Nossos carnavais passados

Verônica Moreira: Crônica ‘Nossos carnavais passados’

Verônica Moreira
Verônica Moreira
No centro, Conceição Imaculada da Silva Moreira, mãe da autora
No centro, Conceição Imaculada da Silva Moreira,
mãe da autora

Era o período do Carnaval em Caratinga. Eu sempre gostei dessa festa popular, mas tinha certa aversão a me fantasiar. Talvez porque nunca pudesse escolher minha própria fantasia. E, infelizmente, meus pais eram fãs de maquiagem, algo que eu não suportava! Às vezes, até apreciava as fantasias que escolhiam para mim, porém detestava essa ideia de usar a tal maquiagem. Todo Carnaval era uma verdadeira peça de teatro: lá íamos nós, agradando a todos, mas não a nós mesmos. Eu, apenas uma menininha, de cabelos compridos e pernas finas, desfilando por horas na Avenida Catarina Cimini, onde aconteciam os desfiles.

Minha mãe adorava desfilar, e eu achava incríveis os vestidos que ela usava, cada ano com um modelo diferente, porém todos luxuosos, com lantejoulas e pedras. Alguns eram enfeitados apenas com penas de ganso, e como eram maravilhosos!

Acredito que, no último desfile da Mangueira em Caratinga, minha mãe vestiu uma fantasia e saiu como destaque na ala das baianas, e eu ficava encantada com o entusiasmo dos meus pais. No entanto, esse desfile teve um significado especial para nós, irmãos, e vou explicar o motivo…

Naquela época, a população de Caratinga era muito animada, e tínhamos um vizinho que era mestre da escola de samba, localizado na conhecida Rua dos Cavacos. Por algum motivo que ainda gostaria de descobrir, a rua recebeu esse apelido. Sinto-me mais curiosa do que nunca. Talvez, somente agora, ao escrever sobre os carnavais da minha cidade, perceba a importância de conhecer a história de cada rua, cada cidade e praça da nossa região.

Mas, continuando, esse vizinho era conhecido como Manga e era responsável pela direção das escolas de samba em Caratinga. Não sei se esse nome era um apelido ou seu verdadeiro nome, mas ele fazia um trabalho incrível e homenageava personalidades da nossa cidade.

Conceição Imaculada da Silva Moreira
Conceição Imaculada da Silva Moreira

Ele era um talentoso sambista, cantor e compositor responsável por interpretar as músicas entoadas em nossos carnavais. Durante um momento do samba, apresentado com entusiasmo pela bateria da escola e brilhantemente vocalizado por nosso amado Manga, uma bela homenagem foi feita a Ziraldo Alves Pinto e João Caetano do Nascimento. Deixo aqui registrado um trecho dessa maravilhosa composição:

“João Caetano do Nascimento
Revive seu tempo de glória,
Partiu para a eternidade,
E o seu nome aqui ficou oh, oh, oh, oh…
Em nossa escola de samba, este é o tema que o poeta inspirou.”
Oh, oh, oh, oh, oh, oh…

“Ah, Ziraldo Alves Pinto, um personagem que enaltece o Carnaval.”

Esses trechos de músicas encantadoras e inspiradas eram tocados com maestria pelas escolas de samba naquela época.

É sempre gratificante relembrar nossa cultura, e é por isso que destaco esse fragmento de canção, pois, naquele tempo, o Carnaval não era, ao menos em minha opinião, essa confusão que presenciamos hoje em dia nas grandes cidades.

Uma coisa que não me trazia alegria alguma era o fato de sermos obrigados a usar maquiagem. Meu pai, um tanto exagerado, insistia em pintar os sete filhos e, por ser bem branca, eu me sentia uma bruxa, com bochechas vermelhas e uma boca maior do que a do personagem Nazareno, da Escolinha do Professor Raimundo. Não era fácil, sinceramente.

A fantasia até era agradável; no último Carnaval, me vestiram como bailarina, com minha irmã mais nova. Éramos muito empolgadas na avenida, mas, assim que meus pais se afastavam, eu rapidamente removia toda aquela maquiagem, sempre fiz assim: deixava que fizessem, mas, assim que viravam as costas, eu tirava tudo. Pelo menos eu podia fazer isso. Não me esqueço do tanto que aguentávamos ficar sambando até o final da avenida e quando chegávamos no final, a sensação era de exaustão, misturado com satisfação, os pés até calejados e a bexiga em tempo de estourar.

O pior era com meus irmãos mais velhos, que, além de terem que usar maquiagem para representar personagens, também precisavam sambar sobre os carros alegóricos. Todos observavam e admiravam as magníficas fantasias, mas, nos rostos dos meus irmãos, a decepção era evidente. Não pelas fantasias, mas por terem o rosto coberto por uma maquiagem que os fazia se parecerem muito com os personagens que representavam: Adão e Eva, e São Jorge, o guerreiro.

Os carnavais em Caratinga, sem dúvida, eram os melhores. Eles me despertam uma mistura de saudade e decepção, devido às detestáveis maquiagens que éramos obrigados a usar. Mas era uma celebração que verdadeiramente representava a cultura da nossa região e do Brasil.

Hoje em dia, com as distorcidas formas de comemorar os eventos populares, nossa cultura, que sempre foi tão rica, não deveria estar ameaçada como vemos agora. Festas tão belas, celebradas com alegria e prazer, tornaram-se uma ocasião de desordem, imoralidade e desvalorização das nossas raízes. Que pena!

Verônica Moreira

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Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Saudade do boizinho de Carnaval'

Carlos Carvalho Cavalheiro

Carlos Carvalho Cavalheiro: ‘Saudade do boizinho de Carnaval’

Boi Fervor, de Porto Feliz

Porto Feliz ainda guarda na memória a tradição dos boizinhos de carnaval. Até pelo menos a década de 1980, talvez até início dos anos 90, os boizinhos ainda eram vistos pela cidade animando as brincadeiras de carnaval.

Nem todas as cidades da região guardam lembranças dessa manifestação. Havia, pelo que se sabe, o boizinho em Itu e Tatuí, além de Porto Feliz.  A tradição dos boizinhos de carnaval é antiga e se espalhou por todo o Brasil (os mais famosos são os bumba-meu-boi e boi-bumbá, mas há o boi mamão no sul do país, os bois de reis, etc.).  Aparentemente, trata-se de um amálgama de tradições muito antigas que pelo imperativo da constituição diversificada de nosso país, aqui se encontraram esses usos e costumes ganhando roupagens novas.

Há influência africana nessa tradição e também remonta ao simbolismo muito antigo dos bovinos (as religiões antigas sempre apresentam o touro ou o boi como algo sagrado ou relacionado ao divino. Ver, por exemplo, o culto a Dioniso, na Grécia; o Boi Ápis no Egito e o culto ao deus Mitra em Roma).  Na Índia, para citar outro exemplo, os bovinos são considerados sagrados até hoje.

Em nossa região do Médio Tietê essa tradição também é antiga e existia, por exemplo, em Itu, onde Francisco Nardy Filho relata como uma tradição ligada aos negros da cidade. Diz o historiador que nas festas de São Benedito e também no carnaval o boizinho tinha a sua participação.  Em Porto Feliz, havia um maestro negro, no século XIX, chamado Benedito Pais Arruda (se não me engano) e que levou essa tradição a Tatuí, de onde se originou depois o Cordão dos Bichos, famoso até hoje. Parte disso está relatada no meu livro “O negro em Porto Feliz”. 

Em Campinas existe a tradição do “Boi falô”, que ocorre durante a sexta-feira Santa no bairro de Barão Geraldo. De acordo com a lenda local, um escravo da Fazenda Santa Genebra, pertencente ao Barão Geraldo de Rezende, foi instado a colocar a canga num boi para carregar a cana cortada. Quando o escravo, que se chamava Toninho, tentou colocar a canga, diz-se que o boi mugiu e teria dito: “Hoje é dia santo, não se pode trabalhar”.

A Festa do Boi Falô possui um significado religioso, relacionado à ressurreição de Jesus Cristo. Coincidentemente, ou não, as outras tradições do boi também remetem ao ressurgimento, à morte e ressurreição. Com esse sentido o boi era cultuado nos mistérios de Dioniso (ou Dionísio). No bumba-meu-boi, o negro Pai Francisco mata um boi de um fazendeiro para satisfazer o desejo de sua esposa que está grávida e quer comer língua de boi.

O fazendeiro percebe a falta do boi e manda prender o Pai Chico, mas este consegue ressuscitar o boi por meio da intervenção de um benzedor (ou de outro artifício, dependendo da região em que a manifestação ocorra). Assim, ele se livra da punição. O simbolismo da ressurreição é aproveitado com o sentido cristão da ressurreição.

Com menor dramaticidade, o boizinho ituano descrito por Francisco Nardy Filho “pulava, dançava, investia, adoecia, deitava-se; vinha o doutor, curava-o e punha-se ele de novo a pular, a dançar e a investir; e tudo isso acompanhado de cantigas ao som das violas, pandeiros, caixas e zabumbas” (NARDY FILHO, F. A cidade de Itu. Itu:Ottoni, 2000, p. 207).

Em meados da década de 1960, de acordo com Ivan Sampaio, o boizinho do Tedéu. Em 1976 surgiu o Boi do Fervor, de memória mais recente. Em 2004, a Sociedade Recreativa Monções reapresentou o Boi do Fervor.

Os boizinhos de carnaval são uma tradição de Porto Feliz e seria importante que pudessem ressurgir. Como nas lendas ligadas ao boi e ao touro, depois de experimentar a morte temporária, os bois de Porto Feliz poderiam voltar à vida, porque carregam em si muito da mistura de tradições imemoriais, muitas vezes escondidas pela poeira dos tempos. Também porque fazem com que Porto Feliz se destaque em termos de produção cultural tradicional. Possui apelo para a visitação turística, para a difusão do nome da cidade, para a manutenção de uma brincadeira sustentada por conhecimentos que atravessam os séculos.

É o momento de aproveitar os laços que ainda não se romperam: ainda existem pessoas que conhecem a técnica de montagem da armação do boi, assim como estão vivas muitas pessoas que conheceram essa tradição que deixou de existir há poucas décadas. Cabe a nós, portanto, revalorizarmos a manifestação cultural do boizinho.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro – carlosccavalheiro@gmail.com

06.03.2019




Claudio Bloch: 'O Dia Internacional das Mulheres'

Claudio Bloch

O DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES

A luta das mulheres contra o fim da violência

Nunca recebi e postei tantas mensagens de apoio e celebração pelo Dia Internacional da Mulher, comemorado ontem, dia 8 de março. Mas há ainda muita luta pela frente para que seja apenas motivo de comemoração. Números mostram que a violência contra a mulher está longe de ser superada. De acordo com a Coordenadoria Municipal de Políticas e Direitos das Mulheres (Codim) de Niterói, nos dois primeiros meses deste ano, 209 vítimas buscaram apoio no centro de atendimento às mulheres (Ceam).

No domingo passado mais uma mulher niteroiense foi vítima de agressão pelo simples fato de ser mulher. Após uma cantada agressiva, rechaçada, de um homem em um bloco de carnaval, a mulher foi atacada com chutes e empurrões. Do chão ainda ouviu xingamentos homofóbicos do agressor por estar acompanhada de sua namorada. Com medo, a vítima foi para casa cuidar dos ferimentos e hematomas.

“Eu estava de mãos dadas com minha companheira, quando um homem me puxou pelo braço querendo me forçar a ficar com ele. Ele começou a gritar com intimidação, que era homem. O amigo que estava com ele, em vez de puxá-lo, dizia pra eu ir embora.O mais assustador é que pessoas que estavam ao redor nada fizeram para me ajudar, mesmo vendo que eu estava ferida. Alguns momentos antes já me haviam chamado de sapatão.”Ela contou que nunca havia passado por situação parecida enquanto namorava homens.

Além do machismo, foi um claro caso de homofobia, disse a vítima, funcionária pública, que devido a dor e por medo de sofrer ainda mais preconceito, desistiu de ir à delegacia prestar queixa.

E uma boa notícia de onde imaginamos que de bom nada vai sair.

O governador Witzel sancionou, no final de fevereiro, um projeto de autoria de deputados do PSB e do PCdoB proibindo que pessoas condenadas pela Lei Maria da Penha sejam nomeadas para cargos comissionados no governo estadual.

Esse é um bom exemplo que pode ser disseminado entre os governos estaduais e municipais do país.

 

Por Claudio Bloch, correspondente do ROL em Niterói




Cerquilho encerra comemoração do Carnaval com solidariedade

3º Arrastando o Bigode fecha as comemorações de Carnaval com solidariedade

 

No dia 09 de março, Cerquilho se despede de vez do Carnaval 2019 com a 3º Edição do Arrastando o Bigode, no Centro de Eventos Cidade das Rosas.

O evento começa às 18h e contará com a presença do Trio Atomix e grande show com a Banda Balakubaka, que trará os melhores kits do Carnaval para a gente matar a saudade.

Importante lembrar que a entrada do evento é solidária: doação de um quilo de alimento, que juntamente com os itens arrecadados no 2º Carnaval Solidário, irá ajudar famílias necessitadas, através do Fundo Social de Cerquilho.

Não será permitida a entrada com coolers/isopor de bebidas.




Cláudio Bloch: 'Evoé, Evoé, hoje é Carnaval

Claudio Bloch

De Cláudio Bloch, correspondente ROL

No dia 1o de março de 1565, uma expedição composta por portugueses, colonos paulistas (de São Vicente), índios com suas canoas de guerra vindo dos mais diversos lugares, sob o comando de Estácio de Sá, lança os fundamentos da cidade e que em homenagem ao rei de Portugal, viria a ser chamada São Sebastião do Rio de Janeiro.

A expedição desembarcou no istmo situado entre os morros Pão de Açúcar e Cara de Cão, começando logo a construir a trincheira de defesa, as primeiras casas, abrindo um poço e levantando as paredes da igreja consagrada a São Sebastião. José de Anchieta, ainda noviço, acompanhara Estácio nessa expedição por ordem de Nóbrega e oficiou missa nessa igreja. Poucas pessoas conhecem a importância da participação das gentes paulistas na fundação do Rio de Janeiro. Vida que segue.

No carnaval de 1984, foi inaugurado o sambódromo da Sapucaí, oficialmente Passarela Professor Darcy Ribeiro, na zona centro da cidade.

Em 1989, Joãzinho Trinta apresentou no sambódromo a obra-prima do desfile da E. S. Beija-Flor “Ratos e Urubus, Larguem minha Fantasia”, gerando controvérsias com a igreja católica ao tentar levar uma imagem do Cristo Redentor caracterizado como mendigo. A imagem foi censurada e passou coberta pela passarela. Uma das frases lapidares do carnavalesco Joãozinho Trinta era “o povo gosta de luxo e a riqueza na avenida. Quem gosta de miséria é intelectual.”

Em 2019, eu que não sou mangueirense, a Escola de Samba Primeira da Mangueira vem com o enredo História pra Ninar Gente Grande, prestando homenagem às mulheres anônimas que tiveram e tem participação impar na história do Brasil. Querem ouvir? Apenas um trecho:

Mangueira tira a poeira dos porões

Ô, abre alas pros teus heróis dos barracões

Dos brasis que se faz um país de Lecis, Jamelões,

São verde e rosa as multidões.

……

Brasil, meu dengo, a Mangueira chegou com versos que o livro apagou desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento.

… ….

Brasil, o teu nome é Dandara e a tua cara é cariri.

Não veio do céu, nem das mãos de Isabel

A liberdade é um dragão do mar de Aracati.

Salve os caboclos de julho, quem foi de aço nos anos de chumbo

Brasil chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês. (…)

O Cordão da Bola Preta completou 100 anos em dezembro de 2018. É um dos mais antigos do país e último remanescente dos antigos cordões carnavalescos. O Cordão possui uma marchinha famosa pelo verso “quem não chora não mama, segura a chupeta, lugar quente é na cama ou então no Bola Preta…” e se autointitula como o maior bloco de carnaval do mundo, rivalizando-se, saudavelmente com o Galo da Madrugada de Recife. Em 2012, o bloco reuniu cerca de 2 milhões e 500 mil foliões, segundo estimativas do próprio bloco, mas na  realidade o Galo da Madrugada consta no Guiness como o maior bloco do mundo.

 

Skindô, Skindô…




Tatui se pepara para o carnaval com exposição de fotos

 

ABERTURA DA EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA

‘TATUHY – PASSARELA DE ALEGRIAS E ALEGORIAS’ SERÁ NESTA SEXTA-FEIRA

 

A Prefeitura de Tatuí, através da Secretaria de Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude, realizará nesta sexta-feira (08/02), às 20h, no Centro Cultural de Tatuí, a abertura da Exposição “Tatuhy – Passarela de Alegrias e Alegorias”. A exposição faz parte da programação do Carnaval 2019 no município, que tem como tema “Tatuí Folia – Samba e Alegria”.

A exposição terá cerca de 80 fotos pertencentes ao acervo do Museu Histórico “Paulo Setúbal”, digitalizadas e restauradas por Thony Guedes. O objetivo é apresentar ao público a tradição que Tatuí tem na festividade carnavalesca, onde grupos de amigos se reuniam e projetavam suas alegorias e depois desfilavam pelas ruas da Cidade Ternura. “Essa foi a forma que a Cultura encontrou para apresentar o que, nos tempos áureos, os tatuianos apresentavam aos seus foliões por meio da criatividade nas construções de seus carros alegóricos”, destaca o diretor de Cultura da Prefeitura de Tatuí, Rogério Vianna.

O evento será animado pelo Cordão dos Bichos e pelos Blocos Império do Samba e Banda do Bonde.

O público poderá visitar a exposição gratuitamente até o dia 05 de março, de segunda a sexta-feira das 9h às 21h, e aos sábados, domingos e feriados das 18h às 21h. O Centro Cultural está situado na Praça Martinho Guedes, nº 12, Centro. Mais informações pelo telefone: (15) 3259-3993.

Mais informações sobre a programação completa do Carnaval 2019 no site da Prefeitura de Tatuí: http://bit.ly/2S8oXNQ.

 

FOTO: Exposição terá cerca de 80 fotos pertencentes ao acervo do Museu Histórico “Paulo Setúbal”.




Paulo Roberto Costa: 'Guerra é guerra'

 “(…) O líder, fazendo uso de sua autoridade, pediu a palavra. Tinha dado uma missão para um dos mais jovens do grupo que, apesar de franzino, era bastante esperto. Sua função era infiltrar-se nas linhas inimigas e descobrir tudo sobre seus oponentes.”

A belicosidade é uma característica inata aos homens ou aprendida ao longo da vida  como forma de enfrentar a competição no jogo da vida? (Paulo Roberto Costa)

 

O grupo estava reunido sob uma das únicas árvores daquela ruazinha, em um bairro de periferia de uma cidadezinha do interior.

Todos falavam ao mesmo tempo. Uns mais exaltados, outros nem tanto, mas todos pareciam ter uma opinião e faziam questão de manifestá-la.

Cada um tinha sua função mais ou menos definida. O líder, fazendo uso de sua autoridade, pediu a palavra. Tinha dado uma missão para um dos mais jovens do grupo que, apesar de franzino, era bastante esperto. Sua função era infiltrar-se nas linhas inimigas e descobrir tudo sobre seus oponentes.

O garoto, com a cara ainda meio assustada, tentou descrever o mais detalhadamente possível tudo o que tinha visto. Devido ao seu tamanho e aparência inofensiva, tinha conseguido penetrar no território inimigo sem ser notado e observado suas movimentações. Conseguiu acompanhá-los enquanto eles invadiam outro território rival. Ainda se lembrava com certo horror, das camisas, rostos e cabelos  manchados de vermelho dos pobres combatentes que batiam em retirada. O embate tinha sido rápido e barulhento. Seus inimigos gritavam como os antigos bárbaros enquanto perseguiam suas pobres vítimas. Estavam muito bem armados e usavam um tipo de munição que ele desconhecia, mas que causava um estrago considerável.

Todos prestavam muita atenção ao relato, com os olhos esbugalhados refletindo suas preocupações e seus medos. A guerra era inevitável. Sabiam disso. Eles seriam os próximos na trilha destruidora daquela falange cruel. O líder, percebendo o moral abalado do grupo, tomou a palavra e, levantando-se, buscou inflamar o orgulho de seus comandados – uma tática muito usada para mascarar o puro e simples medo dos combatentes. Todos, então, se levantaram e dirigiram-se para a linha de combate com um novo sentimento de esperança de que a vitória seria possível.

O espião foi novamente enviado para a frente para descobrir onde os inimigos estavam, enquanto o grupo se preparava, entoando as palavras de ordem gritadas pelo líder. Poucos minutos tinham se passado quando o espião retornou correndo, gesticulando e gritando: – Eles estão chegando! Eles estão chegando! Todo o grupo se encolheu em uma expectativa crescente, enquanto ouviam o murmúrio da turba que se aproximava vindos da rua lateral.

Todos seguraram suas armas devidamente municiadas e se preparam para o confronto. Quando se deram conta, o inimigo já contornava a esquina e começava a descer a rua. Eram em muito maior número e corriam gritando e apontando suas armas. Já no primeiro confronto mostraram todo seu poderio de fogo. De seus espirradores saía um líquido vermelho, conhecido como “sangue-de-boi”, preparado a partir de uma planta, que manchava a roupa e até a pele. Tinham também espirradores de vários tamanhos, com maior capacidade de armazenar água e que, pelo preço, não eram acessíveis a todos. Lançavam bombas de água feitas de bexigas que explodiam no corpo da meninada molhando todo o corpo, assim como o pouco orgulho que lhes restava.

A batalha foi rápida e terminou antes mesmo que todos os espirradores estivessem vazios. O grupo, reconhecendo a derrota, recuou e fugiu em desabalada carreira, com todos os meninos aterrorizados com a ideia de ter que explicar para suas mães onde tinham manchado suas roupas daquele jeito e que tipo de castigo receberiam.

Terminava assim, mais uma batalha de espirradores de carnaval, naquela ruazinha de um bairro de periferia de uma cidadezinha do interior.

 

Paulo Roberto Costa – paulocosta97@gmail.com