A Verdadeira Dor

Bianca Agnelli
‘Entre primos e memórias: O caos irresistível de
A Verdadeira Dor’

Card da matéria sobre o filme ' 'Entre primos e memórias: O caos irresistível de A Verdadeira Dor'
Card da matéria sobre o filme ‘ ‘Entre primos e memórias: O caos irresistível de A Verdadeira Dor’

Gosto quando o cinema fala de solidão, de vidas errantes, de personagens complicados e de coisas difíceis. E quando consegue falar disso com leveza, para mim, é sempre um sim.

A Real Pain (A Verdadeira Dor) aborda exatamente esses temas existenciais – e o faz com aquela elegância imperfeita das pessoas que falam de sentimentos importantes fingindo que não estão falando de nada sério. Dirigido e escrito por Jesse Eisenberg, que também interpreta um dos protagonistas, o filme nos leva a refletir sobre algumas questões emocionalmente complexas. A genealogia, por exemplo: quem disse que é sempre algo feliz? Spoiler: quase nunca é.

Descobrir onde sua avó viveu pode ser menos épico do que você imaginava – e mais… decepcionante. Ou pelo menos é assim para Benji (Kieran Culkin) e David (Jesse Eisenberg), dois primos opostos que embarcam em uma viagem à Polônia para homenagear a avó falecida. A missão parece simples: honrar as raízes familiares. A realidade, como tantas vezes acontece, é bem mais contorcida.

Benji é um vulcão que ainda não decidiu se vai explodir ou não; David é aquele que organiza tudo, inclusive as emoções, como se fossem e-mails a arquivar. Observá-los interagir é como ver um elástico se esticando: dois extremos que se atraem e se repelem, oscilando entre sarcasmo e afeto, irritação e cumplicidade. Ao acompanhar essa peregrinação emocional, você inevitavelmente reconhece uma parte dessa dinâmica em algum relacionamento seu: o caos contra a compostura, a risada que mascara o desconforto e a paciência sendo levada ao limite.

Entre um tour guiado, um hotel que parece gritar “tapetes tristes e luzes brancas demais”, e uma série de momentos de convivência estranhamente ternos e disfuncionais, o filme constrói um diálogo invisível entre os protagonistas e revela um vínculo mais profundo do que ambos gostariam de admitir – narrado através de gestos, silêncios e frases cortadas. Porque certos afetos nunca são ditos de verdade: apenas escapam, como fumaça por uma janela mal fechada.

E então chegamos ao cerne da questão – àquela pergunta que talvez fosse melhor não fazer: qual é o seu direito à felicidade? E se, mesmo tendo todo direito e toda oportunidade, você simplesmente não conseguisse ser feliz?

David é o homem “estabilizado”, com esposa e filhos, que seguiu todas as instruções do manual. Benji é a faísca – o homem imaturo que tropeçou em vícios, depressão e dor, e ainda por cima ri disso.

A felicidade, neste filme e na vida real, é caprichosa, às vezes ausente, e quase sempre difícil de segurar. Sabemos que ela não se distribui com base em méritos ou currículos emocionais, e o filme nos leva a refletir sobre quanto a memória transgeracional pesa nisso: o que significa ser neto de sobreviventes, e como as gerações seguintes herdam (e muitas vezes rejeitam) esse passado.

A interpretação extraordinária e genuína de Kieran Culkin, com seu Benji adorável e igualmente problemático, lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator Protagonista na 97th Academy Awards deste ano.

Para escrever o filme, Eisenberg declarou ter se inspirado em experiências familiares e pessoais, especialmente no tema da memória judaica e nos laços entre irmãos. Um experimento cuidadosamente conduzido – e premiado no Sundance Film Festival 2024, onde recebeu o Waldo Salt Screenwriting Award na seção U.S. Dramatic.

O filme também levou dois prêmios no British Academy of Film and Television Arts (BAFTA): Melhor Ator Coadjuvante para Kieran Culkin e Melhor Roteiro Original para Jesse Eisenberg.

Na direção, Eisenberg escolhe uma leveza que não suaviza, mas aprofunda. Ele usa a Polônia não como cartão-postal, mas como um lugar de memória viva – cheio de arestas, silêncios e uma história que resiste à ordem. A visita ao campo de concentração não é um clímax retórico: é uma pausa em que a realidade se impõe em toda a sua gravidade, sem música nem palavras, em uma sequência inesquecível que nos mantém presos à tela em silêncio.

Eisenberg assina um filme compacto – 90 minutos de precisão cirúrgica – mas cheio de fissuras emocionais, ritmos desalinhados e ironia cuidadosamente medida. Ele não busca a catarse: a evita com elegância. Assim, em vez de um final feliz, nos entrega um aftertaste: uma sensação agridoce que permanece na boca como uma lembrança teimosa, daquelas que não desaparecem depois dos créditos finais.

A Real Pain não pretende curar ninguém. Convida-nos, sobretudo, a permanecer nesse ponto desconfortável onde a memória encontra a ironia, onde o riso não apaga a dor – apenas a torna suportável. Porque existir não é fácil, e certos dramas existenciais são, sim, um privilégio dos afortunados. E porque – sejamos honestos – nem toda viagem tem um destino. Algumas terminam exatamente onde começaram: dentro de nós, com aquela sensação precisa de que a vida, com todas as suas complicações, é mesmo… uma verdadeira dor.

Bianca Agnelli

Tra cugini, fermate perse e memoria transgenerazionale: L’irresistibile caos di A Real Pain

A Real Pain affronta proprio questi temi esistenziali, e lo fa con quella grazia sghemba delle persone che parlano di sentimenti importanti fingendo di non farlo davvero. Diretto e scritto da Jesse Eisenberg, che interpreta anche uno dei protagonisti, il film ci fa riflettere su giusto un paio di questioni emotivamente complesse. La genealogia, per esempio: chi l’ha detto che è sempre una cosa felice? Spoiler: non lo è quasi mai.

Scoprire dove viveva tua nonna può rivelarsi meno epico di quanto potessi immaginare e più… deludente. O almeno lo è per Benji (Kieran Culkin) e David (Jesse Eisenberg), due cugini agli antipodi che intraprendono un tour in Polonia per rendere omaggio alla loro nonna defunta. La missione è semplice: onorare le radici familiari. La realtà, come spesso accade, è più contorta.

Benji è un vulcano che non ha ancora deciso se esplodere o no; David è quello che mette ordine e controlla le emozioni come fossero email da archiviare. Guardarli interagire è come osservare un elastico che si tende: due estremi che si attraggono e si respingono, oscillando tra sarcasmo e affetto, irritazione e complicità. Osservandoli in questo pellegrinaggio emotivo, ti ritrovi a riconoscere almeno un pezzetto di quella dinamica in qualche tua relazione passata; il caos contro la compostezza, la risata che nasconde il malessere e la pazienza messa a dura prova.

Tra un tour guidato, un hotel che sembra urlare «tappeti tristi e luci troppo bianche», una serie di momenti di convivenza bizzarra e teneramente disfunzionale, il film costruisce un dialogo invisibile tra i due protagonisti e mostra un legame più profondo di quanto entrambi vorrebbero ammettere, raccontato attraverso gesti, silenzi e battute smozzicate… perché certi affetti non si dicono mai davvero: si lasciano trapelare, come fumo da una finestra chiusa male.

E poi arriviamo dritti al punto, alla domanda che forse sarebbe meglio non porsi: quanto diritto hai di essere felice? E se, pur avendone ogni diritto e possibilità, semplicemente non ci riuscissi

David è l’uomo sistemato, con moglie e figli, quello che ha seguito le istruzioni alla lettera. Benji è la scheggia, l’uomo immaturo che nella vita è inciampato nelle dipendenze, nella depressione e nel dolore, e ci ride pure. 

La felicità, in questo film e nella vita reale, è capricciosa, a volte assente, e in ogni caso difficile da tenersi stretta. Sappiamo che non si concede in base a meriti o curriculum emotivi, e siamo spinti a chiederci quanto la memoria transgenerazionale incida su essa: interrogarci su cosa significhi essere nipoti di sopravvissuti, e su come le vite successive ereditino (e spesso rifiutino) quel passato. L’interpretazione straordinaria e sincera che Kieran Culkin ci ha servito con il suo adorabile ed altrettanto problematico Benji, gli è valsa l’Oscar come migliore attore protagonista ai 97th Academy Awards di quest’anno.

Eisenberg, per la scrittura del film, ha dichiarato di essersi ispirato a esperienze familiari e personali, in particolare al tema della memoria ebraica e dei legami tra fratelli. Un esperimento sapientemente condotto, direi, che è stato premiato al Sundance Film Festival 2024, ottenendo il Waldo Salt Screenwriting Award nella sezione U.S. Dramatic.  

Anche ai British Academy of Film and Television Arts (BAFTA) il film ha ricevuto due premi: quello per il Miglior Attore Non Protagonista a Kieran Culkin e per la Migliore Sceneggiatura Originale a Jesse Eisenberg.  

Eisenberg, alla regia, sceglie una leggerezza che non alleggerisce ma approfondisce. Usa la Polonia non come cartolina ma come luogo di memoria viva – pieno di spigoli, silenzi, e storia che non si lascia mettere in ordine. La visita al campo di concentramento non è un climax retorico: è una pausa di realtà che si impone in tutta la sua gravità, senza musica né parole, in una sequenza memorabile di scene che ci tiene silenziosamente incollati allo schermo.

Eisenberg firma un film compatto – 90 minuti di misura chirurgica – ma denso di crepe emotive, ritmi sbilanciati e ironia ben dosata. Non cerca la catarsi: la evita con eleganza. E così, invece di un lieto fine, ci regala un aftertaste: una sensazione agrodolce che rimane in bocca come un ricordo ostinato, di quelli che non svaniscono dopo i titoli di coda.

A Real Pain non vuole guarire nessuno. Ci invita piuttosto a stare in quel punto scomodo dove la memoria incontra l’ironia, dove le risate non cancellano il dolore ma lo rendono sopportabile. Perché esistere non è facile, e certe seghe mentali restano privilegio dei fortunati. E perché – diciamolo – non ogni viaggio ha una destinazione. Alcuni finiscono dove cominciano: dentro di noi, con quella sensazione puntuale che la vita con tutte le sue complicazioni sia, sì, una vera seccatura. 

Bianca Agnelli

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Nossos carnavais passados

Verônica Moreira: Crônica ‘Nossos carnavais passados’

Verônica Moreira
Verônica Moreira
No centro, Conceição Imaculada da Silva Moreira, mãe da autora
No centro, Conceição Imaculada da Silva Moreira,
mãe da autora

Era o período do Carnaval em Caratinga. Eu sempre gostei dessa festa popular, mas tinha certa aversão a me fantasiar. Talvez porque nunca pudesse escolher minha própria fantasia. E, infelizmente, meus pais eram fãs de maquiagem, algo que eu não suportava! Às vezes, até apreciava as fantasias que escolhiam para mim, porém detestava essa ideia de usar a tal maquiagem. Todo Carnaval era uma verdadeira peça de teatro: lá íamos nós, agradando a todos, mas não a nós mesmos. Eu, apenas uma menininha, de cabelos compridos e pernas finas, desfilando por horas na Avenida Catarina Cimini, onde aconteciam os desfiles.

Minha mãe adorava desfilar, e eu achava incríveis os vestidos que ela usava, cada ano com um modelo diferente, porém todos luxuosos, com lantejoulas e pedras. Alguns eram enfeitados apenas com penas de ganso, e como eram maravilhosos!

Acredito que, no último desfile da Mangueira em Caratinga, minha mãe vestiu uma fantasia e saiu como destaque na ala das baianas, e eu ficava encantada com o entusiasmo dos meus pais. No entanto, esse desfile teve um significado especial para nós, irmãos, e vou explicar o motivo…

Naquela época, a população de Caratinga era muito animada, e tínhamos um vizinho que era mestre da escola de samba, localizado na conhecida Rua dos Cavacos. Por algum motivo que ainda gostaria de descobrir, a rua recebeu esse apelido. Sinto-me mais curiosa do que nunca. Talvez, somente agora, ao escrever sobre os carnavais da minha cidade, perceba a importância de conhecer a história de cada rua, cada cidade e praça da nossa região.

Mas, continuando, esse vizinho era conhecido como Manga e era responsável pela direção das escolas de samba em Caratinga. Não sei se esse nome era um apelido ou seu verdadeiro nome, mas ele fazia um trabalho incrível e homenageava personalidades da nossa cidade.

Conceição Imaculada da Silva Moreira
Conceição Imaculada da Silva Moreira

Ele era um talentoso sambista, cantor e compositor responsável por interpretar as músicas entoadas em nossos carnavais. Durante um momento do samba, apresentado com entusiasmo pela bateria da escola e brilhantemente vocalizado por nosso amado Manga, uma bela homenagem foi feita a Ziraldo Alves Pinto e João Caetano do Nascimento. Deixo aqui registrado um trecho dessa maravilhosa composição:

“João Caetano do Nascimento
Revive seu tempo de glória,
Partiu para a eternidade,
E o seu nome aqui ficou oh, oh, oh, oh…
Em nossa escola de samba, este é o tema que o poeta inspirou.”
Oh, oh, oh, oh, oh, oh…

“Ah, Ziraldo Alves Pinto, um personagem que enaltece o Carnaval.”

Esses trechos de músicas encantadoras e inspiradas eram tocados com maestria pelas escolas de samba naquela época.

É sempre gratificante relembrar nossa cultura, e é por isso que destaco esse fragmento de canção, pois, naquele tempo, o Carnaval não era, ao menos em minha opinião, essa confusão que presenciamos hoje em dia nas grandes cidades.

Uma coisa que não me trazia alegria alguma era o fato de sermos obrigados a usar maquiagem. Meu pai, um tanto exagerado, insistia em pintar os sete filhos e, por ser bem branca, eu me sentia uma bruxa, com bochechas vermelhas e uma boca maior do que a do personagem Nazareno, da Escolinha do Professor Raimundo. Não era fácil, sinceramente.

A fantasia até era agradável; no último Carnaval, me vestiram como bailarina, com minha irmã mais nova. Éramos muito empolgadas na avenida, mas, assim que meus pais se afastavam, eu rapidamente removia toda aquela maquiagem, sempre fiz assim: deixava que fizessem, mas, assim que viravam as costas, eu tirava tudo. Pelo menos eu podia fazer isso. Não me esqueço do tanto que aguentávamos ficar sambando até o final da avenida e quando chegávamos no final, a sensação era de exaustão, misturado com satisfação, os pés até calejados e a bexiga em tempo de estourar.

O pior era com meus irmãos mais velhos, que, além de terem que usar maquiagem para representar personagens, também precisavam sambar sobre os carros alegóricos. Todos observavam e admiravam as magníficas fantasias, mas, nos rostos dos meus irmãos, a decepção era evidente. Não pelas fantasias, mas por terem o rosto coberto por uma maquiagem que os fazia se parecerem muito com os personagens que representavam: Adão e Eva, e São Jorge, o guerreiro.

Os carnavais em Caratinga, sem dúvida, eram os melhores. Eles me despertam uma mistura de saudade e decepção, devido às detestáveis maquiagens que éramos obrigados a usar. Mas era uma celebração que verdadeiramente representava a cultura da nossa região e do Brasil.

Hoje em dia, com as distorcidas formas de comemorar os eventos populares, nossa cultura, que sempre foi tão rica, não deveria estar ameaçada como vemos agora. Festas tão belas, celebradas com alegria e prazer, tornaram-se uma ocasião de desordem, imoralidade e desvalorização das nossas raízes. Que pena!

Verônica Moreira

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Pés descalços

Ivete Rosa de Souza: Crônica ‘Pés descalços’

Ivete Rosa de Souza
Ivete Rosa de Souza
Criador de Imagens no Bing. 5 de outubro de 2024, às 11:45 PM

Em minhas mais doces memórias, ainda me vejo correndo descalça. Brincava na rua até à noite, com meus irmãos, sem preocupações, sem que meus pais temessem algum perigo, só adentrava a casa somente quando minha mãe chamava,  mas meus pais não saiam à rua para nos impedir de ser crianças.

Muitas vezes descuidada na empolgação da correria, feri meus pés em espinhos, pequenos cacos de vidro. Simplesmente sentava-me  no chão, retirava o espinho e saia a correr, sem sentir dor.

Ainda tenho algumas cicatrizes dos cortes em  cacos de vidro. E me recordo dos sustos de minha mãe, quando era necessário ir ao pronto socorro, tirar um pedaço de vidro que teimosamente incrustrado, não querendo sair. Doía, mas me segurava, afinal a dor passaria, enquanto fazia esforço para não chorar, minha mãe se apiedava, e eu não levaria umas chineladas.

No dia seguinte, lá estava eu novamente, abandonando os chinelos ou tênis, largados na calçada. A liberdade de ter os pés libertos, sentindo a grama, a terra até mesmo o asfalto quente. Tudo valia a pena, o riso, as brincadeiras, a correria, eram  recompensados com o esquecimento desses pequenos acidentes.

Depois de crescida, tomei modos como diria minha mãe, e só andava descalça na areia, quando ia à praia, sentido as ondas molhando os pés sedentos de liberdade. Adorava ver as águas imensas apagando minhas pegadas.

Adulta, calcei meus filhos, preocupando-me que pudessem ferir seus pés. Chinelos, sapatos, tênis, tudo para proteger meus rebentos.

Já não tinham a liberdade ilimitada de outros tempos; brincar na rua, só com a supervisão dos pais. Ficar na rua até tarde noite adentro, nem pensar! Nesses novos dias, com a insegurança instaurada em todos os lugares, não tinha jeito.

Infelizmente os tempos mudaram, a inocência da infância, dos que têm mais de 50 anos, ficou no passado.

Atualmente, pés descalços são sinônimos de pobreza, são marcas dos desprovidos, dos indigentes, ou dos inocentes que ainda tentam dar os primeiros passos. Não é mais legado de liberdade da infância , de banhos de chuva, corridas na enxurrada, uma liberdade descontraída e privilegiada.

Agora tenho sapatos demais, que me levam a tantos lugares, mas eles nunca me levarão aonde fui quando tinha os meus pés descalços…

Ivete Rosa de Souza

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A Grande Fúria do Mundo

Paulo Siuves: Crônica ‘A Grande Fúria do Mundo’

Paulo Siuves
Paulo Siuves
“…Pois sabemos que, ao fim, nos teus braços, seremos todos iguais, todos silenciosos, todos eternos na tua fúria serena.”
Imagem criada pela IA do Bing

Ah, Morte, és tu a eterna sombra que percorre as trilhas da vida! Na imensidão do viver, és o ponto final que a todos iguala. És a grande fúria do mundo, a inevitável tempestade que varre os sonhos e as esperanças, deixando atrás de ti o silêncio frio do vazio.

Tu, que decides o fim de todas as jornadas, vens com teu manto negro e teus olhos sem vida, apagando a chama da existência. Teu toque é gelado, arrepiando os vivos, teu abraço é a morada derradeira que a todos acolhe sem distinção. És a irmã sombria da vida, a companheira inseparável do tempo, que caminha ao lado dos mortais, lembrando-lhes constantemente da finitude de seus dias.

Em cada pôr do sol, no declínio das horas, vejo teu reflexo, Morte, na agonia dos últimos raios de luz. És a consumação de todos os momentos, o suspiro final que nos arranca da carne e nos devolve ao pó. Nos teus braços, acabam as dores e as delícias, acabam as lutas e as conquistas, e resta apenas o silêncio impenetrável do nada.

Oh, grande fúria do mundo, tua presença é um paradoxo cruel. És temida e desejada, repudiada e acolhida. No teu seio os cansados descansam, os atormentados encontram paz. Mas, ao mesmo tempo, és o terror dos corações, o fantasma que assombra os sonhos, a certeza que corrói a alma.

Tu, Morte, és a revelação do efêmero. Em teu nome, o homem constrói monumentos e cria memórias, na vã tentativa de se perpetuar além de ti. És o espelho em que se refletem todas as vaidades, a prova de que, diante de ti, somos todos frágeis, todos perecíveis.

No entanto, há quem te veja como a libertação suprema, o fim das amarras da existência. És a porta para o desconhecido, o portal para o infinito. Na tua escuridão, há quem encontre a luz, na tua ausência, há quem encontre a plenitude.

Ah, Morte, grande fúria do mundo, és o dilema insolúvel da vida. Na tua sombra, somos chamados a viver intensamente, a amar com urgência, a sonhar sem limites. És a adversária que nos impulsiona, a força que nos desafia a encontrar significado no breve lampejo de nossa existência.

E assim, enquanto caminhamos na tua direção inevitável, tentamos, em cada passo, fazer valer a jornada. Pois sabemos que, ao fim, nos teus braços, seremos todos iguais, todos silenciosos, todos eternos na tua fúria serena.

Paulo Siuves

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Sonhos, quintais e coisas desimportantes

O grupo de teatro ‘Os Companheiros’ apresenta o espetáculo ‘Sonhos,  quintais e coisas desimportantes’

Cena do espetáculo ''Sonhos,  quintais e coisas desimportantes'
Cena do espetáculo ‘‘Sonhos,  quintais e coisas desimportantes’

Um sonho foi o disparador para o encontro e a linguagem, majoritariamente, corporal foi a escolha para este trabalho. O espetáculo ‘Sonhos, quintais e coisas  desimportantes’ traz à cena três jovens atores, três corpos carregados de memórias,  sentimentos e sobrecarregados de questões, num convite à suspensão do tempo para a  escuta da vida. 

“A gente torce para não cair da corda bamba, para chegar em algum lugar em  segurança. No passado vimos tanta gente que não conseguiu se equilibrar, pessoas da  nossa família, e a vida segue depois que eles nos deixam. O nosso espetáculo eu  acredito ser sobre estar no meio dessa corda que vai pra lá e pra cá.“ 

Celso Stefano – Ator do espetáculo. 

Em um mergulho no passado eles exploram memórias e segredos e convidam a  experimentar a vivência de um tempo não linear, um passeio pela corda bamba e um  convite à sobrevivência. Abismos, lacunas, e esperança entrelaçados na fluidez do tempo  fazem parte desse enredo onírico, carregado de referências do poeta Manoel de Barros.  Uma viajem entre sonho e realidade, territórios que se fundem na fronteiras que se  dissolvem neste mundo distópico. 

Cena do espetáculo ‘‘Sonhos,  quintais e coisas desimportantes’

“ Quando se é criança, é muito legal ver uma formiga levando sua comida ou parar e  ficar olhando as estrelas no céu. A gente parou de olhar, Manoel de Barros ensina a  gente a voltar e enxergar as coisas de mais importância. “ 

Maria Helena – Diretora da peça. 

Obs.: texto chave de resumo sobre as discussões que o espetáculo se propõe abarca: Um  convite à um outro olhar para com a vida e o tempo, o que foi subtraído, o que fica e o  que ressignifica. 

Ficha técnica 

DIREÇÃO: Maria Helena Barbosa

ELENCO: Celso Stefano, Fabiano Amâncio e Jee México  

TRILHA SONORA: Wellington Ravazoli e Fernando Ravazoli 

FIGURINOS, ILUMINAÇÃO E CENOGRAFIA: Grupo Os Companheiros  PRODUÇÃO E ASSESSORIA DE IMPRENSA: Lelis Andrade  

PROVOCAÇÃO CORPORAL: Felipe Alduina 

FOTOGRAFIA E DESIGN GRÁFICO: Alexandre Valentim 

OFICINAS: “Práticas corporais em dinâmicas cênicas”, coordenado por Felipe Alduina , e “O teatro visual do objeto/imagem”, coordenado por Julio Scandolo. 

APRESENTAÇÕES: 

• 18 e 19/05 – Teatro Escola Mario Pérsico – 20h; 

• 25 e 26/05 – Espaço Cultural Du’ Arts – 20h; 

• 01 e 02/06 – Teatro de Bolso Tatiana Belinkg – 20h; 

• 08 e 09/06 – IGESC – Espaço Cultural – Sindicato dos Rodoviários Sorocaba e  Região – 20h 

Classificação: 14 anos. 

Entrada Gratuita. 

O espetáculo “sonhos, quintais e coisas desimportantes” é fruto do projeto “Corpo  Jardim” contemplado pelo edital Linc Sorocaba/2023 – Lei de incentivo à cultura do  município em 2023.  

Sinopse 

O espetáculo ‘sonhos, quintais e coisas desimportantes’ traz à cena três corpos jovens  carregados de inseguranças e abismos. Ávidos de um olhar de aconchego como nos  poemas, eles convidam à suspensão do tempo para a escuta, expõem suas memórias,  desejos e questões pertinentes ao desequilíbrio atual. Utilizam a palavra sem pronúncia  ou a despalavra como manifesto e potência para se reinventarem na solidão da era digital,  na pressão em se encaixar, na prisão do neoliberalismo e no mundo em guerra, numa  frágil fronteira entre sonho e realidade.

Teaser

https://drive.google.com/file/d/1LFlSj4wHCJrj4ewTcVay_cvu9C7PbPIW/view

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Memórias do meu Rio de Janeiro

Francisco Evandro de Oliveira:
‘Memórias do meu Rio de Janeiro’

Francisco Evandro Farick
Francisco Evandro Farick
Microsoft Bing. Imagem criada pelo Designer

Quando um dia voltei ao passado, navegando e viajando no mar dos tempos, precisamente no ano de 1565, encontrei-me com o Almirante Nicolau Durand de Villegagnon, o qual era um notário corsário francês e que estava lutando com o cacique dos Tabajaras, o famoso Arariboia, que defendia na luta, sua terra natal.

Outras lutas se sucederam nessa época até que Estácio de Sá fundou, em 1567, a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Tempos depois, outros corsários franceses, Daniel de La Touch e René Dugai Troin, sitiaram a belíssima cidade de São Sebastião e exigiram uma grande quantidade de açúcar e várias cabeças de gado para não bombardearem a cidade. O tempo passou e eis que a cidade foi elevada à categoria de Capital da Colônia do Brasil, justo no ciclo do ouro.

Passeando em minha mente precisamente em Janeiro de 1807, verifiquei que as melhores residências tinham à porta uma plaqueta com as letras “PR”. Perguntei a um residente sobre isso e ele me afirmou que significavam “Príncipe Regente”, porque ele viera com toda sua Corte de Lisboa e necessitava de aposentos e as casas estavam sendo emprestadas ao Príncipe Regente.

A cidade foi crescendo e participando ativamente na política da Colônia e se tornando famosa em todos os aspectos e pude ver na sacada do Palácio Imperial, na ‘Quinta da Boa Vista’, Dom Pedro, o Príncipe Regente dizer: “- Como é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto, diga ao povo que fico”, episódio que ficou eternizado na história do País, como o Dia do Fico.

O tempo foi passando e um dia fui convidado a saborear um chá com a Princesa Isabel, e, na ocasião, ela assinou a Lei Áurea, a qual beneficiou todos os escravos brasileiros A referida Lei deixou muitos políticos e fazendeiros descontentes, e eles tramaram contra o imperador e vi no cais do porto do Rio de Janeiro o seu exílio com toda a sua família, deixando o país que tanto amara.

A República chegou com todo garbo e ao seu início, muitos dos marinheiros me convidaram a se aliarem a eles na famosa Revolta da Chibata, que foi sufocada por traição dos governantes da época.

O Rio de Janeiro se encontrava em plena expansão e o governo começou a derrubar uma série de cortiços para alargar e construir estradas pavimentadas, e nesse momento, a varíola se fez presente com toda intensidade! Imediatamente, o grande sanitarista Oswaldo Cruz implantou com muito brilhantismo a vacina contra a terrível doença; tal fato gerou uma de série de revoltas e badernas que ficou conhecida como a Revolta da Vacina’. Porém, com as ações do governo a moléstia foi amainando e eliminada por completo.

Quando a cidade estava um mar de rosas de paz, veio o politicamente inesperado, Os 18 do Forte, sufocando a Intentona Comunista na cidade do Rio de Janeiro.

O tempo foi passando e a cidade crescendo vertiginosamente nas artes e na cultura e se tornou o referencial do que havia de melhor no país no campo das artes cênicas, da cultura em geral, no campo jornalístico e futebolístico. Todavia, a efervescência política se fez sentir e veio o episódio Getúlio Vargas, que culminou com seu suicídio em 1954.

Pouco depois, os políticos Carlos Lacerda e Negrão de Lima impulsionaram e embelezaram ainda mais a cidade, dando-lhe um toque sutil de graciosidade e grandiosidade. De repente, ela deixou de ser a Capital do Brasil; deixou de ter o poder, porém, ainda era a capital da cultura nacional e a fonte de cultura ainda permanecia nas veias dos seus cidadãos.

A população cresceu vertiginosamente fazendo que os menos afortunados se enveredassem por caminhos tortuosos e uma onda de assaltos e sequestros se fizeram presentes na cidade maravilhosa. No entanto, o mal do século se fez presente, que foram as drogas e os seus traficantes e tal fato proporcionou que muitas mães chorassem a perda de seus filhos em confronto direto com a repreensão policial ou por confronto com facções rivais.

No entanto, a cidade paulatinamente foi sobrevivendo a essa tragédia e crescendo em seu modernismo e belíssimos museus foram criados, muitas habitações para os menos afortunados, novíssimos estádios, diversas linhas de Metrô e umas infinidades de obras que faz a população ter orgulhos de ser cidadão carioca. Grande gênios do mundo do futebol vimos bailar no Maracanã…Garrincha, Didi, Jairzinho, Gerson, Zico, Carlos Alberto Torres, Nilton Santos Paulo Cesar caju, Rivelino, Zizinho, Heleno de Freitas, Evaristo de Macedo e outros. Grandes exponenciais do mundo artístico tais como, Paulo Gracindo, Paulo Goulart, Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Lucélia Santos, Marília Pera, Beth Farias e uma série de outras celebridades famosas que não me vem o nome no momento que fizeram e faz a alegria de milhões de telespectadores nas novelas de época ou da atualidade, ou em programas de humorismo.

A cidade do Rio de Janeiro, como qualquer outra cidade do país, tem seus problemas causados pelo ‘boom populacional’ e por má administração de alguns governantes, entretanto, ainda é a fonte de referência dos turistas, que é o melhor de nosso país, principalmente no carnaval.

No momento atual, há uma verdadeira correria desenfreada para aprontar a ‘noiva’ para receber as delegações para as Olimpíadas de 2016, evento que dará maior visibilidade à cidade.

O grande poeta, Vinícius de Moraes nos deixou uma máxima que é: “Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental”, que no momento atual seria considerado bem machista, no entanto, nossa cidade é linda; a bem da verdade é simplesmente linda! O tempo passará e daqui a mais alguns séculos a cidade do Rio de Janeiro estará ainda mais e mais bela e moderna tornando-se o Norte da cultura e do crescimento de nossa Nação.

Francisco Evandro de Oliveira – Farick

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Cicatrizes

Pietro Costa: Poema ‘Cicatrizes’

Pietro Costa
Pietro Costa
Na selva de pedra, não há como fugir
A dor da marcha marca o semblante
“Na selva de pedra, não há como fugir. A dor da marcha marca o semblante”
Microsoft Bing. Imagem criada pelo Designer

Um século de solidão é breve passagem

Se marcados pelas memórias altivas

Sem dramas rasteiros, ardis, sabotagens 

Somos os mártires de nossas poesias

Na selva de pedra, não há como fugir

A dor da marcha marca o semblante

A coragem leonina de adiante seguir 

Mesmo com a ferida aberta e ofegante

Pietro Costa

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