Afinado com a tua ausência
Paulo Siuves: Poema ‘Afinado com a tua ausência’


Hoje o mundo acordou em tom menor menor.
Uma daquelas manhãs em que até os passarinhos
parecem cantar olhando ressabiados.
Abri o violão.
As cordas já sabiam teu nome —
foi só encostar que elas responderam,
num lamento manso,
quase gratidão.
Você não veio.
Nem carta, nem sinal, nem vestígio.
Mas senta sempre à minha frente
quando eu toco sozinho.
E eu me toquei —
no silêncio do quarto,
na calma do gesto que sabe a ausência,
um murmúrio íntimo,
um sussurro entre dedos que procuram.
Ela sai, desliza —
fantasma tênue, sombra leve,
zombando da solidão que me habita,
rindo entre os véus do silêncio,
um adeus que nunca se entrega.
É estranho…
tem dias em que tua falta soa afinada.
Como se tua ausência
fosse mesmo parte da canção.
E eu sigo compondo.
Não pra ser ouvido.
Não pra te alcançar.
Só pra manter tua sombra
ensaiando passos no compasso da saudade.
Paulo Siuves