Marcelo Augusto Paiva Pereira: 'O Estado contra as organizações criminosas'

Marcelo Paiva Pereira

O Estado contra as organizações criminosas

À luz da nossa Constituição Federal compete ao Estado garantir a segurança pública, através das instituições aparelhadas para essa finalidade, quais sejam, a polícia federal, a civil e militar e os corpos de bombeiros militares estaduais (CF, 144, ‘caput’, I a V). É dever do Estado e direito e responsabilidade de todos.

As instituições destinadas à segurança pública, integrantes do aparelhamento do Estado, submetem-se aos regramentos legais e administrativos expressamente previstos em lei, sob o efeito de responderem por crime de abuso de autoridade (Lei nº 13.869/2019), improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), por crimes previstos no CP, Parte Especial, Título XI, Capítulo I, arts. 312 a 327, além de outros em outras leis, se agirem fora das hipóteses legais permitidas ou excederem seus limites.

As normas atribuídas à elas fixam o poder de ação, na medida da tipificação das condutas e na razão da transparência que o poder público se obriga a ter em face da sociedade. À Administração Pública se aplicam os princípios constitucionais da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (CF, 37, ‘caput’), existentes na legislação pertinente.

Tais instituições, entretanto, carecem de pessoal e de condições materiais e econômicas, que enfraquecem o poder de ação contra a criminalidade e resultam no descompasso entre o cumprimento da lei por quem tem o dever legal de agir e o descumprimento dela por quem age na criminalidade.

A rapidez com que se desenvolvem as organizações criminosas se deve às condutas praticadas à margem da legislação institucionalizada pelo Estado. Os agentes delituosos não a obedecem, fazem as próprias leis em comum acordo sob o manto da confiança e fidelidade entre eles, que se unem sob interesses comuns.

À luz da Lei nº 12.850/2013, art. 1º, § 1º, a associação de quatro ou mais pessoas tipifica a organização criminosa, estruturada pela divisão de tarefas, com vistas à obtenção de vantagens de qualquer natureza mediante a prática de crimes com penas iguais ou superiores a 4 anos ou, então, de natureza transnacional (entre nações ou países).

Se a associação de quatro ou mais pessoas não tiver estrutura de divisão de tarefas, desaparece o tipo penal da organização criminosa e surge o tipo penal de quadrilha ou bando (CP, 288). Tais agentes delituosos continuam, entretanto, movidos por interesses comuns (cometer diversos crimes).

Os agentes delituosos atuam e adquirem os armamentos sem amparo legal, sem obediência à legislação e formam instituições paralelas ao Estado, que a este não se submetem nem se rendem. Ao contrário, medem forças por vezes em confrontos diretos, mediante tiroteios com armas de grosso calibre, enquanto os agentes do Estado os enfrentam com limitados recursos da Administração Pública.

Luiz Fernando da Costa (Fernandinho Beira-Mar, chefe do C.V – Comando Vermelho); Marcos Willians Hermes Camacho (Marcola, chefe do PCC – Primeiro Comanda da Capital) e Zé Roberto Fernandes Barbos (Compensa – chefe da FDN – Família do Norte)

Essa distância entre a segurança pública e as organizações criminosas repercute na sociedade, que se torna refém dos caprichos praticados pelos criminosos contra nós, às empresas e ao patrimônio através de diversas condutas, das quais estão os crimes cometidos no mundo real (furto, roubo, latrocínio, extorsão mediante sequestro, homicídio, estupro e etc.) e os crimes virtuais, cometidos na internet (estelionato, por exemplo).

Além desse descompasso também há a legislação penal, ao longo das décadas transformada numa colcha de retalhos por leis oportunistas apresentadas por políticos demagogos, que almejam o beneplácito da sociedade pela suposta eficiência no trato à criminalidade. São diplomas legais duvidosos, inadequados à punição dos criminosos e enfraquecem a força do Estado contra eles.

Deve-se lembrar que qualquer do povo tem o direito de denunciar à autoridade policial a ocorrência de algum crime (CPP, 5º, § 3º) ou provocar a iniciativa do Ministério Público (CPP, 27). Por outro lado, o CP, Parte Especial, Título XI, Capítulos II e II-A, arts.328 a 337-D, tipifica os crimes praticados pelo particular contra a Administração em geral. São direitos e responsabilidades que qualquer do povo tem por força de lei.

Por fim, para se fortalecer contra o crime organizado o Estado deverá aplicar mais recursos às suas instituições e aos seus agentes, criar leis penais mais severas contra os criminosos e reordenar a legislação penal. E a qualquer do povo cabe denunciar a ocorrência de algum crime à autoridade policial ou ao Ministério Público. Caso contrário, ficaremos à mercê dos caprichos dos agentes delituosos, ainda que o Estado os combata continuamente. Nada a mais.

 

Marcelo Augusto Paiva Pereira

colunista do jornal ROL.

 

 

 

 

 

 

 




Marcelo Paiva Pereira: 'O Estado e a Igreja'

Marcelo Augusto Paiva Pereira: ‘O ESTADO E A IGREJA’

Por mais de mil anos a Igreja e o Estado foram a mesma instituição, influindo nos costumes, na ordem jurídica e política dos países, como a coroação dos reis, os casamentos e os julgamentos pelo Tribunal Eclesiástico sob a égide do Direito Canônico. Mas, após séculos administrando a vida das pessoas e os países, a Revolução Francesa e Napoleão Bonaparte modificaram esse panorama, com efeitos até a época atual.

O Cristianismo adquiriu o “status” de religião do Estado quando de sua adoção oficial pelo Imperador Romano Teodósio I – com a publicação do Edito de Tessalônica (380) –, após Constantino (306 a 337) publicar o Edito de Nicéia (313) e fundar (324) a cidade de Constantinopla (atual Istambul) como sede, dela irradiando seu ordenamento jurídico e político no Império Romano que administrava.

Com o Papa São Gregório I, o Grande (590 a 604), Roma tornou-se a sede do Cristianismo, também trouxe para si a configuração de Estado procedente da institucionalização da referida religião (consagrada por Teodósio I) e irradiou-se mundo afora pela Igreja Católica, que admite o Papa como herdeiro de São Pedro na transmissão da Palavra Divina.

Desde o Edito de Tessalônica (380) até a Revolução Francesa (14.07.1789), foi o Cristianismo a religião oficial dos países, enquanto a Igreja Católica submeteu todos aos mandamentos das Sagradas Escrituras, suportes do Direito Canônico, dos Tribunais Eclesiásticos e do Santo Ofício, da coroação dos reis e de vários costumes daquele período.

A aludida revolução extinguiu o Antigo Regime, separou a Igreja do Estado, retirou do clero e da nobreza os privilégios da imunidade tributária e da propriedade de terras, permitiu suas aquisições pelos membros do terceiro estado (ou estamento) – dentre as quais a burguesia –, como também assegurou ao Estado a competência administrativa e política do país (afastando-as da Igreja) e instalou o governo popular (democracia).

Com o Golpe do Brumário (1799), Napoleão Bonaparte assumiu o controle da França com a inicial finalidade de assegurar o sucesso da Revolução. Nesse período (1799 – 1815) ele transformou em funcionários públicos todos os membros do clero existentes naquele país e publicou o Código Civil Francês (1804), que garantiu o direito de propriedade imobiliária a todos os franceses.

A separação institucional entre o Estado e a Igreja fez seu milenar “status” de Estado ser paulatinamente reduzido até as fronteiras do Vaticano (Tratado de Latrão, em 1929) e o Cristianismo deixou de ser fonte do ordenamento jurídico dos outros Estados: estes se tornaram laicos – sem religião oficial – permitindo-se divulgar ideias então censuradas.

Na época atual a Igreja Católica continua como Estado, exerce sua influência em relação aos seus fiéis e, também, na elaboração de normas de condutas morais, éticas e legislativas de vários Estados, mas sem o poder anteriormente existente porque os Estados conquistaram soberania própria perante a Igreja. Nada a mais.

Marcelo Augusto Paiva Pereira.

(o autor é advogado)