Díptico Poético – Argumento e Vento
Ella Dominici: ‘Díptico Poético – Argumento e Vento’


às 17:51 PM
I – Ao Argumento
O homem foge à sombra que o consome,
mas traz nas mãos o rio que liberta;
entre prisão e morte ergue o nome
do verbo vivo em sua chama aberta.
Rouxinol e chave, em um só diadema,
sombra e clarão se unem no anel sagrado;
transborda a criação — fulgura o lema
do gesto imenso em sangue revelado.
Na aurora amarga a consciência nasce,
O fruto novo à dimensão se atreve;
real se rompe e o invisível enlace.
E o poeta, exilado, ainda escreve:
do ferro oculto, o fecho se desfaz,
mantendo o mundo aberto em sua paz.
II – À Jovem do Vento
Na encosta ardente, o vento se reclina,
e o campo exala um sopro em mimosas claras;
de súbito, surge a jovem peregrina,
em seus cabelos, as fragrâncias raras.
Passa em silêncio, e a tarde se ilumina,
riscando o céu com sombras que reparas;
seus passos leves — música divina —
deixam no chão auroras sempre caras.
Não digas nada: é crime o gesto ousado.
que o vento a guarde em sopro perfumado,
que a relva cale a lira de seus pés.
Talvez em seus lábios, bruma tão suave,
repouse a noite, em quimera breve,
em promessa oculta que se tece em véus.