A cidade das máscaras partidas

Clayton alexandre Zocarato

Conto ‘A cidade das máscaras partidas’

Clayton Alexandre Zocarato
Clayton A. Zocarato
Imagem criada por IA do Grok

A cidade sempre foi uma cerimônia silenciosa. As pessoas caminhavam com passos iguais, ritmos iguais, rostos iguais. Não por natureza — mas por medo.

Eudoro, desde cedo, percebeu que a cidade só acolhia os que ofereciam um brilho sem fendas, uma docilidade sem hesitações, uma identidade sem rachaduras. E por isso, um dia, quando a exigência tornou-se insuportável, ele aceitou a máscara. 

Não uma máscara comum, mas um espelho vivo: um rosto oferecido à multidão, moldado pela fome invisível de ser aceito. Ele acreditava que a máscara era um instrumento. Não sabia que ela era um pacto.

Durante algum tempo, foi glorificado. A cidade o vestiu de aplausos, como quem veste um cordeiro de ouro para ocultar o medo da própria miséria. Filóstrato, o sacerdote da aparência, o guiava como guia um ator: 

“Mostra o que eles querem ver, Eudoro. A autenticidade é uma ousadia indecente. A máscara é o que protege.”

Eudoro acreditou.

No início, acreditou com a inocência dos que querem apenas pertencer. Mas a máscara, nutrida pelos desejos alheios, cresceu. Falava mais do que ele. Respirava antes dele. E um dia, no silêncio da noite, seu próprio eco já não obedecia ao seu passo.

Foi então que Lisandra surgiu — filósofa indesejada, amiga do que é nu, amante do que é verdadeiro. Ela não trouxe soluções. Trouxe apenas perguntas. E estas, quando chegam ao coração dos mascarados, doem mais que golpes.

“Quem és tu, Eudoro?”, ela lhe perguntou.

Ele, porém, não soube responder. A máscara respondeu por ele — e mentiu.

O banquete da cidade, certo dia, transformou-se em arena. Todos os olhares repousavam sobre o rosto impecável de Eudoro, e, mesmo assim, algo em seu peito implodiu. A máscara pulsou como um animal ferido, tentando dominar o que restava dele. E Eudoro fugiu, tropeçando entre colunas antigas, até encontrar a estátua esquecida de Aletheia, a deusa da verdade.

Ali, seu eco — aquela sombra da alma que o acompanhava desde a infância — finalmente falou. E não pediu. Acusou. Acusou-o de ter traído a criança que foi. Acusou-o de ter preferido aplausos a autenticidade. Acusou-o de ter deixado que o medo escolhesse por ele.

Eudoro caiu de joelhos. A máscara advertiu: “Sem mim, tu não sobrevives.”

Filóstrato ordenou: “Sem a máscara, tu és ameaça.”

A multidão sussurrou: “Sem ela, não confiamos.”

Lisandra, porém, sussurrou outra coisa: “A verdade dói, Eudoro. Mas a mentira te consome.”

E foi nessa fissura — entre o medo e o possível — que ele pela primeira vez tentou arrancá-la.

A máscara, agarrada à pele, gritou como fera que enfrenta a morte. Mas cedeu. E rachou.

A cidade viu. E a cidade, ao ver, temeu. pois nada assusta mais o coletivo do que um indivíduo que deixa de representar.

Na manhã seguinte, a ágora inteira estava tomada. Cidadãos erguiam dedos acusadores, como se o rosto de Eudoro — humano, imperfeito, vulnerável — fosse uma heresia. Filóstrato discursou como quem protege a ordem: “Se ele pode tirar a máscara, todos podem. E se todos podem, quem poderemos ser nós?”

O pavor se espalhou como peste — não o pavor de Eudoro, mas o pavor de reconhecerem-se como igualmente mascarados.

Então Eudoro falou.

Pela primeira vez, falaram seus pulmões, e não a máscara.

“Vocês temem que eu mude… porque não suportam mudar também.”

A multidão recuou.

Mas o decreto veio: exílio.

A cidade não suporta quem abandona o teatro social.

Lisandra quis segui-lo.

Ele recusou — não por desamor, mas por gratidão.

“Tu ficas, Lisandra. Ensina-os a pensar. Eu vou, porque preciso aprender a existir.”

E no centro da praça, sob a noite que parecia uma ferida aberta, Eudoro largou no chão as duas metades de sua máscara. Filóstrato gritou, como quem vê um templo ruir. A multidão silenciou, como testemunha de um crime sagrado. Mas Eudoro sorriu — um sorriso sem espetáculo, sem plateia, sem aprovação.

“Ser eu mesmo custou tudo”, murmurou. “Mas tudo que perdi… eu já não era.”

E caminhou rumo ao escuro.

Sem rosto artificial.

Sem testemunhas.

Sem aplausos.

E, pela primeira vez, sem medo.

A cidade, atrás dele, respirava fundo — não em alívio, mas em ameaça, pois agora sabiam: a liberdade era possível. E nada é mais perigoso que um homem que provou a si mesmo.

O Coro acompanhou sua partida com um canto grave: *“O homem que retira a própria máscara não desafia o mundo — desafia a si mesmo. E, ao derrotar sua mentira,

enfrenta o único destino humano: aquele que não cabe no rosto que lhe deram, mas no rosto que descobriu que tem.”*

Então as tochas se apagaram. Eudoro desapareceu entre sombras.

Mas sua ausência ressoou. Sua coragem tornoA cidade sempre foi uma cerimônia silenciosa.
As pessoas caminhavam com passos iguais, ritmos iguais, rostos iguais.
Não por natureza — mas por medo.

Eudoro, desde cedo, percebeu que a cidade só acolhia os que ofereciam um brilho sem fendas, uma docilidade sem hesitações, uma identidade sem rachaduras. E por isso, um dia, quando a exigência tornou-se insuportável, ele aceitou a máscara.
Não uma máscara comum, mas um espelho vivo: um rosto oferecido à multidão, moldado pela fome invisível de ser aceito.

Ele acreditava que a máscara era um instrumento.
Não sabia que ela era um pacto.

Durante algum tempo, foi glorificado. A cidade o vestiu de aplausos, como quem veste um cordeiro de ouro para ocultar o medo da própria miséria. Filóstrato, o sacerdote da aparência, o guiava como guia um ator:
Mostra o que eles querem ver, Eudoro. A autenticidade é uma ousadia indecente. A máscara é o que protege.”

Eudoro acreditou.
No início, acreditou com a inocência dos que querem apenas pertencer.
Mas a máscara, nutrida pelos desejos alheios, cresceu. Falava mais do que ele. Respirava antes dele. E um dia, no silêncio da noite, seu próprio eco já não obedecia ao seu passo.

Foi então que Lisandra surgiu — filósofa indesejada, amiga do que é nu, amante do que é verdadeiro. Ela não trouxe soluções. Trouxe apenas perguntas. E estas, quando chegam ao coração dos mascarados, doem mais que golpes.

“Quem és tu, Eudoro?”, ela lhe perguntou.
Ele, porém, não soube responder.
A máscara respondeu por ele — e mentiu.

O banquete da cidade, certo dia, transformou-se em arena. Todos os olhares repousavam sobre o rosto impecável de Eudoro, e, mesmo assim, algo em seu peito implodiu. A máscara pulsou como um animal ferido, tentando dominar o que restava dele. E Eudoro fugiu, tropeçando entre colunas antigas, até encontrar a estátua esquecida de Aletheia, a deusa da verdade.

Ali, seu eco — aquela sombra da alma que o acompanhava desde a infância — finalmente falou.
E não pediu. Acusou. Acusou-o de ter traído a criança que foi. Acusou-o de ter preferido aplausos a autenticidade. Acusou-o de ter deixado que o medo escolhesse por ele.

Eudoro caiu de joelhos.
A máscara advertiu: “Sem mim, tu não sobrevives.”
Filóstrato ordenou: “Sem a máscara, tu és ameaça.”
A multidão sussurrou: “Sem ela, não confiamos.”

Lisandra, porém, sussurrou outra coisa:
“A verdade dói, Eudoro. Mas a mentira te consome.”

E foi nessa fissura — entre o medo e o possível — que ele pela primeira vez tentou arrancá-la.
A máscara, agarrada à pele, gritou como fera que enfrenta a morte. Mas cedeu. E rachou.

A cidade viu. E a cidade, ao ver, temeu., porquanto nada assusta mais o coletivo do que um indivíduo que deixa de representar.

Na manhã seguinte, a ágora inteira estava tomada. Cidadãos erguiam dedos acusadores, como se o rosto de Eudoro — humano, imperfeito, vulnerável — fosse uma heresia. Filóstrato discursou como quem protege a ordem: “Se ele pode tirar a máscara, todos podem. E se todos podem, quem poderemos ser nós?”

O pavor se espalhou como peste — não o pavor de Eudoro, mas o pavor de reconhecerem-se como igualmente mascarados.

Então Eudoro falou. Pela primeira vez, falaram seus pulmões, e não a máscara: “Vocês temem que eu mude… porque não suportam mudar também.”

A multidão recuou. Mas o decreto veio: exílio. A cidade não suporta quem abandona o teatro social.

Lisandra quis segui-lo. Ele recusou — não por desamor, mas por gratidão. “Tu ficas, Lisandra. Ensina-os a pensar. Eu vou, porque preciso aprender a existir.”

E no centro da praça, sob a noite que parecia uma ferida aberta, Eudoro largou no chão as duas metades de sua máscara. Filóstrato gritou, como quem vê um templo ruir. A multidão silenciou, como testemunha de um crime sagrado. Mas Eudoro sorriu — um sorriso sem espetáculo, sem plateia, sem aprovação.

“Ser eu mesmo custou tudo”, murmurou. “Mas tudo que perdi… eu já não era.” E caminhou rumo ao escuro. Sem rosto artificial. Sem testemunhas. Sem aplausos. E, pela primeira vez, sem medo.

A cidade, atrás dele, respirava fundo — não em alívio, mas em ameaça, pois agora sabia: a liberdade era possível. E nada é mais perigoso que um homem que provou a si mesmo.

O Coro acompanhou sua partida com um canto grave: *“O homem que retira a própria máscara não desafia o mundo — desafia a si mesmo. E, ao derrotar sua mentira, enfrenta o único destino humano: aquele que não cabe no rosto que lhe deram, mas no rosto que descobriu que tem.”*

Então as tochas se apagaram. Eudoro desapareceu entre sombras. Mas sua ausência ressoou. Sua coragem tornou-se ferida e profecia. E a cidade, pela primeira vez, sentiu-se nua, porque, diante de um homem inteiro, todos os mascarados tremem.u-se ferida e profecia.

E a cidade, pela primeira vez, sentiu-se nua, porque, diante de um homem inteiro, todos os mascarados tremem.

Clayton Alexandre Zocarato

Voltar

Facebook




Resistência

Loide Afonso: Poema ‘Resistência’

Loid Portugal
Loid Portugal
Imagem criada por IA do Grok

Tum tum
Tum tum
Dois batimentos por vez
Foi assim que
Eu senti
Meu coração bater

Sabes quantos segundos tem um milésimo?

Não.
Ou talvez saibas
Será que Pitágoras sabia?

Pode ser que sim
Pode ser que sim
Que não
Ou meio sim
Meio não

Só lembro das batidas
Como se eu fosse
Ter um ataque
Ataque de realidade
Isto existe?

Tabom, vou ser mais prática
Talvez foi
De pânico
Mais não senti medo
Dor
Nem angústia

Foi seco
Sem cheiro
Cor
Ou sistemático

Alguém aquí já esteve num terramoto?

Se nunca esteve, nunca saberá
Bem, não vou me revelar contra
O sistema.

Já passou.

Loid Portugal

Voltar

Facebook




Minh’alma de menino

Paulo Siuves: Poema ‘Minh’alma de menino’

Paulo Siuves
Paulo Siuves
Imagem gerada pela IA Gemini
Imagem gerada pela IA Gemini

O seu passo tem um jeito
de apagar o meu.
Não é medo —
mas é quase,
um tropeço dentro de mim.

Você chega perto
e eu viro menino.
A orelha esquenta,
o olho foge,
para qualquer canto
que não sejam os seus olhos.

É como quando eu ficava
na porta da sala
espiando a tia bonita,
o coração feito tambor,
a garganta fechada demais
a boca sem coragem
para inventar conversa.

Você diz “oi”
e tudo o que penso
escapa pela fresta da vergonha.
Fico ali, imóvel,
meio bobo,
tentando sorrir
sem mostrar o susto.

E, no fundo, sei:
você me intimida.

Paulo Siuves

Voltar

Facebook




Eterna Chegada

Clayton Alexandre Zocarato: Poema ‘Eterna chegada’

Clayton Alexandre Zocarato
Clayton A. Zocarato
Imagem criada por IA do Bing – 11 de junho de 2025,
às 11:40 PM

Você chegou… e o tempo se curvou,
Na curva da rua onde o Sol já pousou.
Mas não ficou — e ainda assim ficou
Num canto da alma que nunca cessou.

A casa vazia sussurra seu nome,
A estrada repete o som que consome.
O menino que sonha em corpo de homem
Ainda chora onde o silêncio some.

Você chegou — mas o medo ficou,
Meu orgulho pueril, o amor sufocou.
E agora nas noites, a dor me levou
A lembrar do sorriso que o tempo apagou.

Seus olhos castanhos, minha perdição,
Neles naveguei sem direção.
Amar em silêncio foi minha prisão,
Um grito calado, um gesto em vão.

Mas ainda te vejo nos sonhos que vêm,
Na sombra da tarde, no passo de alguém.
Você é a chegada que não tem porém,
A eterna namorada do meu além.

Clayton Alexandre Zocarato

Voltar

Facebook




Poetizo, logo existo – XI

Pietro Costa: Pensamento ‘Poetizo, logo existo – XI’

Pietro Costa
Pietro Costa
Imagem criada por IA do Bing - 10 de junho de 2025,  às 14:36 PM
Imagem criada por IA do Bing – 10 de junho de 2025,
às 14:36 PM

O medo é o pai da audácia, e seu principal algoz.

Pietro Costa

Voltar

Facebook

image_print




Meu coração na sua mão

Verônica Moreira: Poema ‘Meu coração na sua mão’

Verônica Moreira
Verônica Moreira
Criador de imagem do Bing - 24 de abril de 2025, às 12:51 PM
Criador de imagem do Bing – 24 de abril de 2025, às 12:51 PM

Meu coração ficou ali, na sua mão.
Eu senti quando você o acolheu.
Ao mesmo tempo, senti o frio do medo.

Com um toque, tive esperança.
Senti o calor da sua mão segurando a minha.
Mas como é doloroso ter que soltar sua mão!

Ah, meu amor…
Se você soubesse o quanto o amo,
não me deixaria arriscar morrer sem o sentir.

Tenho certeza do que sinto.
E, se não fosse tão escuro e apertado o meu esconderijo,
eu o buscaria hoje mesmo pra morar comigo.

Queria uma casinha só nossa,
com varanda para vermos o Sol nascer.

Como eu desejo deitar-me nos seus braços
e deixar-me envolver para sempre no seu colo.

Meus dias estão contados,
como os segundos que sonhei,
segurando suas mãos entre as minhas.

Estavam frias, eu sei…
Mas meu coração fervia de emoção.
Meus pensamentos voaram para um encontro nosso —
um encontro cheio de emoções,
carícias e beijos que saciam a sede de amor.

Verônica Moreira

Voltar

Facebook




Ressonância surda

Pietro Costa: Poema ‘Ressonância surda’

Pietro Costa
Pietro Costa
Imagem criada por IA no Bing – 18 de março de 2025,
às 14:12 PM

E no medo esbraseante, olhar cala,
O incêndio do tempo a nos derruir,
Rimas sepultas, a agonia fala,
A memória jaz, vazios fruir.

A casa mental, medo na antessala,
Largos desvãos, vãos, a nos obstruir,
A alma exaurida segue para a vala,
Em passos ágeis, vida a precluir.

Sinos dobram – reverência à sorte,
No som do silêncio, uma força eclode:
Ressonância surda que abafa a morte.

Palavras não ditas, insurgente ode
À pulsão de propagar a voz forte
Da poesia, refúgio que acode!!

Pietro Costa

Voltar

Facebook