Em minhas mais doces memórias, ainda me vejo correndo descalça. Brincava na rua até à noite, com meus irmãos, sem preocupações, sem que meus pais temessem algum perigo, só adentrava a casa somente quando minha mãe chamava, mas meus pais não saiam à rua para nos impedir de ser crianças.
Muitas vezes descuidada na empolgação da correria, feri meus pés em espinhos, pequenos cacos de vidro. Simplesmente sentava-me no chão, retirava o espinho e saia a correr, sem sentir dor.
Ainda tenho algumas cicatrizes dos cortes em cacos de vidro. E me recordo dos sustos de minha mãe, quando era necessário ir ao pronto socorro, tirar um pedaço de vidro que teimosamente incrustrado, não querendo sair. Doía, mas me segurava, afinal a dor passaria, enquanto fazia esforço para não chorar, minha mãe se apiedava, e eu não levaria umas chineladas.
No dia seguinte, lá estava eu novamente, abandonando os chinelos ou tênis, largados na calçada. A liberdade de ter os pés libertos, sentindo a grama, a terra até mesmo o asfalto quente. Tudo valia a pena, o riso, as brincadeiras, a correria, eram recompensados com o esquecimento desses pequenos acidentes.
Depois de crescida, tomei modos como diria minha mãe, e só andava descalça na areia, quando ia à praia, sentido as ondas molhando os pés sedentos de liberdade. Adorava ver as águas imensas apagando minhas pegadas.
Adulta, calcei meus filhos, preocupando-me que pudessem ferir seus pés. Chinelos, sapatos, tênis, tudo para proteger meus rebentos.
Já não tinham a liberdade ilimitada de outros tempos; brincar na rua, só com a supervisão dos pais. Ficar na rua até tarde noite adentro, nem pensar! Nesses novos dias, com a insegurança instaurada em todos os lugares, não tinha jeito.
Infelizmente os tempos mudaram, a inocência da infância, dos que têm mais de 50 anos, ficou no passado.
Atualmente, pés descalços são sinônimos de pobreza, são marcas dos desprovidos, dos indigentes, ou dos inocentes que ainda tentam dar os primeiros passos. Não é mais legado de liberdade da infância , de banhos de chuva, corridas na enxurrada, uma liberdade descontraída e privilegiada.
Agora tenho sapatos demais, que me levam a tantos lugares, mas eles nunca me levarão aonde fui quando tinha os meus pés descalços…
Ismael Wandalika: Poema ‘Coragem do tempo’ (parte 2)
A gente cresce A criança em nós rejuvenesce A criança que saí de nós envelhece Visualizamos o entardecer dos dias paulatinamente A vida ganha um rumo diferente
Somos magoados e magoamos também Deixamos sonhos por realizar Priorizamos quem decidimos amar Nos tornamos país donos de um lar
No tempo Sorrimos com saudade da lembrança de outros sorrisos Nossos familiares e amigos tombados da jornada Deixaram nossos corações partidos Nos dividimos entre a realidade e a ficção da vida
O tempo traz um remédio que cura a alma Há gente que se separa de nós mas continua presente mesmo distante No tempo aprendemos que o amor e o respeito São ponte que une pessoas independentemente da distância O tempo tem a audácia de retificar rabisco Engavetados na memória de um passado
O amor vence Valoriza Entende Respeita
No tempo choros são lembrados com sorriso nos olhos Escrevemos nossa história olhando para dentro Ficam no tempo os momentos que partilhamos na fase de convivência mútua Os ensaios teatrais e de coreografia O hino desajeitado do grupo coral Aquele culto de avivamento espiritual As pregações, os jejuns, os sábados jovens, os cultos aos segundos domingos de cada mês, as sextas feiras de culto de dramaturgia Era tudo tão especial, tão divinal. Nossas brigas, nossas brincadeiras, era tudo tão surreal
Ficou para a história do tempo Os momentos vividos entre irmãos(as), primos(as) e sobrinhas(os) únicos momentos. Hoje um novo tempo vivemos
Por mais que Anselmo Ralph cante Jamais recuaremos o tempo Pois, cada um(a) foi para o seu aprisco Cuidar do seu novo mundo novo abrigo Ser pai, ser mãe, ser madrasta ser padrasto fazer a vida no seu tempo.
Coragem do Tempo O tempo ensina reeduca Só os de verdade permanecem em nossa vida Por mais que seja o tempo Só os de verdade ficam quando tudo perde o sentido Só os de verdade nos olham com esperança Quando a gente perde o foco e a beleza da vida Só os de verdade acreditam Quando os caminhos ficam fechados para nós.
Uns nos deixam com o tempo Outros ficam no tempo O tempo leva e lava os males Lembramos dos que foram com saudades Coração aperta a dor aumenta as vontades Olhos num retrato de lembranças Imagens timbradas no peito do tempo
Dá saudade Dá vontade A gente não volta mas recorda a trilha antiga que guiava a matina os nossos dias infinitos Cada vigília fortalecia o espírito Cada ensaio era como respaldo Teatro foi a terapia dos nossos dias
No tempo Aprendemos a amar a família e a valorizar o perdão De coração para os corações mansos A palavra poética fala com verdade e compaixão.
Hoje trago traços cruzando as corridas de um amanhã coberto de hosanas Preso na garganta de quem canta com esperança o hino que embala as almas Enche o imo de nostalgia.
Quedas vêm como fortaleza de cada força empreendida na forja. Pois o porão rejuvenesce as batidas do peito E Deus conta os passos de um Soldado para abençoar sua trilha.
Hosana! A gente canta com destreza Há um poema na alma que alimenta o estômago da criança A cruz está pesada Então deixa a música tocar e teremos forças pela manhã.
No fundo, ouço gritos que esperam a certeza na ponte esquina, O ontem acredita que o amanhã será diferente Então, recriamos uma Lambada para lembrar as lágrimas do caminho que trilhou a nossa gente Gente forte ! Gente que vence e não teme
Hosanna Entoada na aurora do dia Ativa no coração alegria para vida A força dará asas a quem permanecer na pista Dando toques para elevar a fasquia Deus não esquece o esquema da benção para a menina de seus olhos.
Hoje a tecnologia digital domina os lares. Crianças muito pequenas antes de falar já veem vídeos no celular de alguém da família. O que isso afeta na criança? E ao adolescente? É recomendável? O que fazer diante do vício? Existem estudos científicos que provam que o exagero da tecnologia na criança muito pequena é muito prejudicial ao cérebro, ao relacionamento com o outro e à saúde física e mental das crianças e dos adolescentes.
Para uma criança muito pequena, até seis anos, uma hora de tecnologia é o indicado. A criança precisa se relacionar com as pessoas: ser estimulada a falar, a ouvir, a cantar, a amar etc. A Psicanálise afirma que esse grande outro (adulto) é fundamental na formação da identidade da criança. Convivendo com um aparelho, onde está a intervenção direta com a criança? Ela vai aprender a falar com os vídeos? É provável que sim. Mas, e a parte emocional? A Interação pessoal? Não estaremos criando robôs? Para o Psicólogo, Leo Fraiman, “tecnologia para crianças somente após os seis anos”. Está comprovado que somente após, essa idade, dependendo da criança, ela será capaz de separar a realidade da fantasia. Qual a repercussão do exagero? As pesquisas mostram que 80% de nossas crianças, antes dessa faixa etária, estão na internet; vendo toda a sorte de violência, e muitos vezes conteúdos, até impróprios.
Passar muito tempo no celular, vídeogames e computador, restringe os movimentos da criança. Ela precisa andar, correr, descer, subir etc. Limitar a criança é prejudicial ao seu crescimento físico. O corpo, é um organismo completo que necessita estar integrado com todas as suas necessidades nos anos iniciais para crescer saudável. Quanto ao cérebro, também já foi comprovado pela Neurociência que os jogos e os vídeos estimulam a produção de Dopamina, e outras substâncias responsáveis pelo prazer. Assim, estaremos viciando nossas crianças e jovens, desde muito cedo com uma dose extra de substâncias e estimulando a se afastarem de outras atividades, menos prazerosas, porém mais saudáveis ao crescimento integral, o brincar, que é tão necessário ao crescimento mental e físico. Sabemos que o mundo proporcionará desafios para eles no futuro. Como enfrentarão as dificuldades? As responsabilidades? E as frustrações? Se estarão totalmente viciados em atividades prazerosas, e em grandes quantidades, pois todos os dias surgem novos jogos, novos vídeos, de todas as formas e níveis. E sabemos que em muitas famílias, não há nem mesmo uma seleção de conteúdo ou horários, para os filhos.
Paiva NMN e Costa JS, no artigo científico: A influência da tecnologia na infância: desenvolvimento ou ameaça? Afirmam que:
“… o mundo virtual utilizado de forma indiscriminada desestrutura os processos psicológicos da criança levando-a a apresentar o comportamento antissocial, instabilidade emocional e atitudes de agressividade”…01.
A pesquisa da Revista Psicopedagogia, cita que:
…“A utilização da tecnologia de forma indiscriminada pelos adolescentes provoca o desequilíbrio cognitivo do ser. Com isso, ela potencializa os transtornos de atenção, transtornos obsessivos, de ansiedade e problemas com a linguagem e a comunicação, o que afeta diretamente aprendizagem”. 02
…“A Associação Psicológica Americana incluiu a dependência de jogos e de internet no apêndice do DSM-VVII, o que aumenta a legitimidade clínica do transtorno e favorece o entendimento científico da natureza dessa dependência” 02.
Assim, teremos alguns desafios para as futuras gerações pois com todos os problemas que já tínhamos com as crianças praticamente criadas por terceiros, devido ao enfrentamento dos pais no mercado de trabalho, o desemprego, alcoolismo, negligência familiar, drogas e outras violências, agora nos deparamos com mais um problema, o excesso do uso inadequado de tecnologia por crianças e jovens, a “over dose digital”. Eis aí, que devemos rever nossos padrões de comportamento que não servem mais, para essa nova sociedade que ora estamos vivendo. Limitar horários, selecionar conteúdos, alertar para os perigos da Net e fortalecer os laços familiares, são algumas providências urgentes.
OBS. Conheça a obra A poção mágica, Maze Oliver, primeira edição 2016, que se encontra publicada no saite Clube de Autores, à disposição dos pais. Para um diálogo com a criança de forma lúdica sobre o assunto: a questão do retorno às brincadeiras tradicionais.
A linguagem é a minha morada O universo inteiro na antessala
Não há grades instaladas nas janelas A moldura dos instantes me encerra
Não sou definível por dogmas Pois sou cultura e sou história
O verão não sorri em toda estação Há invernos, espasmos e contrição
As horas oscilam em seus humores O Sol a acender e esconder rumores
Inscrito em círculos hermenêuticos Rabisco meus desenhos imperfeitos
Criança atenta aos rumos da vida Aventuras e desventuras fugidias
O mar bravio é que me atravessa Na torrente das palavras incertas
Existo no tempo de sentir e ser Sou um discípulo de Heidegger*
Pietro Costa
N.E.
*Martin Heidegger foi um filósofo, escritor, professor e reitor universitário alemão. É amplamente reconhecido como um dos filósofos mais originais e importantes do século XX. SaibaMais: