Carta de Natal a Deus
Sandra Albuquerque: ‘Carta de Natal a Deus’
Ei, Deus, você aí em cima, sou uma criança e, apenas, um sobrevivente, mas mesmo assim resolvi lhe escrever.
Há três anos sem casa, pais, família, amiguinhos…
Crianças também sofrem, e como sofrem, e ninguém as ouve!
Vivo de lixo em lixo, disputando uma sobra de qualquer coisa, pois até um pão adormecido ou sobras de quentinhas viram um banquete.
Perdi meus pais para a violência, minha casa foi queimada e, enfim, perdi tudo e fui obrigada a viver nas ruas da cidade grande, perambulando, onde é um campo sem lei e, com isto, aprendi a me virar sozinha, pintei o rosto de carvão e vesti-me como um menino para me livrar dos abusos sexuais da galera que toma conta do espaço. Até aqui tem o famoso Manda-Chuva.
Ah, este meu bloco, achei no lixo e deve ter sido dos filhos dos poderosos que descartam seus materiais escolares a cada final de ano. Desculpa eu estar escrevendo a lápis, mas foi o que eu encontrei.
Eu só queria que você soubesse que o que eu mais gostaria neste Natal é que surgisse alguém com um gesto solidário e me levasse para a sua casa, me deixasse tomar um banho, porque aqui, banho só quando o chafariz funciona em épocas de festa na cidade ou visita de algum chefe de estado; me desse uma roupa limpa, um tênis, mesmo velho, de um de seus filhos, uma sopa quente e uma caminha pra dormir aquecida decentemente.
Seria o melhor Natal de minha vida. E o maior presente dado pelo Senhor.
Feliz Natal pra você, Deus!
Ainda é cedo e tudo pode acontecer, e, quem sabe, Você me surpreende.