Fernando Matos: 'Ainda não é a hora'

Fernando Matos

Ainda não é a hora

Devemos ter cuidado como utilizamos o pincel da vida… Um detalhe poderá alterar a imagem por toda a eternidade. Novos alunos com novas expectativas e desafios, sim até porque noventa por cento deles já estão na área de saúde há muito tempo. O setor de emergência é sempre uma caixa de grandes surpresas e durante um plantão qualquer acontecimento poderá se transformar em um grande ensinamento.

Chegou a nossas mãos um paciente que havia tentado suicídio e nesse momento começamos a correr contra o tempo para reverter o quadro crítico. Na minha equipe de alunos havia pessoas que já trabalhavam como técnicos em enfermagem nas áreas de trauma e resgate, estando naquele momento participando do estágio de graduação para galgar mais um grande degrau na carreira profissional. Posicionamo-nos cada um no seu lugar de atuação, alguns tentando acesso venoso periférico, outros realizando aspiração de secreções uma vez que a vítima havia ingerido algum tipo de veneno ainda não identificado. Para isso, outro aluno foi em busca dessa informação para podermos agir conforme o protocolo. Entretanto, a equipe médica parecia não haver passado por esse evento ainda e buscava informações médicas em aplicativos na rede de computadores. Tudo bem cada um na sua área e a nossa de Enfermagem estava agindo corretamente apenas aguardando as médicas para a realização da EOT (Entubação Endotraqueal). Na primeira tentativa não houve êxito e na agitação que é peculiar da emergência a médica fez outra EOT sem tirar a anterior o que causou espanto em toda a equipe de enfermagem. Os olhares falavam muito, “dizer ou não dizer” que algo estava errado, optamos por dizer em prol do paciente. Foi feito a correção e a EOT funcionando perfeitamente. Agora a passagem de SNG aberta para retirada de fluidos e certos tipos de procedimentos não adianta ficar tenso ou com pressa de resolvê-lo. A colega enfermeira do plantão, de tão nervosa, não obteve bom resultado, então me ofereci para passar tendo êxito apenas com a ajuda dos meus alunos de graduação. Depois de todo o procedimento feito nos reunimos e conversamos sobre o ocorrido, fazendo um estudo de caso ali ao vivo e na hora o que nos foi uma experiência inenarrável. Durante o restante do nosso plantão na emergência o paciente manteve-se em estado instável e aguardando vaga em alguma de UTI do Serviço Público.

Quando todos estavam distantes a conversar sobre o assunto, cheguei mais próximo daquele cidadão que tentara contra sua própria vida e disse-lhe baixinho: Ainda não é a hora e acredite, você se livrou de um enorme pesadelo espiritual. Que os Anjos de Luz lhe guiem e lhe orientem. Não vai ser nada fácil, contudo, poderia ser muito mais difícil… Fica com Deus.

 

Fernando Matos

Poeta e Enfermeiro Pernambucano

Dr h.c. em Arte e Poesia

Dr h.c. em Comunicação Social

Fonte: http://contosdaenfermagem.blogspot.com.br/

Foto: Google Imagens

 

 

 

 

 

 




Celso Lungaretti: 'EM PLENA SÃO PAULO, HOSPITAL PÚBLICO TEM UTI PARA PACIENTES DA COVID-19 NA QUAL CERCA DE 90% DELES MORREM!!!

Celso Lungaretti

celso lungaretti
O HOSPITAL DA UTI MAIS MORTÍFERA VINHA
SENDO ALVO DE DENÚNCIAS HAVIA ANOS

Está no noticiário desta 2ª feira (3):

No hospital municipal Tide Setúbal, em São Miguel Paulista, zona leste da capital paulista, a mortalidade na UTI destinada a pacientes da Covid-19 chega a 90%, seguindo o cálculo da Agência Nacional de Saúde, que leva em conta número de óbitos dividido pelo número de mortes, altas e transferências somadas.

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Pelo menos numa de suas políticas o palhaço sinistro obteve êxito: no extermínio dos pobres. Pois a Covid-19 é tudo, menos democrática. Quando o pesadelo houver terminado, constataremos que os privilegiados tinham 10, 15, 20 vezes mais chances de se salvarem do que os coitadezas.

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LEMBRO-ME DE UMA SÃO MIGUEL CHEIA DE VIDA, NÃO DE MORTE – Conheci São Miguel Paulista aos 17 anos, em 1968. Eram de lá os irmãos Gílson e Gerson Theodoro de Oliveira e a Tereza Ângelo, namorada do Gerson. 

O Gilson trabalhava no centro financeiro de Sampa e, numa passeata em que nossa Frente Estudantil Secundarista distribuía panfletos sobre como atuava na zona Leste, ele veio apresentar-se a nós, que inicialmente o vimos com desconfiança por causa do terno elegante (seria do Dops?). 

Em pouco tempo, os três eram figuras de destaque no nosso agrupamento. E, nem um ano depois, eles estariam entre os oito que ingressamos na VPR.


Foi o que levou a nós, os da Mooca, até São Miguel, para reuniões com o trio na casa da família Oliveira e até para organizarmos a primeira paralisação de escolas da região. 

Gostava muito daquele bairro tão diferente dos habituais, praticamente um enclave nordestino em plena São Paulo. 

O povo zanzando pela praça aos sábados. O sotaque e as músicas diferentes. As barraquinhas em que um alfabetizado escrevia cartas que os analfabetos ditavam, para mandarem a suas famílias distantes (aqueles recados desajeitados me comoveram tanto quanto comoveriam os espectadores do filme Central do Brasil três décadas depois).


Havia vida em São Miguel Paulista, uma alegria tão espontânea, calorosa e singela que, para mim, foi como um símbolo daquilo por que lutava.

 

 

Se aquela gente sofrida conseguia ser efusiva e feliz apesar das tantas carências e ausências que suportava, merecia uma chance de viver livre das privações e das incertezas, sem ter de fugir da miséria para ter uma existência melhor ou de separar-se dos entes queridos para ir ganhar dinheiro em terras longínquas e enviar-lhes um tanto para sobreviverem.
Havia vida, repito, em São Miguel Paulista. A vida dos que viviam com quase nada e mesmo assim teimavam em viver, sempre esperando a bonança que nunca chegava. 
Meio século depois, nem mesmo a ilusão da espera restou para tantos deles. Pois lá é um bairro onde muito se morre, por causa da desumanidade extrema dos que tantos bens materiais possuem e, mesmo assim, não sabem viver nem têm empatia nenhuma com os outros seres humanos. 
(por Celso Lungaretti)

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