Cláudia Lundgren: ‘Pra não dizer que não falei dos espinhos’
Cláudia LundgrenImagem gratuita do saite Pixabay
Uma hora da madrugada – isto são horas de ficar filosofando? De ficar querendo saber o porquê das coisas? De ficar supondo sobre o que jamais, de fato, saberei?
Pois é! Não sei se pelo avançar das horas, mas esses pensamentos viraram uma verdadeira salada, envolvendo rosas, espinhos, seres humanos e outros ingredientes.
Alguém saberia me explicar o porquê da existência dos espinhos nas rosas? Logo elas, as mais belas, com suas pétalas aveludadas de tons escandalosamente deslumbrantes, e o perfume que as indústrias do ramo buscam, a qualquer custo, sinteticamente imitar. Aqui em casa ninguém soube me responder.
Será que a rosa perderia a sua humildade, se não fossem seus espinhos? O que ela diria aos seus botões, caso eles não existissem? “Sou a rainha das flores, visto-me com uma roupagem ímpar e o meu perfume é o melhor dos jardins. Quando Deus me fez, Ele disse: ‘Desce e arrasa!’”. Ah, mas “que bobagem, as rosas não falam.” (OLIVEIRA, 1976); porque se falassem, não se vangloriariam, exatamente por possuírem espinhos na carne.
Os espinhos não tiram de forma alguma a majestade da rosa, mas assim como nós, ou como quaisquer seres vivos, ela tem seu lado obscuro. Ninguém pode orgulhar-se muito de quem se é; sim, devemos lutar, ferrenhos, dia após dia, para que o nosso lado bom sobressaia; devemos ser conhecidos por atitudes positivas; mas eles estão lá, e abatem nossa soberba; estão lá para nos lembrar da nossa natureza humana; nós não podemos vê-los a olho nu, mas assim como a rosa, somos cravejados de espinhos.
Certa vez, o cravo e a rosa brigaram, e ele saiu ferido; bem, a rosa não tem braços para bater nem pernas para sair do lugar e ir buscar paus, pedras, vassouras, facões ou outras espécies de arma. Ele foi ferido, certamente, por aquilo que havia na rosa: espinhos – objetos perfurocortantes inerentes à sua natureza. Quantas e quantas vezes ferimos os outros com as nossas próprias armas, com aquilo que temos de pior? Palavras que ferem e fazem sangrar a pele alheia, e doem, talvez, bem mais do que uma bofetada; palavras deixam marcas profundas, cicatrizes horrendas, que nem mediante microscópios somos capazes de ver; marcas na alma. Quantas vezes julgamos ter amigos, e nem sabemos que eles vivem nos apunhalando pelas costas com o punhal da falsidade. Quantas vezes humilhamos pessoas, e as fazemos sentir pequenas. Quantas vezes escarnecemos de alguém e ficamos de risadinhas. Quantas vezes, quantas vezes… São os nossos espinhos, lançados como dardos inflamados, capazes de ultrapassar as barreiras da pele e atingirem no profundo o nosso semelhante. Quem pode se vangloriar que atire a primeira pedra.
As situações também demonstram que nem tudo são flores – pra não dizer que não falei delas, de todas elas. Existem os percalços, os obstáculos, que a todo momento temos que ultrapassar; existe a brisa e o furacão; a bonança e a tempestade; existem os leões diários que temos que matar; flores e espinhos.
As reflexões vão ainda mais longe: é através das ‘espinhadas’ da vida que crescemos, que evoluímos, que nos tornamos ‘cascudos’. Os espinhos são maus, em contrapartida, são as armas de defesa das rosas contra cravos que tentam contra a sua honra; que fazem sangrar as mãos daqueles que tentam matá-la, arrancando-a vorazmente do solo.
Vou encerrando por aqui porque já passou das três e preciso descansar esta mente bombardeada de achismos, suposições e reflexões, sabendo que certeza mesmo só quem tem é Deus, que gentilmente confidenciou aos biólogos e botânicos. Boa noite!
Ivete Rosa de SouzaCriador de Imagens no Bing. 5 de outubro de 2024, às 11:45 PM
Em minhas mais doces memórias, ainda me vejo correndo descalça. Brincava na rua até à noite, com meus irmãos, sem preocupações, sem que meus pais temessem algum perigo, só adentrava a casa somente quando minha mãe chamava, mas meus pais não saiam à rua para nos impedir de ser crianças.
Muitas vezes descuidada na empolgação da correria, feri meus pés em espinhos, pequenos cacos de vidro. Simplesmente sentava-me no chão, retirava o espinho e saia a correr, sem sentir dor.
Ainda tenho algumas cicatrizes dos cortes em cacos de vidro. E me recordo dos sustos de minha mãe, quando era necessário ir ao pronto socorro, tirar um pedaço de vidro que teimosamente incrustrado, não querendo sair. Doía, mas me segurava, afinal a dor passaria, enquanto fazia esforço para não chorar, minha mãe se apiedava, e eu não levaria umas chineladas.
No dia seguinte, lá estava eu novamente, abandonando os chinelos ou tênis, largados na calçada. A liberdade de ter os pés libertos, sentindo a grama, a terra até mesmo o asfalto quente. Tudo valia a pena, o riso, as brincadeiras, a correria, eram recompensados com o esquecimento desses pequenos acidentes.
Depois de crescida, tomei modos como diria minha mãe, e só andava descalça na areia, quando ia à praia, sentido as ondas molhando os pés sedentos de liberdade. Adorava ver as águas imensas apagando minhas pegadas.
Adulta, calcei meus filhos, preocupando-me que pudessem ferir seus pés. Chinelos, sapatos, tênis, tudo para proteger meus rebentos.
Já não tinham a liberdade ilimitada de outros tempos; brincar na rua, só com a supervisão dos pais. Ficar na rua até tarde noite adentro, nem pensar! Nesses novos dias, com a insegurança instaurada em todos os lugares, não tinha jeito.
Infelizmente os tempos mudaram, a inocência da infância, dos que têm mais de 50 anos, ficou no passado.
Atualmente, pés descalços são sinônimos de pobreza, são marcas dos desprovidos, dos indigentes, ou dos inocentes que ainda tentam dar os primeiros passos. Não é mais legado de liberdade da infância , de banhos de chuva, corridas na enxurrada, uma liberdade descontraída e privilegiada.
Agora tenho sapatos demais, que me levam a tantos lugares, mas eles nunca me levarão aonde fui quando tinha os meus pés descalços…