do século XIX: um país em busca de novos modelos de organização política, ainda permeado por tensões sociais e dilemas modernizadores. A experiência do exílio – vivida com dignidade, intelectualidade e resiliência pelos membros da família – oferece uma chave interpretativa para refletir sobre o papel das instituições, da memória histórica e dos personagens na construção do Brasil contemporâneo.

Assim, o estudo da trajetória pós-1889 da Família Imperial Brasileira não apenas ilumina o destino individual de seus membros, mas também contribui para uma leitura mais ampla da transição política brasileira. Ao reconhecer a complexidade desse período e a importância de seus protagonistas, a historiografia reforça a necessidade de compreender o passado imperial não como vestígio superado, mas como parte constitutiva da formação histórica, cultural e institucional do Brasil.

Referências

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WIESEBRON, Marianne. A Última Imperatriz do Brasil: Teresa Cristina de Bourbon. Rio de Janeiro: Record, 1999.

Alexandre Rurikovich Carvalho

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Cidadão luso-brasileiro

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

‘Cidadão luso-brasileiro’

Diamantino Bártolo
Diamantino Bártolo
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Assumir a cidadania plena, em qualquer parte do mundo, em geral, e no próprio espaço, em particular, postula um conjunto de requisitos institucionais e também uma capacidade multifacetada, para colocar ao serviço da sociedade, todas as potencialidades do cidadão, enquanto tal considerado. 

Igualmente fundamental, é a sensibilidade com que cada pessoa se deve munir para poder enfrentar as mais difíceis e diversas situações. O mundo atravessa um período crítico no que concerne aos valores que enobrecem a pessoa humana; os países, isoladamente considerados, confrontam-se, diariamente, com problemas complexos que, quando não são resolvidos com reflexão, com bom senso, conhecimentos e empenhamento, conduzem a situações perigosas, de autêntica violação dos mais elementares direitos humanos.

A complexidade social, que vem afetando pessoas, famílias, comunidades, sociedades, nações inteiras, continentes e o mundo, obriga a uma paragem na caminhada para o sucesso material, na satisfação dos egoísmos mais absurdos, para se pensar um pouco mais sobre o que cada um é, o que quer, e como deve prosseguir para alcançar objetivos mais nobres, mais humanos, mais razoáveis. 

É fundamental ter-se a noção de que não se pode conduzir a humanidade para o apogeu do irracional, do horror e do holocausto. Impõe-se, não um, mas muitos apelos à Paz, a todos os níveis, e em todos os sentidos, em todos os momentos da vida. A indiferença que alguns setores, mais renitentes à mudança, ainda manifestam, deve ser substituída por uma abertura ao mundo global, de forma a facilitar o melhor aproveitamento das sinergias dos tecnocratas positivistas, e dos pensadores idealistas. 

Positivismo científico e subjetivismo filosófico, não são incompatíveis e, a moderá-los, envolver-se-ão as Ciências Sociais e Humanas comandadas pelas Ciências da Educação, umas com mais objetividade e rigor quantitativo; outras com menor objetividade, mas maior rigor qualitativo. 

O homem transporta em si três mundos: o material, com todo o peso da natureza; o imaterial com a profundidade dos seus sentimentos, emoções e personalidade própria e o artificial, resultante de tudo quanto ele vai construindo. O novo cidadão saberá construir um mundo artificial, mais verdadeiro e mais justo.

Angolanos, brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos, portugueses, são-tomenses e timorenses, bem como alguns macaenses e indianos, orgulhar-se-ão deste cidadão que se comunica, se interrelaciona e se emociona na língua de Camões. 

Que maior privilégio se poderia alcançar, do que este simples reconhecimento de uma língua comum, e uma história parcialmente partilhada por cerca de trezentos milhões de seres humanos, pelas quais se sentem, afetiva e emocionalmente, ligados? Que maior honra do que ser-se cidadão do mundo com a marca da lusofonia? 

Sejam quais forem os regimes político-institucionais, acredita-se que os seus responsável tudo farão para que este valor, que é a lusofonia, se aprofunde e consolide, para que o novo cidadão, dele emergente, seja o produto final, que todos desejarão interiorizar e imitar.

O cidadão luso-brasileiro que se construirá ao longo de várias reflexões, será um dos homens e mulheres de boa vontade e, nesse sentido, preparar-se-ão com total empenhamento, responsabilidade e competência, canalizando todos os seus conhecimentos, experiências e sensibilidade para os valores consagrados numa democracia de verdadeira cidadania, onde cada cidadão exercerá os seus direitos e cumprirá com os inerentes deveres, sem perder de vista os valores do progresso, do desenvolvimento, do bem-estar da sociedade, onde cada vez haja mais lugar à inclusão: social, política, económica, profissional, cultural religiosa e universal, para que todos possam beneficiar da Paz, da Justiça, da Educação, da Solidariedade, da Tolerância e da Democracia. 

Uma sociedade onde não haja mais lugar aos linchamentos públicos por força dos pensamentos, convicções, ideologias político-partidárias, religiosas e outras, que cada um tem o direito de professar. É este o cidadão global que se deseja para o mundo deste novo século XXI, desde logo a desenvolver-se a partir dos espaços luso-brasileiro, lusófono e ecuménico. Um cidadão de: princípios, valores, sentimentos, emoções, crenças, convicções, trabalho, autoestima. Um cidadão solidário, amigo, leal, grato, humilde. Um novo e respeitável cidadão do mundo. 

Venade/Caminha – Portugal, 2025
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente HONORÁRIO do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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O que mora na seca do sonho

Ella Dominici: ‘O Que Mora na Seca do Sonho’

(Serapião de Aurora, alter ego de Ariano Suassuna, alma sertaneja e verbo resistente)

Ella Dominici
Ella Dominici
Imagem criada por IA do Bing
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Sou aquele que inventa sede pra beber palavra.
Não tenho nome, tenho sina:
sou o riso que ficou preso no galope do vento,
sou o santo que erra rezando,
sou o ermo que sonha com mar.

Nasci do barro e da conversa.
Minha mãe foi uma nuvem com fome de chuva,
meu pai, um aboio que fugiu do curral.
Aprendi cedo que o verbo nasce de faca:
é cortante, mas abre caminho pro coração passar.

Falo o português que o sol ensinou —
cheio de calor, cheio de teimosia.
E quando a palavra falta,
invento um silêncio de passarinho.

Tenho dentro de mim um sertão que não cabe em mapa.
É um mundo de rezadeiras e vaqueiros,
onde o riso é remédio e a dor é professora.
Por lá, as histórias se deitam no chão,
esperando que alguém as acorde com fé.

Sou o auto e o milagre,
sou o palhaço que filosofou diante do altar,
sou o Cristo que sorriu do alto do gibão.
Sou o cavalo sem freio do pensamento nordestino,
que corre, tropeça, mas não se entrega.

E quando o céu se quebra em trovão,
eu digo: é Deus rindo alto de nós.
Porque até o divino, no meu sertão,
tem um sotaque de barro e poesia.

Ella Dominici

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