Mês de agosto
Evani Rocha: Conto ‘Mês de agosto’
Ela diz: “Bom dia!”
Ele balbucia.
Ela fala sobre a noite mal dormida.
Ele assente, meneando a cabeça e franzindo o cenho.
Ela lhe serve o café quente em sua caneca preferida.
Ele sorve o líquido escuro e forte. Resolve falar qualquer coisa, usa o habitual gerundismo.
Ela fica aborrecida. Aguardava Talvez um: ‘Por quê?’
Ele já está com o jornal aberto, ainda não conseguiu aderir às novas tecnologias.
Ela morde delicadamente a fatia de torrada, untada com patê de sardinha. Olha a capa dos jornais à sua frente. Imagina os olhos dele, quase fechados, mergulhados nas manchetes de política, talvez futebol.
Pela janela da sala de jantar, ela vê o gramado e o nascer do Sol. Há muitas cores lá fora. Sente a brisa fresca beijar-lhe o rosto. O silêncio da manhã é cortado somente pelo chiado das folhas do jornal.
Ela cai em si, percebe que se distraiu e talvez tenha comido demais…
Volta a pensar nas roupas bonitas que não lhe cabem mais. Puxa alguns fios de cabelos grisalhos. Há muito não sente vontade de ir ao salão ou se admirar ao espelho.
Ele espirra alto e solta um palavrão. O café já esfriou, não tomou nem a metade. Suas torradas, nem tocadas.
Ele resmunga novamente, agora é maldizendo sobre a derrota do seu time.
Ela resolve falar com ele: pergunta se vem para o almoço.
Ele responde que não sabe, depois avisa.
O relógio da cozinha apita: são sete horas da manhã.
O Sol começa a subir. Os raios dourados banham as cortinas de cetim branco.
Ela levanta-se da mesa. Recolhe a louça do café. Exceto a caneca dele. Leva tudo para a pia. Sobre o fogão há muitas panelas esperando por lavagem.
Ela imagina: “se tivesse uma lava-louças…”
Vai até a sala, passa delicadamente a mão sobre as almofadas bem arrumadinhas na poltrona. Sabe que tem TOC, então elas devem ficar simetricamente perfeitas. Encontra uma meio torta, precisa arrumar!
Escora no parapeito da janela, vê seu jardim tão bem cuidado: hortênsias azuis, Muitas rosas abertas e em botões, as amarílis, as folhagens…
Um sentimento bom vai preenchendo devagarinho seu corpo, seus olhos lacrimejam a cada objeto seu, cuidado diariamente com desvelo.
Assusta-se com o bater da porta da garagem. Ele grita lá de fora que já está indo.
Ela responde com uma benção: “Vai com Deus!”. São profecias ditas há anos, todas as manhãs ao se despedirem.
Ela pensa: ‘Será que me acostumei demais com essa rotina insossa?’
O carro saiu e o portão eletrônico fechou devagar. Viu o carro branco diminuindo de tamanho, até sumir na curva do Posto. O asfalto já estava quente, o Sol parecia arder lá fora…
Era mês de agosto.
Evani Rocha