A fuga no ônibus

José Antonio Torres: Crônica ‘A fuga no ônibus’

José Antonio Torres
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Imagem criada por IA da Meta
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Seguindo com a saga de a Casa de Cômodos – como os casos reais já contados aqui: ‘O velhinho do terno’ e ‘O bêbado caloteiro’ – vez por outra aparecia um caloteiro. Uns criavam caso, outros apenas fugiam na calada da noite para não pagar o aluguel do quarto em que moravam. No caso que passo a relatar, esse fugiu no início da tarde.

A dona da casa de cômodos tinha o costume de tirar um cochilo depois do almoço. Isso a revitalizava. Poderia estar extremamente cansada, mas após o seu cochilo, acordava revigorada e bem-disposta.
Era uma rotina de muitos anos. Quando ela não conseguia tirar esse cochilo após o almoço, o dia ficava pesado, arrastado e cansativo.

Certo dia, final de mês, um dos inquilinos – que estava com o aluguel do quarto atrasado – resolveu sair sem pagar. Fez isso exatamente no início da tarde. Para seu azar, nesse dia a dona da casa de cômodos não estava dormindo, pois verificava as contas que precisava pagar, separando o dinheiro e verificando se já possuía o necessário.

De repente, ela percebeu, pela janela do quarto que dava para o quintal, a movimentação de alguém passando e viu que era o inquilino que estava com o aluguel atrasado. Ela achou estranho que, naquele horário, ele estivesse em casa e não trabalhando. Intrigada, ela levantou de onde estava, foi olhar e constatou que ele estava saindo com a mala na mão em direção ao portão. Com uma agilidade quase felina, foi atrás dele para tentar evitar o calote que se mostrava iminente.

Ele foi caminhando pela rua e ela, ao lado dele, dizendo em tom ríspido:

⁃ Ou você paga o que me deve ou eu vou te seguir até onde você for e vou te fazer passar vergonha.

Ele chegou a um ponto de ônibus. 0 ônibus chegou e ele entrou. Ela entrou também, atrás dele. Ele passou pela roleta após pagar a passagem – naquela época, os ônibus tinham, além do motorista, um trocador que recebia o valor da passagem, dava o troco e controlava a roleta para o passageiro passar – e o trocador travou a roleta para que ela pagasse a passagem. Ela alterou a voz e disse:

⁃ Quem vai pagar a minha passagem é esse safado que está fugindo sem pagar o aluguel do quarto em que morava na minha casa!

Todos no ônibus olharam para o caloteiro. Ele se voltou e pagou a passagem dela.

O ônibus seguiu pela Avenida Brasil – quem mora no Rio de Janeiro sabe da extensão dessa via, que liga vários bairros – e ela continuou falando bem alto:

– Aonde você for, eu vou, até você tomar vergonha na cara e pagar o que me deve.

0 ônibus continuou em seu trajeto. Ele, já demonstrando profundo desconforto com a situação, sentindo os olhares dos passageiros cravados nele e o burburinho das conversas criticando-o, meteu a mão no bolso, contou o dinheiro, virou-se para ela e pagou a dívida. Ela tocou a campainha para saltar e o motorista disse que só no próximo ponto, mas que ainda estava distante.

Finalmente, ela saltou do ônibus. Não tinha a menor noção de onde estava. Perguntou como fazer para retornar ao bairro em que morava. Alguém a orientou que precisaria atravessar as pistas para o outro lado e pegar o mesmo ônibus em que veio até ali, só que no sentido contrário, ou então, alguns outros que indicou. Assim ela fez e retornou para a sua residência.

Após passada a situação e ainda nervosa com a atitude impensada que tomou, caiu em si e percebeu que poderiam ter acontecido coisas muito perigosas com ela. Prometeu a si mesma que jamais repetiria o feito.

José Antonio Torres

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O bêbado caloteiro

José Antonio Torres: ‘O bêbado caloteiro’

José Antonio Torres
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Na mesma casa de cômodos onde ocorreu o caso do Velhinho do Terno – já publicado aqui no ROL – muitos casos aconteceram. Este é apenas mais um. Quando aconteceu este caso, lá pelos idos da década de 1960, a dona da casa de cômodos, uma portuguesa viúva, com o filho ainda criança, administrava tudo com muita competência e determinação. Ela não permitia que os inquilinos levassem mulheres para os quartos. Todos os inquilinos eram homens.

Certa vez, um dos inquilinos, que possuía aproximadamente 1,90 m – tão forte que mais parecia um fisiculturista – e que trabalhava em uma transportadora próxima, deixou de pagar o aluguel do quarto. Criou caso, discutiu, mas a dona não se intimidou. Ela foi até a transportadora e pediu para falar com o responsável. Foi conduzida até a presença do dono da empresa e contou o que estava acontecendo. Disse que o funcionário não pagou o aluguel e estava criando confusão. O dono da empresa disse-lhe que pagaria o aluguel e descontaria no salário do funcionário. Disse mais, que se ele não pagasse regularmente o aluguel, que voltasse à empresa e falasse com ele. Ela não teria prejuízo.

Mais tranquila, voltou para casa e continuou com seus afazeres. Eram outros tempos. Hoje em dia, ela não teria recebido essa atenção. Seria completamente ignorada. No início do mês seguinte, quando o aluguel deveria ser pago, ela foi ao inquilino criador de caso para cobrar. Encontrou-o muito bêbado e alterado, dizendo que não pagaria o aluguel e que, se ela fosse à empresa reclamar, iria dar-lhe uma surra. A dona, então, chamou a Polícia Militar.

Uma viatura com dois policiais dirigiu-se à casa de cômodos. Ao chegarem, a dona explicou-lhes tudo que estava ocorrendo. O filhinho da dona, assustado com a agressividade do inquilino bêbado e encrenqueiro, disse aos policiais que ele queria bater na mãe dele. Os policiais dirigiram-se até o quarto do inquilino caloteiro e ordenaram que ele pagasse o que devia. Ele, muito bêbado, olhos tão avermelhados que parecia que tinha pingado groselha em lugar de colírio, se exaltou e os policiais disseram-lhe que iriam levá-lo para a Delegacia. Ele, então, pegou o dinheiro do aluguel no bolso e atirou as notas ao chão.

Os policiais subiram o tom e ordenaram que ele catasse nota por nota e entregasse o dinheiro nas mãos da senhora. Ele assim o fez. A dona, temerosa do que ele pudesse fazer posteriormente, já que a ameaçara de agressão, disse aos policiais que não se sentia segura e que não o queria mais morando ali. Os policiais, nesse momento, ordenaram que ele arrumasse os seus pertences e deixasse a casa. Ele, resmungando e tropeçando nas próprias pernas, obedeceu e foi embora.

Mais um sufoco passado pela dona da casa de cômodos.

José Antonio Torres

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