Os anjos trocaram a harpa pelo pandeiro, Ano de 1982, no fatídico 23 de novembro, Salve Adoniran, importante músico brasileiro.
No samba foi desenvolto, de fino trato, Exultante ao narrar histórias de amor, Sem basófias, da singeleza um retrato, Na arte, um vivaz estandarte de humor.
Pelas ruas de São Paulo, cidade querida, A sua marota mente, andante e aguerrida, Trazendo à tona as malocas e os cortiços, Repercutindo sons e vozes, criou rebuliços.
Astuto cronista da metrópole a se levantar, Das memórias demolidas pelo progresso, De negros, retirantes, lutas para enfrentar, Do coração do povo, jamais foi egresso.
TV Cultura comemora 110 anos de Adoniran Barbosa com programação especial
Releitura do Programa Ensaio, documentário e curta inéditos na TV aberta, além de programetes integram a grade
A TV Cultura celebra os 110 anos de Adoniran Barbosa com uma programação especial que vai ao ar até o fim de agosto. Até lá, a emissora exibe uma série de programetes sobre o poeta do samba paulista, que contam com a participação do povo e de artistas como Tobias da Vai-Vai, DJ Rafael Moraes, Rappin’ Hood e Sérgio Rosa, do Demônios da Garoa; o especial musical Adonirando, no dia 22; o documentário Adoniran – Meu Nome é João Rubinato; e o curta Dá Licença de Contar, com Paulo Miklos, ambos no dia 29.
No dia 22, às 22h15, vai ao ar o especial musical inédito Adonirando, que faz uma releitura do clássico programa Ensaio, criado por Fernando Faro, com Adoniran Barbosa, em 1972. Dirigido por Bento Andreato e Julio Piconi, a produção da TV Cultura reúne músicos da cena do samba paulistano, que interpretam clássicos desta figura histórica: Saudosa Maloca, com Grupo Reduto; Trem das Onze, com Salgadinho; Conselho de Mulher, com Graça Braga; Torresmo à Milanesa, com Tadeu Kaçula; Samba no Bixiga, com Grazzi Brasil; Samba do Arnesto, com Prettos (Magnu Sousa e Maurílio de Oliveira); As Mariposas, com Jurema Pessanha; Prova de Carinho, com Veronica Ferriani; Acende o Candieiro, com Paulinho Timor; Joga a Chave, com Willian Fialho; Abrigo de Vagabundo, com Adriana Moreira; e Despejo na Favela, com Yvison e Everson Pessoa. “Esse especial celebra um clássico da televisão brasileira, o programa Ensaio. Na voz de artistas que representam os quatro cantos da cidade, Adoniran nos ensina que sua obra continua sendo uma crônica perfeita de São Paulo e de sua gente. Adoniran mais vivo do que nunca!”, enfatiza Bento Andreato.
Inédito na TV aberta, o documentário Adoniran – Meu Nome é João Rubinato (2018), de Pedro Serrano, será apresentado no dia 29, às 22h15. Adoniran Barbosa, autor de sucessos como Trem das Onze e Saudosa Maloca, carrega o título de maior sambista paulista de todos os tempos. A cidade de São Paulo era a personagem principal de suas canções e radionovelas. Através de imagens de arquivos raras e nunca vistas antes, o compositor e cantor paulistano, que faleceu em 1982, é redescoberto pelo público nesta produção.
Na mesma noite, às 23h45, será exibido o curta Dá Licença de Contar (2015), com Paulo Miklos como Adoniran Barbosa, também inédito na TV aberta. O filme de Pedro Serrano recria o universo das canções de Adoniran Barbosa (1910-1982), inserindo o artista dentro de sua própria obra. Em um boteco no Bixiga, ele relembra uma inocente época que já não existe mais, um tempo em que fora feliz ao lado de seus companheiros de maloca.
Os programetes, com duração de dois a três minutos, que serão exibidos até dia 31 durante a programação da TV Cultura, provam que Adoniran continua vivo na memória e no cotidiano das pessoas em pleno ano de 2020. Nos vídeos, imagens e pensamentos do mestre do samba se intercalam com situações bem atuais e com o público que não o esquece a figura que aproximou para sempre o povo do universo do samba.
Uma noite, em 1965, na boate Cave, na Rua da Consolação, em São Paulo, estava se apresentando Johnny Alf, tocando e cantando com a sua habitual habilidade. Entre os frequentadores, estava um atento Vinicius de Moraes. Em uma mesa próxima, encontrava-se um grupo de pessoas que não estavam nem aí para a apresentação, já meio bêbadas, conversavam em voz alta, sem se preocuparem se estariam ou não atrapalhando o espetáculo.
Foi quando Vinicius dirigiu-se ao grupo e pediu: ─ Por favor, gente, vamos respeitar o artista que está se apresentando, pois ele é muito bom!
O pessoal que já se encontrava embalado pelos eflúvios etílicos, respondeu: ─ Qual é cara, o que você quer? Fica na tua, aqui é São Paulo!…
Vinicius, muito nervoso, retrucou: ─ É! é isso aí! São Paulo é mesmo o “túmulo do samba!”
Um jornalista que estava presente, mas não acompanhou o “quiproquó” desde o inicio, tendo ouvido somente a última frase de Vinicius, no outro dia publicou:
“VINICIUS AFIRMA QUE SÃO PAULO É O TÚMULO DO SAMBA!”
Posteriormente, Vinicius ponderou estar arrependido de ter dito isso, pois, afinal, ele sempre gostou muito de São Paulo e disse-o num momento de desabafo. Mas já era tarde, ele ficou marcado pelo resto da sua vida por essas palavras que perduram, mesmo depois da sua morte.
Apesar de tudo isso, o certo é que São Paulo tem muito samba e muito bons sambistas, e podemos citar, entre eles: Oswaldo Moles, Geraldo Filme, Germano Mathias, Osvaldinho da Cuíca, Eduardo Gudin e, sobretudo, Paulo Vanzolini e Adoniran Barbosa.
Vinicius, poeta de uma cultura sofisticada, e Adoniran compositor de um tipo de samba muito peculiar, um samba paulista com sotaque de descendente de italianos, abundantes nos bairros do Brás e do Bexiga, compuseram em parceria um samba-canção.
Foi uma parceria acidental, eles não se conheceram para compor juntos. No início de 1957, Vinicius despertou melancólico, muitotriste mesmo e, como ele sempre afirmava: “o poeta só é grande se for triste”. Perpetrou, então, um poema já com uma vaga ideia da melodia, tudo calcado na fórmula predileta da época, a música de fossa, mas não se preocupou muito com o problema da música, imaginando pedir a Dolores Duran que a musicasse, segundo ele, a pessoa mais indicada, por compreender e também vivenciar o clima desse tipo de composição.
Como não conseguiu falar com Dolores, e tendo de viajar para Paris, onde iria assumir o seu posto na Embaixada Brasileira local, deixou o poema e o esboço musical com Aracy de Almeida.
Aracy ficou vidrada na canção e mostrou a Adoniran, que não gostou muito do esboço da música e acabou mexendo na linha melódica, alterando algumas notas do original. Vinicius só ficou sabendo depois, mas aprovou a mudança, pois havia ficado muito bom. Assim nasceu “Bom-dia Tristeza”. Aracy gravou-a, em 24 de maio de 1957.
Posteriormente, Maysa a regravou, numa interpretação antológica, imprimindo uma intensa emotividade, reforçando ainda mais o prestígio de Vinicius – levando a tiracolo Adoniran – na MPB.
Mas, Bom-dia Tristeza era uma frase não muito original, pois já havia sido lançada, em 1932, pelo poeta Paul Éluard (1895-1952), em “A PeineDéfigurée”, trecho de seu poema “La Vie Immédiate” (Adieu, tristesse / Bonjour tristesse / Tu es inscrite dans les lignes du plafond). A partir de 1954, essa frase tornou-se mais popular, quando a famosa escritora francesa Françoise Sagan, lançou seu primeiro romance, justamente intitulado “Bom Dia, Tristeza”. Esse livro inspirou o diretor de cinema, Otto Preminger, a realizar um filme de muito sucesso: “Bonjour Tristesse”. Outro sucesso sobre o mesmo tema foi “Buongiorno, Tristezza”, bolero de Mario Ruccione e G. Fiorelli, vencedor do Festival de San Remo de 1955.
Essa composição de Adoniran e Vinicius suscitou uma enorme polêmica, quando o cantor e compositor Noite Ilustrada reivindicou a autoria da música. Afirmava ele, que Adoniran o procurou declarando-se incapaz de conceber uma melodia para aquela letra e o teria incumbido da função. Este, no dia seguinte, entregou a música pronta a Adoniran. Três meses depois, ao ouvi-la no rádio, percebeu que havia sido excluído dos créditos. Ao pedir satisfação, teria ouvido: “O Vinicius disse que queria só dois compositores. Depois a gente faz uma música, juntos”. Até hoje não se comprovou a veracidade desse episódio.
Muitos capitalizaram aquela frase de Vinicius, sobre São Paulo ser o túmulo do samba, para enfatizar uma superioridade – em se tratando de samba – do Rio de Janeiro sobre São Paulo. Mas, os cariocas que, todos os anos elegiam uma música como campeã do carnaval, no de 1965, o samba escolhido, e que sacudiu os foliões, foi nada mais, nada menos que um samba composto diretamente no “túmulo do samba”, por um dos mais tradicionais sambistas paulistas, Adoniran Barbosa, o samba “Tremdas Onze”, na interpretação do conjunto, também paulista, Demônios da Garoa.
Nessa época, Adoniran andava meio esquecido, e só não ficou à míngua, porque, ao vencer o concurso de sambas do carnaval carioca, recebeu um prêmio de dois milhões de cruzeiros.