Verdade, reapresentação da realidade, ponto de vista?

Elaine dos Santos:

‘Verdade, reapresentação da realidade, ponto de vista?

Elaine dos Santos
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Talvez, uma das tarefas mais difíceis de um professor de Literatura, tanto no ensino médio quanto no curso de graduação em Letras, seja ensinar o conceito de mimesis, conforme definida por Aristóteles, em sua ‘Poética’.

Em palavras bem corriqueiras, mimese é uma reapresentação da realidade que o artista faz. Vá lá, grosseiramente, uma cópia – ou, ainda, uma tentativa de cópia daquilo que ele viu (ressalve-se que eu adverti: é uma definição grosseira).

Eu costumava colocar uma cadeira em cima de uma classe e perguntava o que os meus alunos viam. A resposta era uma só: cadeira. Eu dizia que não. O revide era imediato: “Que é professora, ‘tá’ querendo inventar a roda?”

Principiava, então, a explicação: fomos ensinados a ver aquele objeto como cadeira, em sua totalidade, mas o que vemos são partes daquele objeto, raros alunos enxergavam, por exemplo, o assento.

Eis o papel do artista: desvelar aquilo que as demais pessoas não enxergam, não percebem. Ele reapresenta a realidade, sob uma nova ótica. Pode ser que muitos mortais, como nós, não entendamos as obras de Anita Malfatti ou de Picasso, mas a realidade está reapresentada ali.

Falta, para a maioria da população, é conhecimento para entender, ler, analisar obras artísticas de um modo geral. Experimente ‘ler’ os quadros de Van Gogh e desfrute a beleza daquelas obras. Por que nos deliciamos tanto com as obras de Machado de Assis?

Este escrito surgiu de uma conversa banal: “A senhora não sabe a verdade sobre os fatos!” E a senhora, no caso a professora de Literatura, questionou-se: “Qual verdade? O teu ponto de vista sobre a cadeira? E se a verdade estava justamente sobre o assento, nenhum de nós conseguiu alcançá-la?

Se a obra literária, em particular, os romances, que são mais difundidos hoje em dia, reapresenta a realidade, convém pensar a realidade sob diversos prismas, pontos de vista e nem sempre aquilo que eu sei corresponde, em sua integralidade, aos fatos decorridos.

Tivemos uma eleição polarizada e eivada por ‘Fake News‘; já, em 2022, uma parte da população estava mais atenta e, ontem, eu li a história de um candidato a prefeito que estaria sendo acusado de algo que não prometeu: a promessa estaria gravada em áudio. O meu sinal de alerta soou: uso de inteligência artificial?

Encerro, pois, misturando alhos com bugalhos (que era o meu propósito desde o início): estamos preparados para ver além da totalidade, esmiuçar a verdade e enxergar o assento da (minha) cadeira usada em sala de aula para meus alunos analisarem, ou ainda cremos que a verdade é una, apenas um grupo a detém, enquanto os outros devem ser silenciados?

Prof.ª Dr.ª Elaine dos Santos

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A Arte como didática: ela precisa ‘ensinar’ bons modos?

Elaine dos Santos:

“A Arte como didática: ela precisa ‘ensinar’ bons modos?”

Elaine dos Santos
Elaine dos Santos
A Arte como didática
A Arte como didática
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Um dos pressupostos básicos com que trabalha um professor de Literatura, cuja formação é na área de Letras, é que a Arte não deve ser usada para fins didáticos. Certamente, professores de séries iniciais tendem a discordar. Respeito-os.

A Arte – entendida aqui como música, pintura, escultura, poesia, romance – é, antes de tudo, prazer, fruição, deleite. Trata-se de uma re/apresentação da realidade, uma re/criação da realidade, o que, em termos técnicos, chama-se mimese, termo que foi criado por Aristóteles na Grécia Antiga.

Além disso, Aristóteles considerou a Arte em geral, mas me detenho na epopeia e nas tragédias , como catarse. Todos nós temos as nossas tristezas, os nossos medos, as nossas dúvidas, mas, teoricamente, não andamos, no cotidiano, ‘chorando as pitangas’ (dito popular que significa chorando os nossos sofrimentos).

As tragédias, como ‘Édipo Rei‘, em que o personagem principal fura os fura os olhos ou Jocasta suicida-se ao saberem que são filho e mãe e que, apesar disso, por puro desconhecimento, viveram juntos e tiveram filhos, provocam o choro, a compaixão diante dos fatos. Mal comparando, a comoção diante da morte de Airton Senna, em 1994, fez o Brasil chorar, viver a sua própria  catarse, purgar as dores do cotidiano na morte do seu ídolo.

Porém, como consta em um poema de Camões: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e a Arte pode assumir um cunho inovador, revolucionário, incluindo o pendor de denúncia. Recordo-me da grande obra de Pablo Picasso que contempla a Guerra Civil Espanhola, a destruição da cidade de Guernica, em 1937, cuja dor e sofrimento são reproduzidos, re/ criados em seu famoso e valioso quadro.

‘Guernica’, o quadro, é uma pintura cubista. O Cubismo, uma das vanguardas europeias do início do século XX, é uma ruptura com os modelos que valorizavam a perfeição das formas. Trata-se de um tratamento geométrico dado às formas da natureza, o que provoca a fragmentação, a decomposição das formas, dos planos, das perspectivas.

Essas lembranças da estudante de graduação e da professora de Literatura vieram à tona diante de uma postagem e os respectivos comentários em uma rede social. Havia uma instalação feita com terra e era visível a simulação da morte, a finitude da vida. Os comentaristas menosprezavam o artista e a sua proposta. Um dos comentários era categórico: “Isso é coisa de louco, não ensina absolutamente nada”.

Quem disse que a Arte precisa ensinar?

Quem disse que a Arte precisa seguir as regras que nós acreditamos que definam a Arte?

Do ponto de vista do texto literário, quem disse que não se pode mais usar a palavra em sentido conotativo, sendo necessário o sentido denotativo para facilitar a compreensão do leitor?

Espera-se que a Arte (e sempre penso na Literatura como correlata) deve ser colocada em uma camisa de força para atender os censores de plantão?

Não comentei a dita postagem, mas a vontade foi colocar o mictório (vaso sanitário masculino) – sob o título de ‘A fonte’ usado por Marcel Duchamp , o expoente máximo do Dadaísmo , também uma das vanguardas europeias, exposto como Arte em Nova Iorque no ano de 1917.

Se a Arte é re/presentação da realidade, re/criação da realidade, ou seja, se reinterpretamos à luz da nossa subjetividade, como querer que música, pintura, escultura, poesia, romance sejam um monobloco, que agradem a todos igualmente, se nós, como seres humanos, somos diferentes?

Vivemos tempos ‘enformados’ (e chatos), com extrema dificuldade para aceitar o diferente, o diverso… Mas o mundo roda, a terra gira, as novas gerações nos sucedem!

Prof. Dra. Elaine dos Santos

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E no túmulo, Aristóteles chorou

Pietro Costa: ‘E no túmulo, Aristóteles chorou’

Pietro Costa
Pietro Costa
"E no túmulo, Aristóteles chorou"
“E no túmulo, Aristóteles chorou”
Microsoft Bing. Imagem criada pelo Designer

No exame minucioso dos clássicos da ciência política
A gestão pública se dá com sobriedade e comedimento
Bem assim na vivência das lições do virtuoso estagirita
Que desaconselham a mesquinharia e o esbanjamento

Na administração pública brasileira, onde está a decência?
No loteamento do poder conforme critérios casuísticos?
Nas deliberações do convívio, onde se situa a prudência?
Na Lei Maior que se desvirtua por escusos subjetivismos?

Animais políticos perpetrando embustes para dilacerar inimigos
Gritos e contendas incivilizadas para a preservação de ‘status’ e nichos
Pontes assimétricas mal interligam as realidades de abastados e desvalidos

Cargos comissionados por DESconfiança, e a ousadia se desmobilizou
Cúmulo de regalias, facínoras incrustados em palácios, mas o povo se calou
Vãs filosofias no espaço da vida coletiva, e no túmulo Aristóteles chorou

Pietro Costa

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José Coutinho de Oliveira: 'Depois de Platão e Aristóteles, nada.'

Depois de Platão e Aristóteles, nada.

 

Whitehead terá dito uma coisa muito séria: de que tudo o que foi escrito na filosofia depois de Platão e Aristóteles não passa de nota de rodapé, o que dispensa qualquer comentário, corroborando Gálatas 4,4 que diz que na plenitude dos tempos o Pai enviou o Filho.

Hoje felizmente já não nos acanhamos diante dessas realidades pois parece que chegamos ao próton da coisa. Pusemo-nos a enfrentar a tal teoria dos dois mundos: um fenomênico, que vemos e o outro que pensamos, o intelectivo.

Platão a quem ninguém teria superado conciliou Parmênides e Heráclito ao sustentar que o que vemos é o mundo heraclitiano e o que pensamos é o parmenediano.

O primeiro seria o constante devir e o segundo o imutável , o eterno e o uno.

Ele terá dito também que o mundo que se vê é onde mora a doxa, a opinião, a suposição e no invisível a episteme, a ciência.

Platão então ensinava que a realidade está no mundo das ideias, no mundo intelectivo, onde se encontra o númeno, a res ipsa, a coisa em si mesma, em sua concretude. Essa visão de Platão os escolásticos chamaram de conceptualismo, de conceito. Aristóteles discordou e propôs a teoria oposta, o realismo, de res, coisa.

De que é real o que vemos, que os escolásticos terão dado o nome de nominalismo.

Kant talvez ao estudar o mesmo assunto terá lançado o apriorismo, ou seja, de que há conhecimentos adquiríveis através unicamente dos sentidos.

Algo grave todavia que surge nesse debate é a tese dos racionalistas que dizem que os sentidos podem nos enganar surgindo nesse ponto a teoria do empirismo, ou seja, a crença de que só se aprende aquilo sobre o qual meditamos, tese oposta ao inatismo oriunda da teologia da pré existência da alma de Sócrates, ou seja, nessa teoria houve um mundo só espiritual antes do terráqueo. Orígenes, depois Evágrio, a abraçavam.

Kanta realmente escreveu um livro denominado de ” Do mundo visível e do mundo inteligível” (1770).

Para Platão o bem, o agathon, seria ideia suprema surgindo dessa palavra a agatologia, prática que busca um aperfeiçoamento constante.

José Coutinho de Oliveira



José Coutinho de Oliveira: 'Aristóteles'

José Coutinho de Oliveira: ‘Aristóteles’

        Com Sócrates inicia-se a filosofia, com Aristóteles ela chega ao seu apogeu, desta forma, não devemos nos assustar quando constatamos que em muitos aspectos é o último que deve ser aplicado.Dentre as 5 antigas teorias reformuladas principalmente por Aristóteles temos a pré-existência da alma, a crença de que já existíamos espiritualmente antes de nos encarnarmos aqui na terra; essa metafísica irá formar na mente de Platão a crença de que aprender é recordar, ou seja, toda vez que entendemos algo é porque aquilo já tínhamos dominado na nossa pré-encarnação. Em grego se dá o nome de anamnese, recordação. Aristóteles parece que refuta essa crença ao dizer que a mente é uma folha em branco. A segunda crença socrática refutada por Aristóteles é a teoria das ideias, ou seja, de que a realidade está no mundo das ideias, no plano espiritual, o chamado idealismo; de que o que vemos é uma sombra da real realidade. Aristóteles lança inclusive uma nova palavra, enteléquia, de que no final do devir, no ato, está a realidade plena; é esse o realismo aristotélico, de res, coisa. O realismo hoje sabemos não pode todavia nos tornar ingênuos pois o mundo tudo o que vemos encontra em seus lugares por conta de algum plano prévio. Sto. Tomás procura então conciliar as duas diferentes posições lançando o realismo moderado, ou seja, de que a concretude está tanto nas ideias quanto no visível. A próxima teoria socrática refutada pelo estagirita, de Estagira, Trácia, é a crença de que ninguém faz o mal voluntariamente mas por ignorância; o estagirita diferentemente defende a tese de que o malvado sabe que é mal o mal que pratica. Ele defende dessa forma o livre arbítrio, de que a noção do mal é intuitiva e infusa em nós, ou seja, de que somos nós mesmos os culpados do mal que fazemos. A quarta crença platônica questionada por Aristóteles foi o coletivismo e a última é a condenação parece da paternidade estatal; parece que ele preferia assim a forma antiga, ou seja, a paternidade individual, sendo assim, a favor da família. Nada mais natural prá quem defendia a individualidade. Aristóteles era considerado meteco, estrangeiro. Mas ainda que Sócrates estivesse certo o fato é que a análise desse famoso paradoxo levou-nos a chegar no catecumenato audio-oral ou ágrafo, aquele indicado aos iletrados, aquele onde nem se lê nem se escreve.É o método que ainda pode ser empregado com as remanescentes populações pagãs. Mas vejamos o que o catecismo da igreja católica nos diz do catecumenato: § 1259 – para os catecúmenos que morrem antes de seu batismo, seu desejo explícito de recebê-lo, juntamente com o arrependimento de seus pecados e a caridade, garante-lhes a salvação que não puderam receber pelo sacramento.
José Coutinho de Oliveira

Credencial do jornalrol.com.br




Artigo de Maria Dolores Tucunduva: 'O Conceito de Justiça para Platão e Aristóteles'

Foto FacebookMaria Dolores Tucunduva – ‘O Conceito de Justiça para Platão e Aristóteles’

Introdução

No início de “A Justiça dos Antigos” são apresentadas algumas partes do primeiro e segundo livro de “A República”, de Platão, e do capítulo V do livro “Ética a Nicômaco”, de Aristóteles. No texto de Platão, criam-se duas indagações, em que uma trata da definição do justo e da justiça e a outra questiona se devemos e por que devemos ser justos. A obra, na integra, é dedicada a estas respostas, já que consiste na construção do modelo da “ótima república”. A obra de Aristóteles propõe uma classificação dos diferentes tipos de justiça e as formas à que se aplicam. A distinção feita é a justiça como respeito à lei e a justiça como igualdade. A justiça na distribuição de honras e ônus, de renda e status, é diferente da justiça como aprovação jurídica nos casos em que estão em pauta o dano e a vantagem. Isso, naturalmente, não apenas tem a ver com as distinções entre justiça distributiva, reguladora e comutativa, mas também concerne à complexa relação entre a estrutura da justiça e a virtude ética a ela correspondente. Na ideia do filósofo, a pesquisa sobre justiça deve informar “qual justo meio constitui a justiça e de que extremos o justo é o meio”.

1. A natureza do problema e as questões fundamentais

O sentido de toda a construção do Estado ideal indica abertamente que a comunidade política deve estar assentada na justiça. Se é correto afirmar que a República tenta responder à questão das razões que movem os homens a viver em sociedade, é preciso reconhecer que essa, própria de uma teoria social, se responde somente por meio uma teoria da justiça. Na República, põe-se declarado que a justiça é o componente fundamental do Estado ideal. A justiça é expressão da capacidade do Estado e é ela que assegura que o Estado seja bom e deve ser exercida por cada cidadão, no exercício de suas funções e de acordo com suas capacidades: trabalhadores e artesãos, mulheres e crianças, guerreiros e guardiões, governantes, educadores, filósofos e artistas. Considerando inclusive que a ideia de justiça é a possibilidade da razão na ordem do político, onde as partes constituem uma pura totalidade organizada de acordo com o bem da sociedade.

Grande parte do capítulo é explicada pela utilização de diálogos, retirados da obra de Platão. Em determinada altura da conversa, encontramos os locutores discutindo a relação existente entre a consideração do valor moral da justiça, tema a ser digladiado dentro da história da composição do direito, eis que não se pode confundir justiça com direito, porém pressupõe-se que essa está inclusa neste.

Sócrates possui uma visão idealista da justiça ao discutir com Trasímaco a noção da existência de uma justiça ideal, límpida, sem nenhum vício e, posteriormente, iria declarar uma justiça corrompida por vícios de injustiça. Trasímaco, em contraposição a Sócrates, clamava que justiça é a representação prática da mesma, voltada a realidade, e como se aplicava a sociedade vigente na época.

Trasímaco aparentemente se demonstra conveniente às ideias de Sócrates, porém, após certo tempo, revela estar concordando com ele somente para poder dissipar a discussão. O texto nos leva a acreditar na ideia de uma falsa justiça, pois, em pratica, a sabedoria e virtude elevada por Sócrates em definir justiça, se mostraram ausentes.

Em um segundo momento, Sócrates começa a discutir o conceito de justiça com Gláucon. Este inicia o diálogo propondo a existência de três tipos de bens: o primeiro seria aquele desejado por si mesmo; o segundo, desejado por si mesmo e por suas consequências e o terceiro somente por suas consequências. Daí em diante, o texto consiste em propor sobre em qual tipo a justiça se encontra. Para Sócrates, a justiça está no segundo; para Gláucon, no terceiro.

O oponente de Sócrates cita a lenda de Gyges, um pastor que encontra um cadáver, portando um anel peculiar. Quando coloca o anel no próprio dedo, esse o torna invisível. Sem ninguém capaz de ver suas ações, Gyges passa a praticar várias condutas amorais – seduz a rainha, mata o rei e rouba o trono do seu reino. Sobre isso, Gláucon diz que os homens não desejam a justiça, só a buscam para não serem punidos pelas leis que regulam seus atos.

Sócrates propõe que a justiça deve ser procurada como um bem a ser desejado, como sendo o certo a se buscar, por si mesmo, pelo desejo de realizar o bem. Essa seria a conduta correta a ser seguida. Em seu ideal, diz que a justiça deve ser igualada à aquela exclamada pelos poetas e artistas, como um bem supremo e de infinita beleza.

2. Os modos e os objetivos da justiça

Em “A ética de Nicômaco”, Aristóteles propõe uma indagação a respeito do que realmente significa ser justo ou injusto, bem como discorre sobre os diversos sentidos destes dois opostos e os objetos utilizados para a execução da justiça. Para o autor, o conceito de injustiça materializa-se tanto na figura do transgressor da lei, quanto na daquele que, por qualquer meio, obtêm vantagem de forma ilícita ou mesmo imoral, agindo assim de forma iniqua. Evidentemente em contraponto, existe a figura daquele cidadão virtuoso, respeitador das leis e mantenedor de elevados ideais de moral e ética, visando por meio desta o bem comum e personificando o conceito de justo.

A justiça, portanto, demonstra-se como uma certa forma de virtude perfeita e completa, pois pode servir assim não somente para si próprio, mas também em relação ao outro, sendo assim um bem alheio, dizendo respeito a toda sociedade e não somente ao indivíduo. Aristóteles descreve, de certa forma poeticamente, sobre esta característica como: “a mais importante das virtudes; nem a estrela da noite, nem aquela da manhã são tão admiráveis”. Sendo assim um bem alheio, visto que a justiça é posta como uma forma de virtude, por outro lado a injustiça é um vício, não somente parcial, mas completo, pois, assim como seu oposto, afeta todo o ciclo de convivência do indivíduo que a comete, prejudicando o convívio harmonioso em sociedade.

A justiça é alcançada a partir do momento em que agir de maneira ética se torna um hábito comportamental do sujeito que a pleiteia. O autor defende que agir compactamente de maneira ética é a “receita” para criação de um indivíduo virtuoso – ou seja, justo. A justiça seria dividida em dois métodos principais: a justiça geral e a justiça particular, sendo que esta possui ramificações.

Aristóteles compreendia justiça geral como sendo a pura e simples observação do cumprimento da legislação, por possuírem como objetivo o adimplemento do bem comum e da felicidade geral. É curioso interpretar que o termo “legislação” não compreende apenas a lei positiva, mas também a lei não escrita. Esta seria amplamente priorizada em detrimento daquela, na sociedade grega onde o filósofo se encontrava.

Por justiça particular, o filósofo definia como sendo aquela age com objetivo de igualar as partes envolvidas, subdividindo-se entre justiça distributiva – a simples repartição de bens, segundo o mérito de cada indivíduo – e justiça correlativa. Neste caso, surge a necessidade de envolvimento de um terceiro, alheio às partes, que deve decidir sobre o que cada um tem ou não direito, onde a figura do juiz ditaria o que é justo.

Conclusão

Justiça, sob a ótica dos antigos, possui conceituações diversas da que usualmente se impõe, em tempos modernos, mas as raízes desse pensamento são facilmente avistadas, quando analisadas profundamente. Platão, propondo a ideia de que a justiça é a base de todas as virtudes humanas, não implica que apenas os filósofos (detentores do conhecimento) seriam justos; pelo contrário, seguindo o princípio de “dar a cada um aquilo que lhe é próprio”, utilizado como conceito central da organização de sua república, o autor especifica que uma sociedade justa é aquela onde seus componentes trabalham conforme sua aptidão. Seguindo esse ideal, a própria sociedade, com indivíduos justos, formaria um Estado justo, demonstrando esse viés antropológico que a justiça possui.

A visão aristotélica também apresenta esse elemento antropológico, no sentido de definir o que é justo. A questão de justiça, em “Ética de Nicômaco”, é abordada como uma virtude estritamente humana, não se prendendo em aspectos meramente legais e positivos. Dessa maneira, para Aristóteles, ser justo é uma disposição de caráter e o sentido de justiça não pode ser simplesmente definido em uma terminologia específica.

Referências

 

MAFFETONE, S.; VECA, S. A justiça dos antigos. In: MAFFETONE, S.; VECA, S. A ideia de justiça de Platão a Rawls. 1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 7-93.




Artigo Dolores Tucunduva: 'A felicidade para Aristóteles corresponde ao hábito'

Maria Dolores Tucunduva: ‘A felicidade para Aristóteles corresponde ao hábito’

A felicidade para Aristóteles corresponde ao hábito continuado da prática da virtude e da prudência.

Por sua própria natureza os homens buscam o bem e a felicidade, mas esta busca só pode ser alcançada pela virtude.

A virtude é entendida como Aretê – excelência.

É somente através do nosso caráter que atingimos a excelência.

A boa conduta, a força do espírito, a força da vontade guiada pela razão nos leva à excelência. Dessa forma, a felicidade está ligada a uma sabedoria prática, a de saber fazer escolhas racionais na vida.

É feliz aquele que escolhe o que é mais adequado para si.

A razão é a faculdade que analisa, pondera, julga, discerne. Ela nos permite  distinguir o que é bom ou mau,  a distinguir os vícios das virtudes. Ela  nos permite fazer escolhas pertinentes para nossa felicidade.

Por exemplo, a temeridade é um vício por excesso, a covardia é um vício por falta; o meio termo é a coragem, que é uma virtude.

O orgulho é um vício por excesso,  a humildade um vício por falta; o meio termo é a veracidade, que também é uma virtude.

A inveja é um vício por excesso, a malevolência é um vício por falta; o meio termo é a justa indignação.

Para Aristóteles toda escolha exige uma mediania, um equilíbrio entre o excesso e a falta.

Na vida não podemos ser imprudentes e impulsivos se arriscando em situações perigosas.

Por outro lado,  também não podemos ser covardes e ter medo de tudo deixando que o medo nos domine. É necessário o meio termo entre esses dois sentimentos, devemos enfrentar os medos e perigos sabendo agir com bom senso.

O mesmo raciocínio serve para alimentação, não podemos comer muito para passar mal do estômago, assim como não podemos evitar comer, pois também vamos adoecer. Devemos comer com moderação.

Por esta ótica, também podemos pensar os sentimentos.

Na vida não podemos ser vaidosos preocupando-nos apenas com nossas qualidades, satisfazendo sempre o nosso ego.

Por outro lado, também não podemos ser muito modestos,  achando que somos inferiores.

É necessário auto-estima, sabendo reconhecer através da razão nossos defeitos e nossas qualidades.

Para Aristóteles, portanto,  devemos sempre escolher o meio termo, sendo moderados em tudo que fazemos na vida. Somente assim atingiremos o bem e a felicidade.

 

Aristóteles. Ética a Nicômaco. Edipro, São Paulo, 2007