As estações que habitam em mim
Ivete Rosa de Souza: Poema ‘As estações que habitam em mim’
Tenho em mim a primavera
Quando vejo meus filhos a sorrir
Valeu toda luta e toda espera
Parece que não vai mais existir
Tenho em mim o verão
Quente gostoso dos amores
Guardo bem fundo com emoção
O beijo queimando e seus sabores
Tenho em mim o outono
Doce lânguido perfumado
Que me leva além dos anos
E remete ao passado
Tem em mim o frio do inverno
Das dores e dissabores enciumados
Pois fiz do meu próprio inferno
Um caminho doce com cuidado
Tenho em mim todas as cores
Das estações e do tempo
Que muda de tom e odores
Leva ao vento o esquecimento
De tudo aquilo que sempre passa
Deixa na alma esperança e sabedoria
Tudo o que passa nos recomeça
Deixando enfim a nostalgia
Dentro de mim há um Universo
Que assim transbordo em poesia
E na magia única do meu verso
Desafio a vida com ventania ou calmaria.
Contato com a autora
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Cláudia de Almeida Carvalho: 'As quatro estações'*
“O vento soprou para longe as cerdas brancas e sedosas do ‘dente-de-leão’, erva daninha dos quintais da infância, desfazendo seu pompom ao tempo.”
A porta foi aberta em clima de entusiasmo e com os risos frouxos da manhã primaveril da alma.
Sisudas em sua fortaleza, as paredes desnudas anseiam em segredo para serem cobertas por uma galeria de fotos a lhes conferir a própria identidade.
Janelas se descortinando à invasão delicada da luz.
Tantos planos e sonhos acompanhando a procissão da caixaria a conter os mais diversos objetos para a cenografia de todo um espaço de vida.
E, no doce calor das promessas da juventude em seu arroubo, o amor testemunha a história a se deitar sobre as vidas que se comungam e se entrelaçam na dança do bem querer.
Os olhares, se cruzando cúmplices por cima das canecas do café fumegante, embaçados, de repente, pela poeira da viagem do relógio trotando pelo tempo.
Conversas agora em murmúrio, rompidas por choros noturnos, preparo de mamadeiras e outros cuidados infantis.
A estação agora é o verão, presente em toda a sua intensidade, onde o medo do escuro, os balões dos aniversários, as balas meladas e os desenhos nas paredes, cedem seus lugares à irreverência da juventude a gritar com seus sons e cores perante a vida, até que a maturidade, em seus passos largos, lhe firme o pilar do afeto verdadeiro onde sustentará as bases de sua existência munida de seus sonhos e planos próprios.
As paredes agora não têm mais rabiscos indecifráveis senão a coleção de retratos a tocar de nostalgia a alma, no silêncio da passividade do cotidiano a repousar tranquilamente nos braços do dever cumprido e do legado edificado.
Os curativos para os joelhos ralados, agora são substituídos pelo abraço do colo silencioso que embala a dor existencial para amenizá-la no coração do filho amado.
O vento soprou para longe as cerdas brancas e sedosas do “dente-de-leão”, erva daninha dos quintais da infância, desfazendo seu pompom ao tempo.
A casa, agora anciã, adquiriu vida própria aos sons dos risos e das dores, dos conflitos e do perdão, dos ganhos e das perdas, aos olhos dos desafios e da superação, do afeto e desafeto, testemunha fiel de uma história de vida como parte integrante de si mesma espalhada em cada canto e em cada objeto.
E a alma a habitá-la, no alívio culpado do descanso outonal, torcendo um pano de prato entre as mãos para escoar do tempo a monotonia das horas que não passam, à espreita da próxima e derradeira estação existencial, respira suas memórias impressas na atmosfera de sua morada que lhe sorri.
* Crônica publicada originariamente na Revista TOP da Cidade (Itapetininga/SP), edição nº 36 – fev/2018, da qual a autora é articulista.
Cláudia de Almeida Carvalho – claudiacarvalho.oab@gmail.com