A educação como missão real

Alexandre Rurikovich Carvalho

‘A educação como missão real: a visão pedagógica de Dom Pedro II e a nobreza da docência’  

Dom Alexandre Rurikovich Carvalho
Dom Alexandre Rurikovich Carvalho
Retrato de Dom Pedro II em pose reflexiva, em estilo clássico do século XIX. O imperador é
representado em tons sépia, com gesto sereno e expressão contemplativa, simbolizando sua
admiração pela educação e pelo papel do professor.
Retrato de Dom Pedro II em pose reflexiva, em estilo clássico do século XIX. O imperador é
representado em tons sépia, com gesto sereno e expressão contemplativa, simbolizando sua
admiração pela educação e pelo papel do professor.

Resumo. O presente artigo analisa a célebre frase atribuída a Dom Pedro II — “Se não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro” — como expressão de um ideal humanista e civilizatório que marcou o Segundo Reinado brasileiro. Busca-se compreender o pensamento educacional do monarca, sua influência sobre o desenvolvimento da instrução pública e sua concepção do magistério como missão moral. A pesquisa, de caráter qualitativo e interpretativo, fundamenta-se em revisão bibliográfica e análise documental, contextualizando o imperador como patrono das letras, das ciências e das artes. Conclui-se que Dom Pedro II via na educação o instrumento fundamental para o progresso nacional e via o professor como o verdadeiro construtor do futuro.

Palavras-chave: Dom Pedro II; Educação; Docência; Humanismo; História da Educação Brasileira.

1. Introdução

A história da educação brasileira é inseparável da figura de Dom Pedro II (1825–1891), monarca que, mais do que governar, dedicou-se ao estudo, à cultura e à ciência. Sua frase — “Se não fosse imperador, desejaria ser professor” — ultrapassa o valor retórico e revela um ideal ético e pedagógico.
No contexto do século XIX, a afirmação de um soberano que via no magistério a mais nobre das profissões representa um marco de pensamento ilustrado e progressista. Para o imperador, educar era não apenas transmitir conhecimento, mas formar consciências e preparar cidadãos para o futuro da nação.

O presente artigo tem por objetivo analisar o significado dessa declaração e suas implicações para a história da educação no Brasil, discutindo as políticas culturais e o legado intelectual de Dom Pedro II à luz da pedagogia humanista e do papel transformador do professor.

2. Contexto Histórico e Intelectual do Segundo Reinado

Dom Pedro II ascendeu ao trono em 1840 e reinou até 1889, período conhecido como Segundo Reinado, marcado por estabilidade política, expansão econômica e florescimento cultural. Desde jovem, recebeu uma formação ampla e rigorosa, orientada por mestres como o padre Diogo Antônio Feijó, o marquês de Itanhaém e outros intelectuais de destaque da época. Dotado de notável inteligência e curiosidade intelectual, o monarca tornou-se poliglota, dominando mais de dez idiomas, entre eles o grego, o hebraico, o árabe e o tupi. Demonstrava grande apreço pelas ciências humanas e naturais, mantendo correspondência com personalidades científicas e literárias de renome mundial, como Victor Hugo, Louis Pasteur, Richard Wagner, Alexandre Dumas e Alexander von Humboldt, com quem trocava ideias sobre arte, filosofia e progresso técnico.

Segundo José Murilo de Carvalho (2007, p. 45), “Dom Pedro II foi um dos raros monarcas do século XIX cuja verdadeira paixão residia no conhecimento”. Essa paixão se refletiu em políticas que incentivaram o avanço educacional, artístico e científico no Brasil. O imperador foi patrono da Academia Brasileira de Letras e protetor de instituições culturais, como o Museu Nacional, a Biblioteca Nacional e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que desempenharam papel fundamental na construção da identidade nacional. Também estimulou o desenvolvimento de infraestruturas modernas, como o telégrafo, a ferrovia e a fotografia, introduzindo o país no contexto da modernidade oitocentista.

O Colégio Pedro II (1837), criado ainda durante o período regencial, mas consolidado sob seu patrocínio, tornou-se modelo de ensino secundário e referência de qualidade intelectual. Além disso, Dom Pedro II incentivou a criação de escolas normais para formação de professores, reconhecendo o magistério como pilar da civilização. Em carta de 1873, afirmou: “Nada eleva mais um povo do que o saber; e nada o degrada tanto quanto a ignorância”. Essa convicção de caráter iluminista o levou a patrocinar o estudo de jovens brasileiros na Europa, apoiando bolsas de estudo e missões pedagógicas, especialmente na França e na Alemanha, com o objetivo de trazer ao Brasil novas metodologias e paradigmas científicos.

A postura intelectual do monarca refletia uma visão cosmopolita e humanista, que conciliava tradição e progresso. Dom Pedro II via a cultura como instrumento de emancipação moral e política, acreditando que o conhecimento poderia elevar o Brasil ao patamar das nações mais civilizadas. Sob sua influência, o país vivenciou um período de efervescência intelectual, com o surgimento de revistas literárias, debates científicos e a consolidação de uma elite letrada comprometida com a modernização nacional.

3. A Concepção Humanista e Moral da Educação

A frase analisada neste estudo contém um núcleo filosófico que remete ao ideal humanista. Para Dom Pedro II, a educação deveria transcender o ensino de conteúdos e promover o desenvolvimento integral do ser humano. Tal perspectiva aproxima-se das ideias de Rousseau e Condorcet, para quem a instrução pública é condição essencial de liberdade e moralidade.

O imperador acreditava que o educador era o verdadeiro condutor do progresso nacional. Em discurso de 1876, declarou:

“Educar não é apenas instruir, mas formar o caráter. O mestre não ensina apenas o que sabe, mas o que é.”

Essa visão traduz um compromisso ético com a formação do cidadão e antecipa princípios pedagógicos que mais tarde seriam retomados por pensadores brasileiros como Rui Barbosa, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro.

Conforme Saviani (2007, p. 23), “a educação é sempre um ato político e moral”. Essa noção é coerente com o pensamento de Dom Pedro II, que via na docência uma missão espiritual, capaz de transformar o destino do país por meio da cultura e do conhecimento.

4. Políticas e Ações Educacionais de Dom Pedro II

O reinado de Dom Pedro II foi marcado por importantes iniciativas voltadas à disseminação do ensino, à valorização cultural e ao fortalecimento das instituições de saber. O monarca via a educação como base indispensável para o progresso moral e material da nação, e, por isso, adotou uma postura ativa na promoção de políticas públicas voltadas ao ensino, à ciência e às artes. Entre as principais ações, destacam-se:

  1. Criação e fortalecimento do Colégio Pedro II, que se tornou referência nacional em educação humanista e científica. A instituição foi concebida como modelo de excelência, com currículo abrangente que integrava disciplinas clássicas, línguas estrangeiras, filosofia, ciências naturais e história, formando gerações de intelectuais e estadistas. O próprio imperador acompanhava seu funcionamento, participando de cerimônias, visitando salas de aula e premiando alunos de destaque.
  2. Estímulo à formação docente, com a fundação de escolas normais em várias províncias, especialmente a partir da década de 1870. Dom Pedro II compreendia que o progresso do ensino dependia da qualificação do professorado, e incentivou reformas pedagógicas inspiradas em modelos europeus, como o francês e o alemão. Essas escolas tornaram-se centros de difusão de novas metodologias de ensino, contribuindo para o fortalecimento do magistério nacional.
  3. Apoio às instituições científicas e artísticas, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), o Museu Nacional, o Observatório Imperial do Rio de Janeiro e a Academia Imperial de Belas Artes. Sob seu patrocínio, tais instituições desempenharam papel fundamental na produção e preservação do conhecimento, além de promoverem o intercâmbio intelectual entre o Brasil e a Europa. O imperador também incentivou a realização de expedições científicas, especialmente nas áreas de botânica, geografia e arqueologia, consolidando o país como centro emergente de investigação científica no hemisfério sul.
  4. Patrocínio à imprensa, à difusão cultural e à tradução de obras científicas e literárias, ampliando o acesso ao conhecimento. Dom Pedro II acreditava que a circulação de ideias era essencial para o desenvolvimento do espírito público e da cidadania. Assim, apoiou publicações educativas, jornais literários e a tradução de textos fundamentais das ciências e das humanidades, aproximando o Brasil das grandes correntes de pensamento do século XIX.
  5. Concessão de bolsas de estudo no exterior, destinadas à formação de estudantes, engenheiros, artistas e professores brasileiros. Essa política contribuiu para a modernização das práticas pedagógicas e científicas nacionais, permitindo que o país assimilasse avanços tecnológicos e concepções filosóficas do Velho Mundo. Entre os bolsistas estavam nomes que mais tarde se destacariam no cenário intelectual brasileiro, colaborando com o projeto civilizatório de Dom Pedro II.

Como observa Lilia Moritz Schwarcz (1998, p. 112), “a figura do imperador confundia-se com a do intelectual, que fazia da cultura um instrumento de poder simbólico e de prestígio internacional”. Essa postura consolidou o Brasil como uma das monarquias mais cultas e respeitadas de seu tempo, distinguindo-se por seu compromisso com o saber e com a modernidade ilustrada. Além disso, o legado educacional e científico de Dom Pedro II ultrapassou as fronteiras do Império, sendo reconhecido por instituições estrangeiras como a Academia de Ciências de Paris e a Royal Society de Londres, das quais foi membro correspondente.

O conjunto dessas políticas demonstra que Dom Pedro II compreendia o conhecimento como elemento estruturante do Estado e via na educação o caminho para a emancipação do indivíduo e o engrandecimento da nação. Sua visão de governo, profundamente marcada pelo humanismo, pelo racionalismo e pela fé no progresso, deixou marcas duradouras no sistema educacional brasileiro e na construção de uma identidade cultural própria.

5. O Professor como Agente de Transformação

Ao declarar que desejaria ser professor, Dom Pedro II revela não apenas uma admiração pessoal pela docência, mas uma profunda compreensão do poder formador da palavra, do exemplo e da transmissão do conhecimento. Sua afirmação — “Se não fosse imperador, desejaria ser professor” — sintetiza uma visão de mundo iluminista e humanista, na qual o saber se coloca acima do poder e a educação é vista como instrumento de emancipação individual e social. Para o monarca, o verdadeiro governante e o verdadeiro mestre compartilham a mesma missão: “dirigir inteligências” e “preparar homens do futuro”, conduzindo o povo pelo caminho da razão e da virtude.

Essa concepção coloca o professor no centro do processo civilizatório, reconhecendo-o como figura essencial na formação moral e intelectual da sociedade. Assim como o monarca dirige a nação, o educador conduz as mentes — mas sua autoridade é moral, ética e intelectual, e não política. O imperador compreendia que a força de um país residia menos nas armas do que nas escolas, e que somente por meio da educação o Brasil poderia alcançar o patamar das nações civilizadas. Em diversos discursos, Dom Pedro II exaltou o magistério como “a mais nobre das profissões”, chegando a afirmar que “a ignorância é a verdadeira inimiga da liberdade”.

A figura do professor, portanto, era para Dom Pedro II símbolo do progresso, do altruísmo e da construção do caráter nacional. Ele via na docência não apenas uma função técnica, mas uma missão espiritual e patriótica, responsável por moldar consciências e cultivar valores éticos, científicos e humanísticos. Em várias ocasiões, o imperador fez questão de visitar escolas públicas e privadas, dialogando com mestres e alunos, e demonstrando sincero interesse pelo cotidiano do ensino. Seu respeito pelos professores era público e constante, o que contribuiu para elevar o prestígio moral da profissão em uma época ainda marcada pela desigualdade educacional e pela escassez de recursos didáticos.

Segundo Fernando de Azevedo (1958, p. 67), “a educação brasileira deve a Dom Pedro II o impulso inicial de seu despertar cultural e o prestígio moral do magistério”. Essa valorização do professor como guardião do saber e agente da transformação social permanece como um ideal a ser plenamente alcançado na contemporaneidade. O imperador antecipava, de certo modo, ideias que mais tarde seriam defendidas por educadores como Anísio Teixeira e Paulo Freire, ao considerar que ensinar é um ato de libertação e que a instrução popular é o caminho mais seguro para a justiça e o desenvolvimento.

O legado de Dom Pedro II, portanto, não se limita às reformas institucionais, mas estende-se à formação de uma mentalidade educacional que valoriza o conhecimento como bem supremo. Sua visão coloca o professor como mediador entre o saber e o cidadão, como aquele que constrói pontes entre o passado e o futuro, entre a tradição e a inovação. Ainda hoje, em tempos de desafios educacionais e crises de valores, o exemplo do “imperador professor” continua a inspirar a crença de que a transformação do mundo começa pela sala de aula.

6. Atualidade do Pensamento de Dom Pedro II

No século XXI, a profissão docente enfrenta desafios complexos e persistentes, como a desvalorização social, a precarização das condições de trabalho, a sobrecarga emocional e a carência de políticas públicas consistentes voltadas à formação continuada e à valorização salarial dos educadores. Em meio a esse cenário, a mensagem de Dom Pedro II adquire nova relevância, ressoando como um apelo ético, filosófico e simbólico em defesa do magistério e do papel essencial da educação na construção de uma sociedade justa e esclarecida. Sua célebre admiração pela docência — expressa na frase “Se não fosse imperador, desejaria ser professor” — transcende o tempo, reafirmando a dignidade e a missão humanizadora do ensino.

Para Dom Pedro II, ensinar era um ato de elevação moral, um compromisso com o progresso intelectual e espiritual do povo. Essa convicção, ancorada nos ideais iluministas e no humanismo cristão, encontra eco nas discussões pedagógicas contemporâneas sobre o papel transformador da educação. No mundo atual, marcado pela aceleração tecnológica, pela crise de valores e pela desigualdade de oportunidades, o pensamento do imperador permanece como referência de esperança e propósito: o conhecimento continua sendo a via mais segura para a liberdade e para o fortalecimento da cidadania.

Como afirmou Anísio Teixeira (1969, p. 14), “sem professores não há nação possível”. Essa máxima reforça o sentido atemporal da frase imperial: formar inteligências é formar o próprio destino de um povo. A educação, vista por Dom Pedro II como instrumento de emancipação e progresso, mantém-se o principal caminho para o desenvolvimento nacional. Sua postura de respeito à ciência, à cultura e ao magistério oferece um contraponto inspirador diante da crise de reconhecimento que hoje atinge os profissionais da educação.

A atualidade do pensamento de Dom Pedro II reside, portanto, em sua capacidade de articular valores éticos, políticos e culturais em torno da figura do professor e da centralidade da escola como espaço de formação cidadã. Ao reconhecer no educador o verdadeiro construtor da pátria, o imperador antecipou um ideal que atravessa gerações: o de que nenhum projeto de nação é sustentável sem investimento intelectual e moral em seus mestres.

Mais do que um legado histórico, sua visão constitui uma lição permanente de valorização, respeito e esperança. Em tempos de transformações globais, é urgente resgatar o espírito que animava o “imperador professor”: a crença de que educar é servir à humanidade, e que o saber, mais do que um privilégio, é um dever compartilhado entre governantes e cidadãos. Assim, o pensamento de Dom Pedro II continua a iluminar o presente, inspirando novas gerações de educadores a manter viva a fé na força transformadora da educação e no poder civilizador da palavra e do exemplo.

7. Considerações Finais

Dom Pedro II compreendia a educação como a verdadeira base de sustentação de um país civilizado. Sua frase sintetiza uma visão de mundo em que o saber é o mais elevado dos poderes e o professor, seu mais digno representante.
O imperador não via o trono como símbolo de dominação, mas como espaço de serviço à cultura e à ciência. Seu amor pelo ensino e sua admiração pelo professorado representam um legado moral e intelectual que ultrapassa os limites do tempo.
Ao desejar ser mestre, Dom Pedro II eternizou a imagem de um governante que acreditava no poder das ideias — e, sobretudo, no poder do educador de transformar o mundo.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Fernando de. A Cultura Brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1958.

CARVALHO, José Murilo de. Dom Pedro II: ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SAVIANI, Dermeval. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

TEIXEIRA, Anísio. Educação e o Mundo Moderno. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.BARROS, Maria do Carmo. O Ideal Educador de Dom Pedro II. Rio de Janeiro: MEC/INEP, 1989.

Alexandre Rurikovich Carvalho

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Dimensão social e humanista de Silvestre P. Ferreira (1769-1846)

Diamantino Loureiro Rodrigues de Bártolo: Artigo ‘Dimensão social e humanista de Silvestre P. Ferreira (1769-1846)’

Diamantino Bártolo

O século XVIII não esqueceu as artes, tais como a pintura, a escultura, a arquitetura, principalmente a partir da França e, poder-se-ia incluir aqui, a literatura, que teve grande destaque não só no país de Napoleão Bonaparte, como também na Inglaterra e na Alemanha.

É na França que as ‘Luzes’ têm o seu maior desenvolvimento, onde se localiza o seu epicentro, cujas coordenadas ideológicas fundamentais são: a) Fundar toda a organização política e social no reconhecimento dos direitos naturais do homem: a igualdade face à lei; respeito pela propriedade privada; liberdade de pensamento e de expressão; b) Oposição da religião natural à religião tradicional da Igreja, defesa do deísmo e críticas à superstição e temporalidade eclesiásticas; c) Defesa de uma moral natural, no sentido do dever, de se praticar o bem enquanto benéfico para os indivíduos e, não por medo ou horror ao pecado, demonstrando assim um certo pragmatismo, enquanto passantes efémeros e errantes pela terra; d) Crença nas virtudes da liberdade, da tolerância e do progresso.

Anuncia-se, assim, com as ‘Luzes’ (não no seu todo, mas em parte delas) o liberalismo do século XIX, a condenação da intolerância religiosa e do despotismo; inicia-se a propagação de um pensamento burguês, em ruptura com o sistema feudal e, a partir dos filósofos da época, desencadeiam-se movimentos reformadores e revolucionários.  

Outros eventos relevantes ocorreram no século XVIII, todavia, o objetivo aponta num outro sentido, que não apenas o filosófico-político-cultural, mas também a importância que teria tido o luso-brasileiro Pinheiro Ferreira, na maior implementação, cumprimento e aperfeiçoamento de uma educação para a cidadania e direitos humanos, no quadro de uma sociedade democrática e de liberdade plena, a partir das suas intervenções, e nos espaços com os quais há um passado comum, objetivamente como povos irmãos: Brasil e Portugal, no presente trabalho; Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa, numa perspectiva mais ampla e de curto prazo; cidadania universal como projeto final.

Não se estranhará que na primeira metade do século XIX, a importância de Silvestre Ferreira no Brasil tenha sido notória, ainda que, no Portugal metropolitano, não se haja verificado grande interesse pela sua obra e intervenção social. Goste-se ou não, das teses liberais, apoie-se ou não as filosofias tradicionais oficiais sobre política, educação e sociedade, não restam dúvidas acerca da postura global deste autor, cuja vida poderá constituir um estímulo na implementação de valores, que se consideram decisivos para a paz e justiça mundiais.

Em termos políticos, Silvestre Ferreira, fervoroso adepto do Constitucionalismo, tem um conceito de democracia que consiste na ausência de todo o privilégio. Um governo em que a lei não exclui ninguém do exercício de todo e qualquer direito político, a partir do momento em que tenha sido considerado apto pelos seus concidadãos, aqui residindo o princípio da igualdade como fundamento exclusivo das democracias.

A valorização das ciências sociais e morais por parte de Pinheiro Ferreira será uma constante, e a relação que ele estabelece entre estas e as ciências experimentais, permitirá esclarecer sobre a importância das primeiras, que considera encerrarem uma linguagem mais rica.

Na sua dimensão política, a filosofia de Silvestre Ferreira, será desenvolvida a partir do contributo que, na sua época, deu a Portugal e ao Brasil, escrevendo algumas obras que em pleno século XXI, se podem considerar estimulantes e inspiradoras, destacando-se aqui, salvo melhores e doutas opiniões, o “Manual do Cidadão em um Governo Representativo”, que tinha por objetivos: um sistema de governação pública; uma política de educação; a constituição dos vários poderes.

Apesar da notoriedade da sua obra filosófica no Brasil, o certo é que, à época, havia na então colónia portuguesa outro tipo de preocupações que não estimulavam o estudo de matérias humanístico-filosóficas; inversamente, os cursos de natureza prática e profissional suscitavam maior interesse, criando-se no mesmo ano em que a Corte Portuguesa se transferiu para o Rio: a Academia da Marinha, depois a Academia Real Militar, o curso de Cirurgia no Hospital Militar da Baía; os cursos de Anatomia, de Cirurgia e de Medicina, o Curso de Agricultura, Química, Geologia e Mineralogia; D. João VI estava mais sensibilizado para a criação de cursos práticos com vista à formação de técnicos e de especialistas, em ordem à satisfação das necessidades públicas mais prementes

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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