O caderninho azul
Evani Rocha: ‘O caderninho azul’
Sinto-te em cada livro que leio.
O enredo sempre fala de nós…
A sós, eu e a pequena história de nossas vidas em centenas de páginas
Escritas em letras garrafais…
Há tempo, nem me lembrava mais desse olhar,
Suave como chá de maçã.
Dessa música romântica em língua estrangeira rodando no disco de vinil.
Eu e você em lados opostos da poltrona de couro: entre nós,
Meu caderno de poesia aberto…
Quem de nós irá passar a próxima página?
Bem ali, a seguinte poesia que fiz para ti.
Não teria coragem de mostrá-la…
A tarde cai iluminada por um sol de outono, fosco e quente.
Lá fora as árvores renovam suas folhas, vez ou outra uma folha passa pela janela, impulsionada pelo vento.
Uma folha amarelada nos chama à atenção. Desviamos os olhares.
Você me presenteia com aquela folha quase seca,
Com tons verde oliva e amarelo ocre.
Coloco-a delicadamente entre as páginas do caderno: “Ela é tão bonita!”
“Você é muito mais…”
Corei de vergonha. Quanta timidez aos quinze anos…, aos vinte…
Estava tão perto de nós, talvez se eu, por um impulso de insanidade,
Tivesse passado aquela página…
A cortina de renda branca se move vigorosamente,
Quem sabe ela também aguardava pela minha iniciativa.
O LP já tocou quase todas as músicas. Continuamos nesse diálogo insosso.
Seu rosto mostra um cenho levemente franzido,
Como se tivesse um ponto de interrogação.
Eu sorrio de canto, a qualquer palavra boba que sai de sua boca.
Quando o Sol desceu no horizonte, lançou um raio de luz sobre seus olhos azuis, quase translúcidos. Tocou os cachos longos dos meus cabelos,
Que de um castanho médio, passou para o tom dourado.
Eu estava bonita…
Afinal era nosso primeiro encontro.
O suco de groselha na mesinha de centro, a toalha florida cobria a mesa de cerejeira, a música romântica, o piso xadrez…
Uma varanda envolta por samambaias.
Era tudo perfeito!
Apenas havia um caderno de poesia entre nós.
Em suas páginas, um mundo de fantasia.
Mas era o meu mundo: Nele estava você, seus olhos azuis, suas palavras soltas, suas músicas estrangeiras e as flores da sua rua…
Anoiteceu em nossos olhos. Terminou o disco de vinil.
Nunca mais tivemos a chance de ver o colorido de outono…
Nunca soube o que queria me perguntar, suspeito que, talvez, quisesse saber o que estava escrito naquele caderninho de capa azul-anil.
Evani Rocha