Pés descalços

Ivete Rosa de Souza: Crônica ‘Pés descalços’

Ivete Rosa de Souza
Ivete Rosa de Souza
Criador de Imagens no Bing. 5 de outubro de 2024, às 11:45 PM

Em minhas mais doces memórias, ainda me vejo correndo descalça. Brincava na rua até à noite, com meus irmãos, sem preocupações, sem que meus pais temessem algum perigo, só adentrava a casa somente quando minha mãe chamava,  mas meus pais não saiam à rua para nos impedir de ser crianças.

Muitas vezes descuidada na empolgação da correria, feri meus pés em espinhos, pequenos cacos de vidro. Simplesmente sentava-me  no chão, retirava o espinho e saia a correr, sem sentir dor.

Ainda tenho algumas cicatrizes dos cortes em  cacos de vidro. E me recordo dos sustos de minha mãe, quando era necessário ir ao pronto socorro, tirar um pedaço de vidro que teimosamente incrustrado, não querendo sair. Doía, mas me segurava, afinal a dor passaria, enquanto fazia esforço para não chorar, minha mãe se apiedava, e eu não levaria umas chineladas.

No dia seguinte, lá estava eu novamente, abandonando os chinelos ou tênis, largados na calçada. A liberdade de ter os pés libertos, sentindo a grama, a terra até mesmo o asfalto quente. Tudo valia a pena, o riso, as brincadeiras, a correria, eram  recompensados com o esquecimento desses pequenos acidentes.

Depois de crescida, tomei modos como diria minha mãe, e só andava descalça na areia, quando ia à praia, sentido as ondas molhando os pés sedentos de liberdade. Adorava ver as águas imensas apagando minhas pegadas.

Adulta, calcei meus filhos, preocupando-me que pudessem ferir seus pés. Chinelos, sapatos, tênis, tudo para proteger meus rebentos.

Já não tinham a liberdade ilimitada de outros tempos; brincar na rua, só com a supervisão dos pais. Ficar na rua até tarde noite adentro, nem pensar! Nesses novos dias, com a insegurança instaurada em todos os lugares, não tinha jeito.

Infelizmente os tempos mudaram, a inocência da infância, dos que têm mais de 50 anos, ficou no passado.

Atualmente, pés descalços são sinônimos de pobreza, são marcas dos desprovidos, dos indigentes, ou dos inocentes que ainda tentam dar os primeiros passos. Não é mais legado de liberdade da infância , de banhos de chuva, corridas na enxurrada, uma liberdade descontraída e privilegiada.

Agora tenho sapatos demais, que me levam a tantos lugares, mas eles nunca me levarão aonde fui quando tinha os meus pés descalços…

Ivete Rosa de Souza

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Marcas de outrora

Paulo Siuves: Poema ‘Marcas de outrora’

Paulo Siuves
Paulo Siuves
"Cicatrizes rasas, tatuagens da alma, mapas de viagens por terras revoltas"
“Cicatrizes rasas, tatuagens da alma, mapas de viagens por terras revoltas
Microsoft Bing – Criador de imagens do designer

Cicatrizes rasas, tatuagens da alma,

Mapas de viagens por terras revoltas.

Marcas que contam momentos errantes,

De batalhas vencidas, de dias passados.

Às vezes, como feridas abertas,

Sangram com o esbarrão da vida incerta.

Cicatrizes rasas, em silêncio profundo,

Segredos na sombra que a mente revela.

Um esbarrão causa tanta dor,

Sangram e doem, sofremos sozinhos.

Sem testemunhas das jornadas vividas,

Das lágrimas, das risadas disfarçadas.

Hoje, não machucam como outrora,

Mas ainda, em alguns momentos, sangram.

São recordações esculpidas a ferro e fogo,

Marcas da vida, um jogo, um livro, uma cura.

Paulo Siuves 

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