Papel couché

Evani Rocha: Conto ‘Papel couché

Evani Rocha
Evani Rocha
Imagem criada por IA do Canva – 23 de julho de 2025,
às 23h40

Sobre o papel couché desliza um pincel capcioso. A tinta fresca vai delineando caminhos, céu e mar. A mão áspera se movimenta, como que à espera da perfeita inspiração. Busca nas veias as cores do sangue: vermelho escarlate, cereja, ferrugem…

Sente na boca o gosto das tintas que compõem aquela imagem desfocada. E se não tivesse omitido? Talvez agora não teria que representar! Pois é inclemente, não é conveniente desvelar…

Por vezes, a mão cerrada escora o queixo fino e marcado. Os olhos úmidos não definem as imagens que se movem ao longe. Pensa que, talvez, seriam as flores amarelas dos ipês se desgarrando de sua mãe, cuja fortaleza lhe sustentou até o último momento…

Hoje caem desfalecidas e murchas. Sente-se murcha igual, fragmentada, desbotada como as flores que se entregam ao chão…

Há dias, como esse, que também gostaria de se entregar imersa, por inteiro, à terra escura dos rincões. Plantar-se ao solo, como as sementes adormecidas, aguardando o momento certo de nascer. Pensa que, talvez, seria bom renascer em outro hemisfério, outro continente, mas sabe que a essência nunca iria embora! Seria como uma só história, percorrendo diferentes caminhos. Seria como as águas doces, serpeando entre vales e escarpas, até por fim, entregarem-se vencidas ao mar.

É inútil apagar o rascunho, pois de alguma forma a pintura final seria o resultado de todos os esboços…

Lembra-se, que é quase agosto, o calor intenso lá fora faz um tempo reluzente. Mas dentro do peito parece haver um inverno sem fim. 

As mãos ainda hesitam, mesmo diante da abstração. Há muitas imagens e palavras em redemoinho em sua cabeça. Não tem certeza se deveria escrever ou desenhar…

As mechas onduladas dos cabelos caem sobre a face, desliza sobre os olhos e boca. Então, percebe a poeira levantando do terreiro batido, açoitada pelo vento. Imagina ser dona do vento, do céu e do mar; das montanhas e da florada dos ipês. Ser dona de todas as cores do arco-íris, da maciez do solo e do calor do sol! Mas, também é dela o veneno que a embriaga, que embarga a voz e turva os pensamentos…

Quer tudo de uma só vez, pois sabe que pode redesenhar seus caminhos. Ademais, entendeu que seu mundo tem as cores e o tamanho que cabem dentro de si, e que suas mãos forem capazes de alcançar!

Evani Rocha

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