O Sol, sempre brilha Pra os grandes e pequenos Pretos E brancos Amarelos e vermelhos Putos e kotas Altos e baixos Frescos e secos
Aqui, o brilho é o mesmo O céu sempre sereno Os raios, oh! Os raios… Os raios aqui não se partem e nem se deixam partir, porque lhes foi dito que aqui é pra prosseguir, seguir, com os olhos vendados, mas sempre em frente e na frente, e na frente, com os combatentes, não os Angolanos, Africanas,, Guiné, Ghana, Botswana, ou Nigéria?
Viajei através de Memórias do subsolo Pra procurar um sentido da vida, paz, luz, E encontrei a escuridão, que por muitos é temida, esquecida, dorida Em vez de ser explorada, da melhor forma e polida..| o que sentes quando o Sol brilha?
Eu não sei exatamente o dia em que o pesadelo começou, isto é, quando as chuvas iniciaram no Rio Grande do Sul neste outono de 2024.
Apesar disso, fixei uma noite: 30 de abril. Resido na região central do estado, que sofreu graves problemas, pessoas mortas, desabrigadas, desalojadas; pontes obstruídas; rebanhos mortos; deslizamentos de terras. Naquela noite de 30 de abril, choveu muito, o som da chuva parece repetir-se na memória, porque era contínuo.
Dias depois, conversando com amigos, muitos deles referiram que foi uma noite insone. De fato, eu denominei a noite do sem: sem energia elétrica, sem telefone, sem internet (o alarme da casa desligou): a escuridão e o som da chuva.
Pela manhã, no feriado do Dia do Trabalho, seguíamos sem energia elétrica, sem telefone, sem internet, mas se associaram três novos dramas: sem água, a cidade ilhada (as cabeceiras de duas pontes ruíram e, em outra rodovia, o rio obstruía a passagem) e os desabrigados.
Saí cedo, precisava de internet, tinha trabalhos de revisão de texto para entregar. Consegui conexão em um posto de combustível. Quando postei em uma rede social que estávamos ilhados e sem conexão (telefone ou internet), eu fui ‘metralhada’ por uma pergunta que se repetia: “Como estão lá em casa?” Tive que fazer uma nova postagem: “Eu não sei como estão os parentes de ninguém” e repeti a cantilena ‘do sem’.
Por solidariedade, procurei algumas pessoas, principalmente, idosos e doentes. Chegava em frente às casas, buzinava, questionava se estavam bem, se precisavam de alguma coisa e seguia. Eu estava encharcada. Algumas pessoas não estavam mais em casa, haviam sido removidas durante a noite anterior, a noite da chuvarada.
Comprei água potável – que, em breve, faltaria na cidade. Comprei algo que pudesse servir como almoço e recolhi-me.
No dia seguinte, passei a ‘frequentar’ o ginásio municipal de esportes, local em que estavam os desabrigados. Leva roupas. O que está faltando? Volta em casa, procura nos armários. Volta. Ouve histórias. O maior tesouro que dedicamos para alguém é o nosso tempo.
Nuvens, trovoadas, apreensão… e chuva. Por vezes, eu penso que um dos grandes prazeres que, desde criança, sempre ouvimos dizer, era dormir com o som da chuva, de preferência, caindo sobre um recipiente, uma lata, por exemplo. Hoje, um dia, sem chuva, é um grande alívio.
Além das cidades afetadas na Grande Porto Alegre, eu conheço Cruzeiro do Sul, Arroio do Meio, Putinga, Lajeado, Estrela, Muçum (não cheguei a conhecer Roca Salles, devastada por três enchentes), ou seja, boa parte do Vale do Taquari. Fico imaginando como se sentem aquelas pessoas que perderam casa, carro, animais de estimação, familiares, plantações ou, como referiu um jovem de Arroio do Meio: livros, discos de vinil, CDs, instrumentos musicais, histórias de uma vida.
Precisaremos, quem sabe, um dia, ressignificar o som da chuva, essa, hoje, horrorosa sensação de umidade. Por enquanto, ele traz medo, insegurança, apreensão. Muito mais do que casas, prédios, móveis, eletrodomésticos, temos gente para reerguer.
Ao encerrar sua participação na terra e no leito, ele antes de exalar seu último suspiro ele escreveu: – Nasci um menino sudanês e nas belas e majestosas florestas do meu país eu caçava sempre com as demais crianças de minha aldeia.
Nos rios de águas claras e profundas eu costumava espairecer e isso me dava um imenso prazer, viver daquela maneira como uma criança simples.
Assim costumava ser minha vida e não sabia o que era ser um branco e os mais velhos falavam sempre que era para ter muito cuidado com os brancos.
Certo dia, eu havia ido para caçar com outras crianças da aldeia e após a caça estávamos nos esparrando à vontade e me deliciava em um dos rios que circundavam a aldeia e quando dei por mim já me encontrava preso e manietado por vários brancos junto com outras crianças da mesma aldeia.
Aí começava minha outra fase de vida. Em um porão fétido e extremamente calorento fui posto com as demais crianças que brincavam no rio comigo.
O calor era por demais insuportável e tal local passou a ser por muitas luas minha nova residência oficial. O balanço do barco e o fedor da maresia me faziam vomitar tudo que havia posto e que não colocara no organismo.
Um dos brancos olhava-me e me fazia engolir algumas bolinhas brancas que, com o passar do tempo, percebi que toda vez que isso acontecia eu parava de vomitar e acalmava o meu enjoo. Depois de várias humilhações e muito desespero eu tive o imenso prazer de ver de novo a luz da estrela maior, o dia estava belo e isso me deu uma imensa alegria, porque descobri que ainda estava vivo a despeito de todos os maus tratos.
Muitos de meus amigos foram jogados ao mar porque não haviam conseguido superar tal infâmia de vida. Pouco depois, manietado e amarrado com outras crianças fui posto em exposição em um local que havia muito e muitos brancos e eles nos examinavam e depois de um certo tempo uma linda jovem branca me levou para sua residência.
Lá passei a habitar com várias pessoas de outras línguas, mas que também estavam nas mesmas condições minhas.
A casa era muito grande e logo percebi que todos os brancos me chamavam pelo nome de escravo e como passei a trabalhar de sol a sol me tornei um escravo do meu senhor e do café! Durante 87 anos, palavra que aprendi para contar o tempo, eu vivi naquela casa de sofrimentos e decepções, a despeito de conviver em um belo e majestoso país chamado Brasil.
Deixei dois filhos, netos e netas que me substituíram no plantio e colheita do café; aliás; por falar em café – que bebida gostosa! Hoje, estou às portas da grande escuridão, a espera do anjo da noite chegar! Já o vejo se aproximar de minha cama, mas estou imensamente feliz!
Estou voltando a ser criança, estou voltando para minha liberdade.
Deixei há muito de ser escravo de um senhor muito mal, porque fugi por duas vezes do engenho em que trabalhava, mas passei a ser senhor e escravo do café da minha luta diária para sobreviver e me esconder continuadamente desse senhor perverso.
Porém, como é belo e majestoso para mim, ser novamente uma criança queniana livre e feliz, e veio a falecer.
Como ele era muito conhecido e admirado na Vila, a caminho do seu último adeus, teve muitas pessoas e sentiriam muito sua ausência e uma desses foi um dos seus netos, João Sabino, o qual veio ser sapateiro de profissão e também fazia selas de animais, roupas de vaqueiros e botas de profissão e casou-se com uma mulher branca, loura e muito bonita chamada Rachel Amélia de Souza, cujo pais vieram fugidos da França após a guerra napoleônica e se estabeleceram na Vila de Maranguape.