Submundo do Rio de Janeiro nos anos 1990 ganha espaço em livro de Felipe Benício
“Bas Fond – Um conto urbano e suburbano” expõe a violência oculta da cidade em uma emocionante narrativa
A cidade que já foi maravilhosa e, por conta da violência diária, perde aos poucos o brilho é o palco para a trama policial do jornalista e escritor Felipe Benício.
“Bas Fond – Um conto urbano e suburbano” traz à tona uma realidade carioca que só alguns vivenciam, mas que choca quando ganha os holofotes através da denúncia de um jornalista.
Publicado pela editora Ases da Literatura, a ficção que temos traz ainda cenários como o Pará e a distante Europa.
No centro da trama temos o protagonista Mário Mariano, um jornalista recém-formado que, sem muitas oportunidades, aceita um trabalho como repórter em um jornal em vias de falir.
Durante os primeiros dias no novo emprego, publica uma matéria exclusiva sobre uma prostituta vítima de abuso sexual.
Mas, com as atualizações do caso, o inexperiente repórter vai descobrir o envolvimento de nomes importantes da política e da polícia da região, ao passo que expõe as desigualdades sociais e de poder na capital.
Não se sabe ainda se o assassinato de Carla Ramos tem ligação direta com as denúncias feitas pela jovem ao Primeira Impressão sobre o esquema de prostituição que funcionaria na sala onde foi agredida. O jornal não conseguiu contato com o delegado Levy da Costa e o detetive Jeferson da Rosa. A mulher conhecida como Maria do Desterro, que seria a gerente da sala onde Carla atendia, também não foi localizada.
(Bas Fond – Um conto urbano e suburbano, pg. 121)
“Bas Fond – Um conto urbano e suburbano” tem bases criadas sobre as vivências do autor que começou a carreira como repórter no jornalismo policial.
A partir do contato direto com o ofício, o autor traça um panorama histórico do jornalismo do nosso país.
A trama conta com detalhes descritivos e perfeitamente ambientados do Rio de Janeiro do final do século XX onde mesmo aqueles que nunca conheceram a cidade são capazes de, por exemplo, caminhar junto com os personagens pelo Catete, bairro que, no passado, sediou o palácio da Presidência da República.
Felipe Benício cria pontes para que o leitor possa viajar do Rio da década de 1990 até a alta sociedade de Belém (PA) nos anos 1960. Em um texto dinâmico e que conquista logos nas primeiras linhas, é fácil entender porque a trajetória de Mário Mariano não terá fim em Bas Fond “Novos livros darão continuidade ao percurso profissional do jornalista, que se conectará a outros momentos-chave da história brasileira”, promete o autor.
SOBRE O AUTOR
Jornalista com especialização em Comunicação Corporativa pela ESPM-Rio, Felipe Benício atualmente é responsável pela área de relacionamento com a mídia da Vibra Energia.
Durante a carreira, trabalhou como repórter de vários veículos de comunicação, como Última Hora, Rádio Manchete e Bloch Editores – que serviram de inspiração para a publicação do primeiro livro “Bas Fond – Um conto urbano e suburbano”.
É fluminense, nascido na capital do Rio de Janeiro.
Sergio Diniz da Costa: Conto ‘Em busca do meu Natal’
“A primeira impressão que tive foi de que se tratava de uma criança de rua, abandonada. E, em assim o sendo, tudo daquela vitrine e do interior da loja representava-lhe tão somente sonhos.”
A vitrine e o interior da grande loja da esquina estavam totalmente tomados pela decoração de Natal.
Um Papai Noel mecânico, tamanho adulto, postado na entrada da loja, tocava as músicas tradicionais de Natal, atraindo, assim, os transeuntes.
No interior da loja, uma enorme variedade de brinquedos, a maioria aparentando alta tecnologia, deslumbrava os olhos das crianças… e preocupava os bolsos dos adultos!
Do lado de fora da loja, eu observava, um tanto quanto alheio, a disputa pelos presentes da moda. E ali eu estava, a princípio, para comprar alguma lembrança para familiares, parentes e amigos.
De repente, algo me chamou a atenção; ou melhor, alguém! Ao meu lado, somente então observei que uma criança também olhava a vitrine e o interior da loja.
Era um menino, magrinho, aparentando ter entre 7 a 9 anos de idade. Estava descalço e vestia uma camisa já desbotada e um calção surrado.
A primeira impressão que tive foi de que se tratava de uma criança de rua, abandonada. E, em assim o sendo, tudo daquela vitrine e do interior da loja representava-lhe tão somente sonhos.
Todavia, ainda que aparentando ter consciência disso, o menino se deleitava, apenas pelo contemplar do grande Papai Noel, dos brinquedos, dos enfeites e das luzes natalinas.
Aquela imagem gerou-me uma mistura indefinida de sentimentos. E, num primeiro momento, lembrei-me que um dos meus propósitos dos finais de ano ─ até esse momento nunca realizados ─ era escolher uma daquelas cartinhas que as crianças pobres colocam nos correios, na esperança de ganharem presentes, e os pais, uma ceia de Natal.
Vi, naquele instante, naquele garotinho, a oportunidade real de reconciliação com minha consciência.
Entusiasmado, e sem pensar nos gastos, antes mesmo de procurar saber seu nome, perguntei-lhe qual dos brinquedos da loja ele gostaria de ganhar.
Ele olhou-me com um olhar de grata surpresa e, sem titubear, apontando para um canto da loja, respondeu:
─ Aquele ali, o autorama!
─ Autorama? ─ perguntei-lhe, meio que contendo uma risada.
─ Sim, o autorama ─ ele insistiu, convicto.
A minha surpresa e a minha risada tinham razão de ser, pois esse brinquedo, pelo menos na época da minha infância, era um dos brinquedos que toda criança sonhava ganhar. E, naqueles moldes, deixou de ser fabricado há muito tempo.
─ Mas, filhinho, eu não estou vendo esse brinquedo naquele canto. E não estou vendo, porque ele não existe mais. Ele não é mais fabricado. Você tem certeza de que ele está lá?
─ Tenho, tio! Olha lá os carrinhos correndo…
─ Filho, você não prefere outro brinquedo?
─ Não, tio! Eu morro de vontade de ter um autorama!
A insistência dele despedaçou meu coração e, ao mesmo tempo, me deixou preocupado. Comecei a pensar que ele poderia ter algum problema mental. E, diante desta hipótese, tentei desviar o rumo da conversa.
─ Como é o seu nome, filhinho?
Ele me olhou como se não tivesse ouvido a pergunta. E, sem insistir nela, fiz outras tantas:
─ Qual é a sua idade? Onde você mora? Onde estão seus pais? Você está na escola?
Não obtive nenhuma resposta a elas, porém.
Diante desse silêncio, olhei novamente pra dentro da loja, procurando por algum brinquedo do qual, talvez, ele pudesse gostar.
Ao me deparar com um, com o qual apostei como um substituto, decidi-me por oferecê-lo à minha enigmática criança. O menino, todavia, já não estava mais ao meu lado. Ele estava virando a esquina. E, ao completar a curva, desapareceu da minha vista. E, num primeiro momento, para sempre da minha vida!
Aquela partida repentina deixou-me perplexo, desorientado, angustiado…
E somente naquele momento dei-me conta de que, quando menino, eu também desejava, ardentemente, ter um autorama. Entretanto, assim como outros tantos brinquedos, nunca o tive!
E também percebi, somente naquele momento, e agora mais claramente, que nem o Papai Noel tocando as músicas natalinas, nem a grande árvore de Natal toda decorada, nem os brinquedos, nem os enfeites e nem as luzes natalinas exerciam mais em mim o mesmo efeito de outrora.
Eu me tornara adulto e já entrando na terceira idade. E as muitas perdas, de coisas e de pessoas pela vida afora, levaram consigo, também, o encanto do Natal.
Olhei novamente para a esquina, tentando, mais uma vez, encontrar o garotinho. Mas, ele se fora, definitivamente. E, com ele, em seguida, eu também. Em busca do meu Natal… do meu Natal-menino!
Resenha do conto “Suicidas”, de Fernanda Sanson Durand.
RESENHA
Um conto policial que irá te prender do início ao fim.
Na cidade de Vera Cruz, pacata e monótona, de repente começa a ter acontecimentos super estranhos.
Algumas mortes sem explicação estão intrigando o delegado e sua nova assistente.
Mas um fato fará com que a trama fique mais complexa.
Duvido que você descubra o que acontece em Vera Cruz antes do final do conto.
Se descobrir, me conta!!
Assista à resenha do canal @oqueli no Youtube
SINOPSE
Em uma cidade que é puro marasmo, acontecem três suicídios em sequência.
As investigações levam a um homem sinistro, contra quem há todas as suspeitas, mas nenhuma prova.
Neste conto policial, você vai atiçar seus instintos investigativos e tentar descobrir o porquê dos SUICIDAS.
SOBRE A OBRA
Fernanda nos conta que este conto foi escrito para participar de uma antologia que acabou não vingando.
Sendo assim, ela engavetou o conto e o deixou hibernando por dois anos.
Mas ela decidiu que já chegara a hora deste conto ganhar vida por si só e não em uma antologia.
Escrevo sempre pensando no caminho “do personagem para dentro”, nas inúmeras camadas a serem percorridas em busca da essência humana. Uma eterna inspiração no “Conhece-te a ti mesmo” socrático.
Fernanda Sanson Durand
SOBRE A AUTORA
Fernanda Aparecida Sanson Durand, 47 anos, paulista de Santa Cruz do Rio Pardo.
Já morou em várias cidades, e hoje está morando em Santos – SP.
Advogada, servidora pública junto à Advocacia Geral da União.
Tem como hobby o estudo da Filosofia à maneira clássica e escreve ficção com viés psicológico/filosófico.
Suas obras:
Romances:
2021 – O ESPELHO DE JOSÉ ;
2023 – EU, MINHA MÃE E O FUSCA (ebook) Contos:
2022 – conto A TÍPICA;
2023 A CASA DA VIÚVA, A TALENTOSA ESTILISTA e SUICIDAS (ebook)
Quando João Cheio de Razão chegou para morar na rua Santa Paciência, mostrou-se uma pessoa de boa convivência; mas, com o passar do tempo revelou-se um confuseiro, obstinado. Logo na primeira semana da chegada ele encrencou com a gata da vizinha que, toda tarde, invadia o quintal dele para tentar comer o passarinho engaiolado. Depois arranjou confusão com o vizinho da frente por causa do cachorro que mijava no pneu do carro dele; mas, o borogodó maior aconteceu quando o revoltado resolveu encrencar com Tiririca, o galo de estimação do senhor Antônio Boa Gente.
Tiririca, que era o xodó do aposentado, comia na mão do dono, e tinha uma cama box, especialmente, feita para ele que embora fosse uma criatura mansa e carinhosa, não sabia ficar calado. Toda madrugada, perto das quatro da manhã, o esperto galo pulava da cama para o pé de jaca e cucuritava escandalosamente.
O recém-chegado, estressado, foi reclamar do canto do galo para o vizinho.
— O senhor, por favor, faça seu galo se calar a noite; porque se esse desaforado continuar me acordando pelas madrugadas, eu não respondo por mim. — disse o antigalo, ameaçador.
— Seu João que mal o meu galo lhe fez? — perguntou o homem de boa paz.
— Ele está perturbando o meu sossego. Quando começo a pegar no sono esse filho de uma égua, da boca frouxa, me acorda com uma cantoria desafinada. — disse o homem, irritado.
— O senhor me desculpe, mas o que posso fazer se desde que o mundo é mundo, o galo canta?
— Se o galo canta desde que o mundo nasceu, isso não é problema meu. A questão é: ou o senhor cala a boca do seu galo para que eu possa dormir sossegado, ou…
— Ou, o quê? Seu João, sou da paz até a página dois. Se o senhor mexer com o meu Tiririca, o céu vai fechar na sua cabeça. Se não quiser ouvir barulho dos outros, que compre um tampão para os ouvidos; ou, então, se mude para o deserto. Não vou impedir meu galo de cantar só porque o senhor não gosta de música raiz. — disse o apaixonado pelo canto galesco.
O vizinho enfezadãovirou a cara e saiu bravo, xingando até os Anjos.
Tiririca, sem saber da confusão, continuou animado cantando pelas madrugadas até seu dono receber uma citação para comparecer à Justiça.
No dia da audiência o que era para ser uma boa discussão jurídica entre os dois operadores do direito, foi uma comédia.
O primeiro a falar foi o advogado do encrenqueiro.
— João Cheio de Razão vem à presença de Vossa Excelência promover a competente Ação Cominatória por perturbação do sossego c/c indenização por Danos Morais em face do senhor Antônio Boa Gente. Excelência, o Autor, desde que se mudou para a rua da Santa Paciência não tem tido um sono tranquilo e seu merecido descanso porque, todos os dias, por volta das quatro da manhã, o galo do réu começa a cantar.
Em seguida falou o advogado do réu.
— Excelência, é lamentável que a Justiça, já tão sobrecarregada, seja onerada, ainda mais, com essa ação sem fundamento.
— Como sem fundamento, nobre colega? Se a Justiça é para reparar o direito de quem o tem, por que não a procurar?
— De fato, a Justiça é o caminho legal para se reparar direitos; todavia, em que pese os argumentos do nobre colega podemos constatar, no caso em tela, flagrante desrespeito ao direito alheio, uma vez que o meu cliente foi citado como réu injustamente. Posto isto, venho requerer a este juízo a extinção do processo por carência da ação…
— Como, assim, carência da ação? — perguntou o recém-formado, atordoado.
— Doutor, nos autos, não consta nenhum documento que prove que o meu cliente participou, direta ou indiretamente, da relação jurídica alegada; impondo-se, portanto, a competente extinção do processo por ilegitimidade passiva ad causam. — disse o experiente advogado defendendo seu cliente com a firmeza de uma navalha afiada.
— Como ele não pode ser réu da ação se é dono do galo? — perguntou advogado, se agitando
— Aí é que está o ponto ‘X’ da questão, nobre colega. Por acaso o senhor tem algum documento que comprove que o meu cliente é dono do galináceo?
— Não; mas todos os vizinhos sabem que o galo é dele.
— Nobre colega, com o devido respeito, o senhor já deve ter ouvido falar que, no direito, ‘saber não é provar’. Se no processo não há prova de que meu cliente cantou pela madrugada, estimulou o Tiririca cantar, ou é dono do galo, inexiste legalidade para tratá-lo como réu. — disse o brilhante advogado para o recém-formado que ficou com cara de quem perdeu a oportunidade de ficar em casa.
— Excelência — continuou o advogado do réu — tendo em vista a inexistência de prova da responsabilidade do meu cliente no fato alegado, impõe-se, imperioso, a extinção do processo para fazer cessar a flagrante injustiça praticada contra o senhor Antônio Boa Gente que foi acusado injustamente.
— Injustamente, não. Ele só foi citado como Réu por causa do galo dele.
— O nobre colega tem algum documento que demonstre que o meu cliente é proprietário do galo?
— Não. — disse o advogado, meio desenxabido.
— Então, resta inegável que a ação promovida pelo seu cliente contra o senhor Antônio Boa Gente configura uma grande injustiça tendo em vista que ela se amparou numa falsa acusação.
— Falsa acusação, não; se o galo mora no quintal dele o que isso significa? — perguntou o advogado, assustado com o rumo da ação.
— Significa que o meu cliente é amante da natureza e tolerante com os galos que aparecem no quintal dele.
— Isso não tem lógica. — disse o novato advogado, tentando processar a informação.
— O que não tem lógica é o caro colega gastar o tempo da Justiça com uma ação sem fundamento. Uma curiosidade: o nobre colega saberia dizer se o galo Tiririca vive solto ou preso? — perguntou o experiente doutor Júlio, que também criava galos em sua fazenda.
— Solto, soltíssimo. Passei um dia vigiando o galo e percebi que ele é muito agitado. Uma hora ele se aboletou no pé da jaca, logo em seguida pulou no braço da mangueira, e, depois foi se sentar na goiabeira. Não há dúvida que ele é um galo de temperamento forte.
— O senhor está querendo dizer que o meu cliente não consegue dominar o galo?
— Exatamente, isso, doutor! A razão de estarmos hoje, aqui, é justamente pelo fato de seu cliente não ter controle sobre o galo. — disse o advogado se animando para perder a causa.
Doutor Júlio, sorrindo da inexperiência do advogado, disse:
— Excelência, com o devido respeito legal, a insensatez jurídica do nobre colega se revelou preocupante. Como o senhor pode ouvir da própria boca do advogado da parte contrária, o galo Tiririca é um rebelde sem causa que vive aprontando suas galicessem que ninguém possa dominá-lo.
— Ah! Isso é verdade. — reiterou, fervorosamente, o advogado abobado.
— Excelência, data máxima vênia, uma vez que o próprio advogado do autor declarou, em juízo, que o galo Tiririca é um indomável e que ninguém tem domínio sobre as vontades dele, resta inegável a flagrante injustiça contra o meu cliente que foi citado como réu, numa ação sem pé e sem rabo.
— O senhor está dizendo que seu cliente não é responsável pelo galo?
— O senhor acabou de dizer para esse juízo que Tiririca vive solto pelo quintal. Se o galo vive livre para ir e vir, como o senhor acabou de afirmar, o meu cliente não poderá ser responsabilizado pelos atos de um galo que só faz o que quer.
O Juiz não se aguentou, sorriu.
— Isso não tem lógica. — retrucou o advogado, confuso.
— O que não tem lógica é o nobre colega imputar falso crime ao meu cliente.
— Isso é um absurdo!
— Absurdo, não, doutor; é a realidade jurídica. Permitir que um galo permaneça livre em seu quintal não significa que você é o dono dele.
— Se o seu cliente não é o responsável pelo canto do galo, então, quem é? —
O Juiz parou de escrever para prestar atenção nos dois.
— Deus.
— Deus? — perguntou o advogado, perdido.
— Exatamente; mas, se o senhor me permitir um conselho, melhor não o contestar. Se Ele criou o galo para cantar, porque seu cliente vai-lhe querer calar?
O jovem advogado perdeu a argumentação e o processo que foi extinto por ilegitimidade passiva ad causam.
Seu Antônio Boa Gente deixou a audiência comemorando cada centavo que pagou para o advogado; e, seu vizinho, João Cheio de Razão, voltou para casa sem razão, e, com custas para pagar.
O galo Tiririca, para provocar o vizinho, passou a cantar duas vezes pela madrugada.
Sergio Diniz da Costa: Conto ‘O menino que brincava nas nuvens’
Meu compromisso, no centro da cidade, era às 17h. Resolvi chegar às 16h e sentei-me num dos bancos da praça central de uma das maiores cidades do Interior do Estado de São Paulo, com 361 anos de fundação e uma população de aproximadamente 640 mil habitantes, que o tempo, a Administração Pública e os empresários e artistas transformaram-na numa bela e progressista cidade.
Com a maioria de suas ruas asfaltadas, prédios em construção pululando por todos os cantos, comércio pujante, com uma miríade de empresas e pessoas físicas prestadoras de serviços e uma significativa frota de veículos circulando diariamente, reflete bem uma cidade moderna, porém com toda sorte de problemas, incluindo a violência, sempre aumentando, como o são os grandes centros urbanos.
Assim eu mergulhava em meus pensamentos enquanto, aparentemente ao acaso, abri em uma das páginas do livro de poemas que trouxera, a fim de aguardar o horário do meu compromisso. No alto da página, o título: “Eu Sou Aquele Menino”, do poeta brasileiro Paulo Bomfim, membro da Academia Paulista de Letras e conhecido como “O Príncipe dos Poetas Brasileiros”. Eu já o conhecia e ele se tornara um dos meus preferidos, quando então estudante do ensino médio, tive a oportunidade de assistir a uma palestra desse grande poeta.
Grato pelo “acaso”, e já um tanto quanto absorto, comecei a ler os versos, em meia voz:
“Eu sou aquele menino/ Que o tempo foi devorando,/ Travessura entardecida,/ Pés inquietos silenciando/ Na rotina dos sapatos,/ Mãos afagando lembranças,/ Olhos fitos no horizonte/ À espera de outras manhãs/…”
─ Ei, moço, tá falando sozinho?
Assustado, interrompi a leitura. Um garotinho de camisa branca, short marrom e descalço, aparentando cinco anos de idade, me olhava, com uma mão segurando os dedos da outra e com uma expressão interrogativa.
─ Ah, não, eu estava declamando um poema em voz alta. Apenas isso ─ respondi, um tanto quanto encabulado e, certamente, corado, uma vez que, em termos de comportamento, sou do tipo sanguíneo.
─ Poema? O que é um poema? ─ mais uma vez ele me questionou.
A pergunta me pegou de surpresa. Em primeiro lugar, por ter vindo de uma criança com tão pouca idade. Depois, porque, apesar de eu ser um escritor e poeta ─ meu compromisso era com um novo amigo que me pedira ajuda para publicar um livro ─, senti-me sem didática suficiente para explicar algo que, para mim, era tão simples.
─ Poema é um… é um…. Travei! De repente, olhando para dentro de mim mesmo parecia que toda a teoria desse gênero literário sumira da minha memória, apesar de tão bem guardada que estava (assim eu pensava) no meu cérebro, na gaveta ‘Poemas’.
“E agora, José?” ─ pensei rapidamente com meus botões, lembrando o famoso poema do inesquecível poeta mineiro Drummond de Andrade.
Ainda imerso em pensamentos confusos, e sem a resposta esperada, quase que respondi a ele, como respondeu Drummond, no mesmo poema: “… A festa acabou/ a luz apagou,/ o povo sumiu,/ a noite esfriou…”.
Na verdade, em me sentindo o mesmo José de Drummond, percebi que aquele garotinho tinha-me colocado contra a parede. E, de repente, não mais que de repente (Drummond, sempre Drummond…), essa sensação me trouxe certa irritação, pois, afinal de contas, aquele filhote de homem colocara em xeque um adulto estudado, um escritor, um intelectual, e a primeira vontade que tive foi de mandar aquele pingo de gente procurar seus pais. “Aliás, onde estavam os pais dele?” ─ perguntei a mim mesmo.
Antes de responder a ele, perguntei-lhe:
─ Como é o seu nome, meu filho?
─ Tato! ─ ele respondeu com certo orgulho no olhar.
─ Tato?! ─ exclamei, agradavelmente surpreso, pois esse também era o meu apelido de infância. E, a partir daquele momento, senti um carinho e admiração especiais por aquele menino questionador.
─ Quantos anos você tem, meu jovem curioso?
Ele me apontou uma das mãos aberta e respondeu:
─ Assim, ó!
Entendi que ele queria dizer 5 anos e somente naquele momento me chamou a atenção algo em seu rosto: uma cicatriz!
Aquela constatação, aliada à idade dele, me causou uma estranhíssima sensação, uma sensação de déjà vu, uma vez que eu, na mesma idade dele, fui vítima de um acidente caseiro que me custou uma cicatriz ─ e no mesmo lado do rosto que a dele! ─, fato esse que me transformou num menino e adolescente tímido e complexado.
Essa constatação me trouxe um sentimento de profunda simpatia e solidariedade por aquele garotinho. E lágrimas abundantes, também.
Senti uma vontade irreprimível de abraçá-lo, de pegá-lo em meu colo, de fazer milhares de perguntas sobre sua vida…
E levantei-me, a fim de fazer isso. Todavia, algo ainda mais estranho aconteceu: aquela figura simplesmente desapareceu da minha visão!
Estupefato, deixei-me cair sentado no banco, mergulhado num turbilhão de perguntas sem respostas. E, num primeiro momento, senti vontade de sair correndo, correndo daquela praça, sem nenhum destino, à espera, talvez, de que o vento no meu rosto decifrasse as dúvidas.
Entretanto, o adulto que me tornei falou mais alto e, respirando calma e profundamente, tentei me recompor e, como se nada tivesse acontecido, meio que automaticamente, continuei a leitura, agora em voz alta, do poema iniciado:
“─ Ai paletós, ai gravatas,/ Ai cansadas cerimônias,/ Ai rituais de espera-morte!/ Quem me devolve o menino/ Sem estes passos solenes,/ Sem pensamentos grisalhos,/ Sem o sorriso cansado! Que varandas me convidam/ A ser criança de novo,/ Que mulheres, só meninas,/ Me tentam cabular/ As aulas do dia a dia?/ Eu sou aquele menino/ Que cresceu por distração.”
Mal terminando a leitura, senti que meus olhos já não focavam mais o ambiente em que me encontrava; um estado de devaneio começou a tomar-me o corpo, a mente e o espírito. Já não conseguia mais sentir o próprio corpo e o som ambiente: uma mistura de buzinas, música de publicidade e vozes, destacando-se a de um evangélico que pregava como um João Batista no deserto. Tudo começava a diminuir de intensidade.
Os ponteiros do relógio giraram no sentido anti-horário. Os segundos, os minutos, as horas, os dias, os meses, os anos escoaram numa velocidade vertiginosa, como se aquela ampulheta imaginária fosse a Máquina do Tempo, da fantástica história de H.G. Wells. E, de repente parando, à minha frente uma folhinha pendurada na parede apontou o ano: 1965. Cinquenta anos se passaram, numa volta ao passado!
Estamos numa tarde de verão de uma Sorocaba de meio século atrás, com uma população cujo censo de 1960 apontava uma população de 138.323 habitantes.
Há cinquenta anos, a cidade tropeira já se destacava na região pelo número de habitantes, mas, apesar disso, ainda era uma típica cidade do Interior, com muitas áreas verdes (e mato), ruas de paralelepípedos e de terra onde, nestas, a criançada fazia buracos no chão pra brincar de bolinha de gude ou de cachuleta, ou, ainda, de pega-pega, unha na mula e outras brincadeiras que o Tempo levou consigo para as Páginas da Memória.
Era uma época em que os ponteiros do relógio pareciam caminhar a passos lentos e os dias escoavam como a própria eternidade.
Começo a caminhar por uma das ruas, sentindo-me como um espectro, um fantasma semelhante a Ebenezer Scrooge, o velho avarento de ‘Um Conto de Natal’, célebre história do escritor inglês Charles Dickens.
Aquela rua me desperta uma emoção há muito tempo não sentida. Uma saudade dolorida de um tempo em que, nos bairros, principalmente os mais pobres, os vizinhos mantinham uma relação de amizade muito próxima.
Pouquíssimas casas tinham televisores ─ em preto e branco ─, o que levava os vizinhos que os tinham a abrir a casa para os que não desfrutavam desse privilégio.
Nas festas mais importantes do ano, como o Natal, todas as portas se mantinham abertas para um intercâmbio de frutas natalinas e de quitutes, conforme a especialidade de cada vizinho.
Caminho absorto, à procura de pessoas queridas, porém, apenas ouvindo ecos do passado.
É um final de uma tarde de verão e, no mesmo lugar de sempre, deparo-me com o menino que um dia eu fui. Um menino de 5 anos de idade, com um corte de cabelo tipo ‘americano’, de camisa branca (já um tanto surrada), de calção e descalço, sentadinho no degrau de uma casa.
A rua, àquela hora, já se mostrava praticamente vazia. Ele era a única criança fora de casa.
Os vizinhos já conheciam o garoto e sua inclinação contemplativa e já não mais estranhavam aquela figura miúda, magrinha que, de vez em quando, mergulhado em pensamentos, saboreava um pedaço de pão seco.
Um passante mais atento talvez observasse que ele, naquele momento eterno, olhava apenas para cima. E um ou outro até perguntava o que ele estava fazendo. E, para quem perguntasse, a resposta era sempre a mesma: olhando as nuvens!
Para os adultos, em particular as mulheres, olhar as nuvens parecia coisa própria de quem quer verificar o tempo, para poder secar roupas no varal. Ou de meteorologistas, antes de consultar seus gráficos.
Para aquele menino, todavia, as nuvens tinham outro significado. Principalmente as do tipo ‘cumulus’, que são aquelas de contornos nítidos, com base aplainada e bem definidas, formadas em baixas altitudes e que, sob a ótica dele lembravam montanhas, castelos e animais.
Para aquele menino sonhador, de um tempo de infância interiorana, de horas lentas, ruas de terra ou de paralelepípedos e de poucos carros, aquelas nuvens representavam um enorme Parque de Diversões. E seu desejo era, um dia, alcançar o topo daqueles algodões branquíssimos que, para ele, tinham consistência e poderiam, dessa forma, ser escalados.
Seu sonho, no entanto, tinha um obstáculo intransponível: como chegar até elas? E os dias passavam, as tardes se faziam noite e, nos outros dias, pelo verão afora, lá estava aquele pequeno ‘filósofo da natureza’, à espera de um foguete imaginário ou mesmo um Pegasus que o levaria, literalmente, ‘às nuvens’.
Se os vizinhos em geral já não estranhavam aquele devaneio diário, um ou outro o interpelava, zombando dele ou apenas a título de curiosidade:
─ Tato, mas por que tanto você olha paras as nuvens?
E a mesma resposta já estava na ponta da língua:
─ Por que eu gosto, ué!
─ E por que você gosta tanto assim de ver as nuvens?
Aquela pergunta parecia exercer um efeito mágico no espírito do menino e ele, feito um adulto, um cientista ou, mais precisamente, um poeta, respondia, entusiasmado:
─ Tá vendo aquela ali? ─ E, apontando para uma não muito arredondada, a definia:
─ Aquela parece um cachorro.
─ E aquela outra, bem grande, no meio do céu? Aquela é a que eu mais gosto. Ela parece assim como se fosse um monte de travesseiros, um em cima do outro, formando uma montanha. Eu morro de vontade de subir e de brincar nela!
Os adultos sorriam diante daquelas palavras, para eles tão destituídas de realidade. E, despedindo-se do menino, certamente pensavam: “Criança tem tanta imaginação!”
E o menino ali continuava, qual uma sentinela. E, naqueles poucos e fugidios momentos, como num filme projetado em alta velocidade, o vi crescendo; crescendo e continuando a querer brincar nas nuvens.
Mas, assim como as nuvens se desmancham, sopradas pelo vento, aquele menino foi se desfazendo à minha frente e, com ele, as casas, a rua toda… e a minha infância, também!
Uma sirene ecoou estridentemente no ar e meu coração disparou. Abri meus olhos e, assustado e decepcionado, percebi que estivera sonhando. Estava na mesma praça onde ouvia as mesmas buzinas, a mesma música de publicidade e as mesmas vozes, num ruído que parecia ensurdecedor.
Consultei o meu relógio: marcava 16h15. Praticamente o mesmo horário em que conversava com o menino.
Com um sentimento de tristeza a apertar meu peito, não senti vontade de continuar a leitura dos poemas. E, menos ainda, de me levantar do banco.
Contudo, logo mais teria que cumprir o compromisso assumido.
Num esforço redobrado, reuni forças e levantei-me, ainda visivelmente contrariado.
Naquele momento um homem passou por mim carregando um espelho grande. Olhei para ele e me vi refletido. E me vi ainda mais velho e abatido, como se o espelho fosse o famoso retrato de Dorian Gray.
Uma brisa, porém, pareceu roçar meu rosto. Apesar da tarde quente e sem vento, podia jurar que em todas as árvores ao redor as folhas se agitavam, suavemente.
Um passarinho multicolorido voou de uma das árvores em minha direção e, passando por mim, ganhou altura.
Segui seu voo com meus olhos e, somente naquele momento, percebi uma gigantesca nuvem cumulus bem no centro da minha visão.
E, no topo dela, alguma coisa me chamou a atenção: era um menino!
Laude Kämpos é uma exímia esgrimista das letras, em prosa e em versos!
Laude Kämpos, natural de Sorocaba, é bacharel em Direito. Na seara literária, escritora de contos, romance e textos motivacionais.
Autora do livro ‘Registros de Muitas Vidas’, publicando em 2022, sendo eleito o melhor livro de contos pelo concurso Sorocaba de Literatura 2023. Em novembro deste ano lançou a obra ‘A Verdade de cada um’, pelo qual recebeu Votos de Congratulações da Câmara Municipal de Sorocaba.
Na área acadêmica é membra, dentre outras, da AIEB – Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil; FEBACLA – Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes; AHBLA – Academia Hispano-Brasileña de Ciências, Letras Y Artes e ALSPA – Academia de Literatura São Pedro da Aldeia
Por seu expressivo trabalho, foi agraciada com o título de ‘Consulesa Cultural da Paz’, pela academia William Shakespeare, e recebeu o título de Reconhecimento Profissional, como escritora, pelo Rotary Club de Sorocaba – Novos Tempos.
Laude Kämpos inicia sua jornada literária no Jornal ROL com o saboroso texto ‘DNA do rebuliço’.
DNA do rebuliço
Juliano Criquento — o segurança da Rua das Flores — tinha o DNA do rebuliço; nasceu desprovido de gentileza e era cheio de complexos.
Era tão difícil conviver com Criquento que a maioria das pessoas evitava conversar com ele, porque primeiro ele batia para depois assoprar com um pedido de desculpas; mas, de que adiantava o ‘arrependimento’ posterior se a má palavra lançada já havia ferido a vítima?
O filho de dona Maria era um homem tão difícil de comunicação que até os mais experientes vendedores quando conversavam com ele voltavam decepcionados, e sem vender nada.
O Segurança, acostumado a se ‘garantir’ com a arma nas mãos, ficou tão viciado em ser obedecido que quando as coisas não saíam do jeito que ele queria, a casa do outro caía. Vaidoso até na alma, sempre queria ter razão em tudo; mesmo que estivesse errado. Quando isso não acontecia, se destemperava e ficava agressivo. Quando voltava à razão, culpava a Diabetes por sua agressividade; mas, logo perceberam que a coitada fora sempre acusada injustamente.
Uma das maiores vítimas do leonino, com ascendente em gêmeos, foi Matilde, a esposa que por anos se submeteu à violência do marido: psicológica, moral e material.
Muitas vezes ele a deixou a pão e água, em casa, para ir gastar dinheiro com mulheres do ‘Barracão da dona Zena’. Coitada dela se reclamasse.
Cansada de ser maltratada, ela fugiu de casa para nunca mais voltar. Quando ele descobriu que foi abandonado pela mulher, revoltou-se e quase quebrou a casa inteira. Depois, desnorteado, pegou tudo o que era dela, juntou tudo no quintal e tocou fogo.
Quando o calor da mágoa baixou ele fechou-se de vez: não confiou mais em mulher e se transformou num sovina incontrolável. Inconscientemente ele acreditava que a mulher votaria correndo para casa quando descobrisse que ele havia ‘enricado’, termo que ele costumava dizer; mas, do outro lado da cidade, Matilde, no auge de sua rica de paz, mesmo enfrentando grandes privações financeiras, não cogitava voltar para o marido.
O sovina, todas as vezes que ia guardar seu dinheiro no colchão, pacientemente descosturava o buraco que havia feito para passar as notas e, em seguida, o recosturava novamente. Ele privou-se tanto para juntar dinheiro, que em pouco tempo o corpo dele exigiu a conta: a imunidade desceu para o pé e uma gripe rebelde subiu para a cabeça dele.
Após ficar alguns dias, arriado, na cama, o gripado — acreditando que o mal-estar que estava sentindo era fruto de praga de sua ex-mulher — procurou uma benzedeira.
Ao chegar à casa da rezadeira foi logo dizendo:
— Quero que a senhora me benza contra olho gordo da minha mulher. “De mim, aquela safada não leva nada”. — desabafou cuspindo raiva.
Quando a benzedeira, no alto de sua espiritualidade, levantou o galho de arruda para benzê-lo o corpo franzino dela foi tomado por um espírito justiceiro que disse, sem cerimônia:
— Tua doença é fruto de tua ignorância; se queres te curar, entregue o que é dela.
— Nunca! De mim, aquela safada não leva um vintém — disse Juliano com muita mágoa acumulada.
— Teu egoísmo é a porta da tua pobreza; assim, tudo que juntaste não terá valor para ti. — disse o espírito que se foi antes que ele pudesse brigar.
Assim que dona Zilá terminou de benzê-lo, ele correu para casa.
— Gostou da surpresa filho? — perguntou a mãe dele que o aguardava, de surpresa.
— Mãe, o que você fez aqui? — gritou ele perplexo, com a arrumação.
— Contratei as filhas da dona Maria para fazer uma faxina nessa casa que estava parecendo o depósito de lixo da cidade. Agora que tudo está limpo com certeza o seu resfriado vai embora. — disse ela toda orgulhosa.
— O embaixador da chatice correu os olhos pelos cômodos da casa até parar, em choque, quando não encontrou o seu colchão.
— Mãe, cadê o meu colchão?
— Dei para um mendigo e comprei esse daí para você. Aquele era muito velho, devia estar cheio de fungos.
— O antissocial, desnorteado, não teve tempo para brigar; perdeu o fôlego, trincou o coração, e caiu duro no chão para nunca mais se levantar.
Uma semana após a morte do marido, Matilde — para ajudar um mendigo —comprou um colchão velho que ele oferecia. Antes de colocá-lo no lixo sua cadelinha Chimbinha o rasgou e todo dinheiro escondido apareceu escancarado. Com o dinheiro que encontrou dentro do colchão ela pagou as dívidas e comprou uma pequena casa.
Do ex-marido a separada nunca quis se lembrar; mas até hoje, todos os dias, ela agradece a Deus pelo mendigo que só fez lhe abençoar.
Francisco Evandro de Oliveira: Conto ‘Barnabé, o touro assassino’
Barnabé era o nome de um touro que havia nascido do cruzamento entre um touro da raça holandesa e de uma vaca da raça zebu.
Nascera na Espanha, em uma fazenda bem ali na Região da Catalunha. Bem cedo, Barnabé já demonstrava ter um instinto assassino e sanguinário, porque mal começara a lhe nascer os chifres, logo passou a esfregá-lo em cercas, pilastras, árvores e paredes que encontrava em seu caminho até o pátio do pasto da fazenda.
Barnabé crescia dotado de uma força descomunal em relação aos outros touros que haviam nascido na mesma época na mesma fazenda, e sua fúria foi logo percebida por todos os vaqueiros da fazenda, os quais lidavam com ele com muito cuidado, mesmo assim, por três vezes ele feriu gravemente alguns vaqueiros que se descuidaram e quando ele fez sua primeira vítima fatal, o dono da fazendo resolveu vendê-lo para os organizadores da famosa festa da corrida dos touros no dia de São Firmino em Pamplona a fim de evitar outros dissabores que viesse a ser causado por Barnabé.
No dia de São Firmino, Barnabé fez sua segunda vítima; um jovem rapaz que mal tinha seus vinte anos, o qual corria à frente dos touros, e no auge da correria geral deixou-se aproximar – se perigosamente de Barnabé, o qual deu-lhe uma chifrada que lhe varou o abdômen.
A hemorragia interna proveniente da chifrada foi fatal e o jovem faleceu antes de dar entrada no hospital de Pamplona.
Após a festa, Barnabé foi vendido para ser um dos touros a ser sacrificados nas touradas em Madri.
Barnabé havia já se tornado um touro extremamente forte, dotado de uma força descomunal, também um assassino cruel, sanguinário e por demais temido pelos vaqueiros que já conheciam sua fama de matador.
De modo que antes dele estrear no picadeiro de Madri, houve uma intensa propaganda a seu respeito com a finalidade do público encher o estádio e os organizadores das touradas poderem angariar o lucro máximo possível naquele dia e também assistir a morte daquele que já assassinara duas pessoas.
No entanto, Barnabé, talvez por transposição educacional genealógica adquirida ao longo dos séculos por seus antecedentes, tornara-se um touro diferenciado e dotado de uma rara inteligência em relação aos demais animais de sua raça.
No dia de sua estreia o estádio se encontrava completamente lotado e todos torciam pelo mais famoso toureiro de Madri, Luís Alvarez, todavia, poucos minutos depois de ter se iniciado a batalha, Barnabé fez todo aquele estádio que delirava por Alvarez se calar, ficaram mudos por completo e apreensivos.
Luís Alvarez, o mais famoso toureiro espanhol da época havia zombado da fama do touro e se descuidou de sua segurança física; Barnabé o jogou a uns cinco metros, em seguida deu-lhe uma chifrada que lhe varou o fígado.
Toda a Espanha parou e chorou pela morte de seu filho ilustre em sua despedida e consequentemente a fama do touro assassino, Barnabé começava a transpor as fronteiras da Espanha. Ele já estava por demais famoso e poucos eram os vaqueiros que se aventuravam a chegar perto dele para o alimentar.
Todavia, nesses momentos, ele era por demais receptivo e ninguém conseguia explicar o porquê.
Todos que habitavam o mundo das touradas desejavam ardentemente ver aquele touro cruel assassino caído de joelhos, enquanto todo povo no estádio vibrava e esperava pela estocada final da espada vingadora, este se tornara o maior sonho dos organizadores e do povo espanhol que curtia as touradas.
Em um domingo, em que o Barcelona se sagraria campeão, desde que, ao menos empatasse com o Valência, o qual naquele ano estava fazendo uma péssima campanha e precisava desesperadamente vencer aquela partida em Barcelona a fim de evitar viajar para a segunda divisão. A equipe precisamente ocupava na tabela a última colocação. Estava sendo um ano trágico para o clube de Valencia. O estádio de Santiago Barnabeu ficou um silêncio geral quando o Valencia fez um a zero e o conservou até o final.
O Atlético de Madri se tornara campeão espanhol com aquele resultado e o povo achou isso um início de má sorte, porque fora uma tremenda zebra esportiva o Barcelona não ter sido campeão.
Em Madri, começara a festa das touradas com as batalhas preliminares e o povo em delírio esperava pela grande revanche na jornada principal do dia, e quando entrou o toureiro principal foi de imediato ovacionado por todo estádio que o reverenciou com palmas, foguetes e gritarias histéricas, ao mesmo tempo entraram vários toureiros auxiliares, os quais tinham a missão de atiçar e agitar o touro dando-lhe diversas pequenas flechadas e tal ação deixava o Barnabé ainda mais agitado e fulo de ódio.
Todavia, ele era um touro de excelente linhagem e diferenciado, embora estivesse louco de raiva, em sua mente via o filme da última vez que estivera ali fazendo aquela mesma brincadeira. O touro podia ouvir e sentir o alarido e gritarias nas arquibancadas e os fatos ocorridos anteriormente estavam vivos, cabia-lhe ficar atento às oportunidades.
Finalmente, Rafael Gonzáles abriu sua capa e saldou a todos os presentes, os quais lhe retribuiu e ele deu início a batalha.
Gonzáles, de imediato, percebeu que aquele touro não era igual aos demais que costumara enfrentar porque o animal não tirava os olhos dele e o olhar do animal estava cheio de ódio.
Lá dentro da arena estava se desenrolando a batalha mortal e o Barnabé estava sendo atiçado por demais pelos toureiros auxiliares a fim de facilitar a vida de Gonzáles na arena, todavia, Barnabé ficava somente a verificar o que fizera da última vez que estivera naquela situação e esperava a oportunidade para terminar aquela brincadeira. Gonzáles percebeu que tinha que tourear com precaução para não haver qualquer espécie de surpresas.
No estádio, a bolsa de apostas, tanto a oficial, quanto a clandestina, já haviam atingido o mais alto patamar de apostas. A totalidade das pessoas estava confiante na revanche e desejavam ardentemente ver aquele touro assassino morto, mas havia os que apostaram no touro e eram vistos como pessoas de mau agouro.
Barnabé, embora estivesse cansado, aguardava o momento certo para fazer o seu ataque sem dar oportunidade ao seu oponente e tal oportunidade apareceu quando ele mostrou sinal de estar esgotado, então Gonzáles se preparou para a estocada final, todavia, quis antes reverenciar o público que delirava de satisfação e prazer e sua reverência foi à oportunidade esperada pelo touro assassino.
Gonzáles se ajoelhou bem diante de Barnabé e começou a saldar o público com as mãos abertas. E nesses segundos de descuido foi o suficiente para que o touro juntasse suas últimas forças e pensando que não seria aquele imbecil enfeitado que lhe faria sofrer um revés e partindo com enorme velocidade deu uma estocada em Gonzáles que o jogou a uns três metros de distância; não satisfeito, e bem antes que os toureiros o acudissem, o touro deu uma patada que foi de encontro à cabeça de Gonzáles. A potência da pancada foi tão forte que rebentou o crânio do toureiro matando-o instantaneamente!
Mais uma vez aquele touro havia sido o vencedor e a morte do toureiro proporcionou a poucas pessoas se tornarem ricas devido à grande soma que ganharam na bolsa de apostas.
O estádio tornou-se imediatamente em um silêncio fúnebre geral e os toureiros auxiliares queriam matar o touro, só não o fizeram devido à tradição e a pesada multa que teriam que pagar.
Por muito tempo, Madri chorou a perda de dois de seus maiores toureiros e Barnabé entrou para a história de Madri como o maior touro cruel que já pisara os campos de seus estádios.
O ‘touro maldito!’, como passou a ser chamado, foi vendido para empresários chineses que faziam uma espécie de caça ao vivo em uma réplica bem menor do Coliseu Romano. Lá eles costumavam se divertir deixando um leão agarrar um gnu ou um carneiro, zebra ou qualquer animal que não fosse páreo para os leões e tigres que faziam parte de seu estafe de animais, os quais eram bem tratados.
Os espectadores pagavam caro para poder estar presente às sessões e nessas ocasiões a bolsa de aposta funcionava e o tempo que um animal ia ser devidamente estrangulado por um leão ou tigre era por demais importante para as apostas!
Para o sacrifício do Barnabé, a bolsa de apostas explodiu ao mais alto patamar porque a fama do touro assassino já o credenciava a investirem nele, embora sabendo que ele não seria páreo para os dois leões que iam estraçalhá-lo, assim pensavam a maioria dos expectadores. Os apostadores não conheciam o tamanho do animal, sua envergadura e o seu peso em si; estes detalhes, os organizadores não passaram para o público apostador.
Barnabé havia descansado bastante depois de sua última jornada e estava ainda mais forte e com sua potência máxima. Anteriormente o touro havia passado um estágio nos rodeios do Brasil, todavia nenhum vaqueiro se atreveu a tentar montá-lo e por causa disso foi vendido aos empresários chineses.
Soltaram o Barnabé de seu compartimento e o conduziram em direção ao centro do estádio e quando o animal ouviu a gritaria, em sua mente veio logo a memória e disse para si mesmo: vai começar tudo outra vez!
Todavia, ele viu logo em seguida duas espécies de leões correndo em sua direção na mais alta velocidade e ele tinha que se defender sua vida e foi o que ele fez.
Os leões, principalmente as leoas, costumam agarrar o animal e asfixiá-lo até a morte para em seguida destroçá-lo, porém o Barnabé era uma espécie alta e extremamente forte e seu pescoço não dava para os leões praticar a asfixia ou estrangulamento.
O touro baixou a cabeça quando o primeiro leão estava se aproximando e quando o animal sentiu o cheiro do leão quase sobre si; ele levantou a cabeça e com um forte golpe jogou o leão a uma distância considerada. O povo vibrou de emoção.
O outro leão imediatamente pulou sobre o touro na tentativa de agarrar o pescoço do animal, contudo, ele teve que ficar pendurado devido à altura do touro que se sentido incomodado com aquele animal sobre si, correu para as laterais das arquibancadas e jogava com toda sua força descomunal o seu corpo contra as paredes das arquibancadas de cimento e consequentemente as pancadas sobre o leão o fizeram saltar do pescoço do animal.
O outro leão estava ainda se recompondo da chifrada que havia levado e correu novamente em busca de sua enorme presa e mais uma vez levou uma pancada tão forte que abdicou em fazer daquele animal seu almoço do dia, ficara seriamente machucado e viria a morrer ainda naquela tarde.
O outro leão voltou a carga, todavia o Barnabé estava em estado de graça e fúria descomunal e o matou com uma estocada fortíssima no estômago do oponente.
Havia sido uma perda muito grande para os empresários chineses que ficaram decepcionados com a perda de dois de seus matadores que costumavam fazer a festa para o público.
Aquele maldito touro assassino tinha que pagar por aquele prejuízo e mandaram saltar o tigre de bengala, o qual havia dois dias que não comia nada e sua fome estava a cem por hora! Imediatamente dobraram as apostas na tentativa de recuperarem as perdas com as apostas nos leões.
Quando o tigre sentiu o cheiro da presa e também do sangue dos leões, ele partiu imediatamente em busca da caça, ia ser uma luta de bravos!
Por mais de uma hora o tigre tentou abocanhar o pescoço daquele enorme animal e mordia tudo que pudesse do touro para arrefecer a resistência do seu oponente, mas o Barnabé era experiente e dava suas pancadas no tigre que já sentia o poder daquela fera e em uma estocada direta, o touro o deixou caído quase inerte a sangrar sobre a arena, estava morrendo mais um oponente que resolvera fazer daquele touro assassino seu prato do dia!
Os chineses ficaram loucos de raiva e venderam o touro para um fazendeiro do pantanal mato-grossense que se encontrava presente no estádio.
Barnabé, após a longa viagem, chegou estressado, cansado e, principalmente, todo machucado do último combate e o empresário o queria somente para ser um excelente reprodutor e com sua fama o fazendeiro iria selecionar e vender muitas de sua descendência que lhe daria um lucro excepcional.
O fazendeiro recomendou por demais aos peões boiadeiros que dessem uma atenção especial àquele animal e tivessem o máximo cuidado com a alimentação e, principalmente, com a segurança deles.
Barnabé ficou uns seis meses só na engorda e estava sendo tratado como um verdadeiro lorde e em suas andanças pelos pastos e próximo aos igarapés, o touro assassino verificou que havia uma espécie de animal que todos os demais se afastavam dele o mais rápido possível quando ele aparecia e certa vez Barnabé teve a oportunidade de ver com os seus próprios olhos porque os demais se afastavam daquele animal.
Era uma imensa sucuri de uns 12 metros com cerca de 140 quilos que abocanhara uma capivara e a espécie corria desesperadamente e a sucuri dava corda e em seguida puxava o pobre animal que quase já sem forças ia dando adeus a sua vida. Em pouco tempo a sucuri fez dela sua alimentação da semana. O maldito observava e teve a oportunidade de assistir aquilo por cerca de cinco vezes depois, com uma anta, com outra capivara, com um pequeno bezerro, com um boi mediano e com um veado campeiro. Todos eles a sucuri deixava o animal se cansar para depois puxá-lo, quebrá-lo todo, triturá-lo e fazer deles o seu prato da semana.
Barnabé, já estava acostumado àquela fazenda e bela vida que levava diariamente. Há muito que não precisava usar sua força para poder sobreviver. Sua vida consistia somente em se alimentar e cobrir as vacas que lhe colocavam no seu curral e estava excelente a vida
Como era um animal muito observador, já sabia de cor os locais que pastava e os locais que poderia beber água sem ser molestado por aqueles pequenos animais que destruíam os outros em poucos segundos se fossem atravessar o igarapé, as terríveis piranhas.
Sabia que tinha que pastar bem paralelo à cerca e não perpendicular a ela a fim de não ir próximo ao rio e aos igarapés. Verificou que havia uma enorme árvore, na qual ele sempre amolava seus chifres e descansava.
Um dia com o sol já escaldante, estava o Barnabé a pastar tranquilamente quando observou o costumeiro afastamento do restante dos animais e principalmente aqueles que estavam bem próximo dele, como era um animal inteligente, logo concluiu que aquele animal que matava os outros, estava próximo dele e ele já sabia o que fazer para não ser o prato da semana, ficaria esperto. Imediatamente puxou pela memória e lhe veio à mente que aquele animal agarrava os outros principalmente pela boca e narinas a fim de minar – lhe a resistência e ficasse sem fôlego.
Ele já podia sentir o cheiro daquela fera próximo dele, no entanto ainda não havia descoberto de onde o animal daria o seu famoso bote.
Enquanto isso, a sucuri estava já com o bote pronto, no entanto, ela ainda pensava se era realmente compensador fazer frente aquele monstro forte, ele era realmente alimento para duas semanas e ela não precisaria se preocupar com caça, todavia ela sentia que o touro era muito grande e forte, talvez ela não tivesse forças suficientes para puxá-lo e quebrar-lhe todos os ossos.
Porém, a enorme sucuri era vaidosa e jamais havia perdido uma batalha e principalmente uma caça tão vistosa e apetitosa! Seria uma ótima presa que teria em seu currículo de matadora!
Iria ser uma batalha de líderes invictos!
Sua vaidade e orgulho de matadora a convenceram a dar o bote no touro, esquecendo também de sua segurança física. Um milésimo de segundo antes dela alcançar o corpo do animal com sua enorme boca, o touro, talvez por questão de intuição, resolveu levantar a cabeça e neste milésimo de segundo foi o suficiente para desviar o ponto central do bote. A cobra abocanhou parte da cabeça do touro logo na junção dos chifres.
Havia sido um mau começo, assim pensou a sucuri assassina que imediatamente se enroscou todinha no Barnabé que tranquilamente ficou parado por alguns segundos pensando na melhor estratégia a ser seguida a fim de se livrar daquele perigoso e mortífero incômodo. A sucuri estufada de orgulho logo preconizou que seria mais fácil que ela havia imaginado, o touro ficou paralisado pensou ela!
De repente! Barnabé disparou, ia começar tudo outra vez, assim pensou a sucuri que logo foi se esticando para poder fazer frente à resistência do touro e começou imediatamente o vai e vem.
Esse vai e vem estava sendo assistido por vários animais e alguns peões que tinham medo de se aproximar com medo tanto da reação do touro quanto da sucuri.
Já havia se passado mais de duas horas e eles continuavam no estica, encurta, corre, para, volta…etc. A bem da verdade os dois animais já estavam cansados, tanto a sucuri que via suas forças minar já que gastara toda sua energia porque aquele touro era muito pesado e já estava bastante arrependida de ter feito a investida naquele monstro de tanta resistência, todavia, ela era orgulhosa e sabia que a qualquer momento o touro teria que capitular e ela sairia vitoriosa naquele confronto de matadores, isso sempre acontecia e não seria aquele touro teimoso que iria contrariar a sua lei.
Barnabé era dotado de uma força descomunal e sua mente lhe dizia que o seu oponente não teria forças para resistir por muito tempo e que ele teria que deixar o seu corpo. Foi por esse momento que a maldita vislumbrou que a única forma de vencer aquele animal seria dar outro bote e lhe agarrando pelas fuças e boca ao mesmo tempo, porque assim ela diminuiria o ar que o touro respirava e consequentemente lhe minaria ainda mais a resistência e ela poderia terminar aquele embate e matá-lo com a maior facilidade, porém antes mesmo dela soltar o local onde dera o bote, parte da cabeça junto ao chifre esquerdo, a fim de realizar o seu intuito; o touro Barnabé estancou de repente de sua corrida!
Estava naquele exato momento lembrando-se da maneira que exterminara com um dos leões, ou seja, ele havia espremido o leão contra a parede de concreto armado da arquibancada. Ali não havia naquelas imediações do combate qualquer espécie de alambrado construído de concreto, mas, havia a cerca de arame farpado e o touro sorriu consigo mesmo, a sua moda e ficou feliz em ter conhecido anteriormente o poder do arame farpado!
Quando a cobra sentiu que o touro parara por alguns segundos, ela pensou que terminara por fim a resistência de tão bravo combatente e o puxou com todas as suas forças a fim de começar a quebrá-lo por completo porque ela havia gastado toda as suas forças e energias estando esgotada, a fome dela também estava se tornando intensa.
O touro desejava estar a todo vapor físico quando desse sua investida final e deixou-se puxar tranquilamente, não opondo qualquer resistência a cobra deixando-a engrossar o máximo possível e quando sentiu que a mesma já estava fazendo forças a fim de destruí-lo, ele encheu os pulmões de ar e correu perpendicular a cerca jogando-se com toda sua força na cerca de arame farpado, em seguida ele começou a se arrastar pela cerca e quando o fazia os arames farpados iam se agarrando à sucuri que começara a sentir mais uma vez que aquele touro havia sido uma investida errada de sua parte, mas agora a situação estava ficando complicada para ela e a sucuri tinha que se soltar daquele empecilhos que lhe cortava o corpo e Barnabé continuava a sua tática.
A cobra já estava ficando toda ensanguentada e sem forças, porque em uma das investidas do Barnabé sobre a cerca, vários dos arames penetraram no corpo da cobra e lhe foram rasgando o corpo, à medida que o touro ia se deslocando se arrastando junto à cerca para desespero da cobra que nada podia fazer.
Por fim, sucuri capitulou e soltou a cabeça do animal e se dirigiu para o rio a fim de tentar se recuperar, contudo, mal tocou nas águas, o cheiro do sangue fez vir imediatamente as vorazes piranhas que fizeram da enorme sucuri a janta do dia.
Assim terminara o reinado daquela imensa cobra na região e os vaqueiros ficaram espantados e alarmados com a tática do touro e o respeitaram ainda mais.
Seu dono construiu uma imensa placa aonde podia se ler: aqui habita o temível touro Barnabé, o único animal na face da terra a vencer uma sucuri com tamanho e peso proporcional ao seu.
Por muito tempo o fazendeiro ganhou muito dinheiro com o touro Barnabé, o qual nenhum homem ou animal conseguiu derrotá-lo.
Barnabé morreu naquela fazenda de velhice e seu dono mandou empalhá-lo para perpetuar sua lenda.