É manhã Ainda sonhando com a noite enluarada E o céu estrelado Sinto os primeiros raios solares Refletindo em meus lençóis. E ouço os cânticos singelos dos pássaros E o ciciar das cigarras. Espreguiço-me lentamente Enquanto da cama me levanto. E sobre a camisola branca Coloco o meu roupão de seda Vou até a sacada. Caminho até a varanda Sento-me na espreguiçadeira. Olho o céu azul, E as ondas que batem nas pedras indefesas misturando-se à areia suave e límpida. A brisa que leve soa Traz o aroma das flores De todas as cores Dos jardins dali: Margaridas, girassóis Sempre-vivas, rosas, acácias e camélias Papoulas e ipês. Que paisagem encantadora! As folhas aplaudem Os beija-flores Enfeitam o ambiente Em um tom primaveril .
Comendadora Poetisa Sandra Albuquerque Rio de Janeiro,19 de setembro de 2024
Desfecho uma paragem Comendo as madrugadas dos meus sonhos Pela manhã do meu esforço matabixo Parece batota contar as entranhas dos golos Na barriga do estômago
Ir e ir a manhã me espera Reservada de metal Os dias crescem E a maldade diminui Mais uma roda de metal
O mambo aqui é duro para valer Bumbamos pela fé Vezes confundidos com delinquentes Acalmamos o espírito e seguimos mais uma jornada
Ânimo para cima Reviramos o clima Firmes na placa Entramos nesta pista Que alimenta o biva
Soldado Wandalika
Glossário
Matabixo. Almoço Batota. Mentira Golos. Acertar o alvo Mambo. No poema, situação, assunto Bumbamos. Trabalhamos Biva. Casa
Amanhece… O sol brilha! E a terra bronzeada pelo tempo, ao sabor do vento, no debruçar da manhã, desperta sorridente.
O rio, eterno cantor em seus murmúrios canta a cidade das rochas vestida de sonhos, poesias, e canções.
Na montanha rochosa, e da janela aberta do horizonte o Sol espreita inundado de poente e pelas cortinas douradas, sorri.
E à tardinha, pela vidraça entreaberta do ocaso, descortina-se a paradisíaca cidade-princesa, às margens do rio Velho Chico, no silêncio do entardecer.
Na quietude sorrateira do suave arrebol, um gemido sombrio: “só a ti hei de amar, minha Penedo, princesa do rio!”
Estou no centro da praça central de minha cidade. Manhã fresca de setembro. Céu de Brigadeiro.
E ali parado, sou um mero e curioso observador. Algumas pessoas cruzam por mim como que desenhando um ‘Jogo da Velha’ em direção a seus afazeres. Outras, prestam atenção à pregação de um evangélico. Outras fazem uma roda, em torno de um artista de rua. Algumas, sentadas nos bancos, simplesmente parecem tão somente descansar ou ‘jogar conversa fora’.
A praça central de minha cidade, naquele momento, me faz recordar de outra, que decantei em versos nos anos 80, quando estive na cidade de Santos, a trabalho.
Era a praça ‘Ruy Barbosa’. E inspirado nela, também como um mero e curioso observador, o papel deu à luz ao poema ‘Impressões da Praça’:
Velha praça de imortal nome!/ Encruzilhada de destinos/ Que correm paralelos/ Ou se entrecruzam/ Em eventuais encontros./ Velha praça de imortal nome! Onde os pássaros sufocam gorjeios/ Ao alarido de veículos céleres;/ Onde o trágico e o cômico se revezam/ Aos olhos transfixos dos transeuntes./ Velha praça,/ De novas emoções! Em seu solo vicejam/ Plantas e flores,/ Pegadas e frases/ Que Éolo mistura/ Em algaravias/ Que somente a brisa entende./ Os homens se esbarram,/ Mas não se tocam;/ Trocam ideias/ Ou falam a si mesmos./ As árvores cumprem seus destinos:/ Sombreiam, farfalham,/ Tingem a paisagem cinza citadina/ Com cores vivas;/ Mantêm colóquios misteriosos entre si;/ Brincam com anciões/ Recostados em alvos brancos,/ Derramando-lhes folhas soltas./ Velha praça de imortal nome!/ Ao dia, é vida e burburinho;/ À noite, é escura e melancólica;/ É abrigo de aves gárrulas;/ É repasto de pombos…/ E de sonhadores!
Volto o pensamento à praça de minha cidade. Observo seus frequentadores e aqueles que por ela apenas transitam de passagem. E sinto que tanto ela quanto a de todas as cidades de todos os lugares deste planeta têm uma espécie de ‘alma’. Uma alma em comum. E essa alma representa um emblema, um símbolo: o símbolo da alma humana. No seu ir e vir, de um lado a outro, pelos caminhos da vida, em busca de algo.
Mãe, sábia como a brisa da manhã, Traz consigo a luz que desfaz toda sombra, E no olhar, a ternura que acalma e embala, É amor que em cada gesto se assombra.
Mãe, força que se ergue em meio ao sertão, Como o rio que persiste e nunca se cansa, Em seu peito bate um coração valente, por seus filhos atravessa qualquer distância.
Mãe, flor do mais puro e raro jardim, Em suas mãos, pétalas que curam e afagam, No silêncio de seu abraço, o mundo se aquieta, E na voz que acalenta, a esperança se alaga.
Mãe, estrela-guia no céu do meu viver, Seu sorriso é farol que me guia pela vida, E mesmo quando a noite em mim descer, Será sua luz que a escuridão intimida.
MÃE, AMOR QUE NÃO SE MEDE, INFINITO. Que nos ensina a ser forte e a perdoar, No livro da vida, é você o mais bonito verso, E em cada palavra, um motivo para celebrar. Fátima Sá Paraíba- flor de mandacaru
Hoje parece que voltei ao tempo. Sentei-me bem cedinho numa praça onde costumava sentar, há mais de trinta anos. Vejo pessoas ensimesmadas, olhando ao longe, olhar perdido … o movimento de veículos ainda é calmo. Talvez, esse escasso silêncio da manhã permita que as pessoas se olhem, que olhem para dentro de si, nem que seja por alguns instantes.
Os pombos caminham entretidos bicando o chão à cata de algumas migalhas. As lojas vão se abrindo aos poucos, revelando as vitrines decoradas com cartazes promocionais.
Não tem nenhum sentido para mim.
Tudo parece correr em câmara lenta: A fachada cinza desbotada do antigo correio, os casarões ocre com enormes janelas de madeira, relembrando a época colonial. O coreto no centro da praça, manchado de branco. Suspeito que sejam fezes dos pombos, moradores que nunca abandonam esse lugar. Olho em volta, algumas pessoas aqui outras acolá, conversando. Vejo o movimento dos seus lábios, mas nada ouço. Imagino que esse dia, meio que mórbido, inspire a gente a falar da solidão, do cansaço, das horas que se arrastam para aqueles funcionários de lojas, de farmácias, para as pessoas em situação de rua…
Uma mulher enxuga os olhos, ela não conversava com ninguém, mas provavelmente hoje, ela tenha falado consigo mesma, mexido nas feridas que estavam camufladas pela ausência de atenção. Num canto da praça, de cabeça baixa, está um homem. Percebo que assobia baixinho e organiza uma série de bugigangas numa espécie de tela. É um vendedor na rua. A pele bem queimada de Sol, as vestes desgastadas e os cabelos arrumados em várias trancinhas que lhe caem sobre a testa. Quem saberia dizer o que pensa essa gente em situação de rua? Será que ele aguarda a lanchonete da esquina abrir para pedir um singelo cafezinho puro?
O silêncio vai embora preguiçoso. Bem que ele gostaria de ficar mais por aqui, porém, o movimento de transeuntes e automóveis já lhe obriga a deixar o posto. Eu continuo sentada com minha elucubração. Essa de ‘o silêncio querer ficar’ é por minha conta, pois tenho certeza que sou eu quem quer que ele fique pra sempre. Como para sempre parece ter ficado a cripta silenciosa da matriz. Imponente arquitetura, que teve início como uma simples capela no início do século dezoito, sendo reconstruída no ano de 1973. Tem seu belo altar adornado com pastilhas e a poderosa imagem do Senhor Bom Jesus, Padroeiro da Cidade.
Estou imaginando esses detalhes, porque já os vi em outra oportunidade. Mas agora vejo somente a suntuosa fachada formada por duas torres, e os grandes relógios marcando cada segundo que estiveram ali, presenciando o nascer do Sol, por muitas dezenas de anos. Eu creio que há clamores, murmúrios e orações circulando em cada cantinho dessa Igreja. Pairam no ar os lamentos, os pedidos, as dores dessa gente que não tem mais a quem recorrer…
Sim! A Matriz Nosso Senhor Bom Jesus de Cuiabá é um símbolo da arte religiosa do País, mais que isso! É um referencial identitário do povo dessa cidade.
Hoje, Arquidiocese da Capital, depois de passar por demolição, reconstrução e reformas que mudaram bastante suas características originais.
Como eu queria ter vivido nesses tempos do ouro, das ruelas de pedra, dos casarões de adobe com as portas e janelas escancaradas na rua. Dos enormes quintais e mangueirais. As casas não careciam de muro, a criançada podia brincar na rua sem medo. Tempo em que as coisas faziam mais sentido. Hoje, essas estruturas carregam apenas história. São histórias de luta sim, mas de vitória digna, de gente de verdade, de amor ao próximo, valores…
Observo as portas das lojas se abrirem por completo, o Sol alto indica que se inicia o horário comercial. Percebo uma agitação das pessoas que passam, algumas, quem sabe, atrasadas para bater o ponto no trabalho.
Os pombos ainda bicam por aqui, passam pertinho de mim. Eu acho que estou invisível nessa cidade, que agora acorda, barulhenta e veloz.
O sino não badalou, nem sei se ele ainda se dá ao trabalho de fazê-lo. Alguém estaria interessado em ouvir? Fico olhando o prédio descascado do antigo correio. Se me abstenho do presente, vejo ‘um entra e sai’ frenético de pessoas ali, nos anos oitenta.
A banquinha de revista da frente já não existe mais. Talvez o revisteiro não resistiu ao tempo, e se foi. Eu também tenho hora marcada para ir, mas ainda é cedo, posso ficar mais um pouco por aqui e esperar. Gostaria de ver os pesados janelões de madeira do museu se abrirem. Se puder, vou dar uma volta por lá, quem sabe eu consiga encontrar sentido nas peças históricas que resistem ao tempo e que, silenciosa e anonimamente, contam detalhes de uma época em que as pessoas tinham tempo de viver.