Sergio Diniz da Costa: Crônica ‘Os óculos dos poetas’
Num primeiro momento, passou-me pela cabeça que eu estava tendo um surto de paixão pela tela do meu computador. Afinal de contas, parece que a cada dia que passa aproximo-me mais dela.
Antes fosse, pois paixão é coisa passageira. A origem dessa aproximação, no entanto, e infelizmente, é duradoura: os olhos que, a cada ano, enxergam menos!
Uma ida recente ao oftalmologista, para minha tristeza, apontou um acréscimo de grau às minhas lentes já tão cansadas. Por sorte, entretanto, uso os óculos apenas para leitura.
E, depois dessa constatação oficial, fico a meditar sobre a inexorabilidade do tempo em relação a tudo e, em particular, ao corpo físico.
Ainda me lembro da primeira vez em que fiz um exame de vista ─ ainda na minha juventude ─, provavelmente para efeito de obter a Carteira de Motorista. E o resultado do especialista: eu enxergava tão bem que até poderia ser um astronauta!
Com o tempo, contudo, não me tornei um astronauta, porém, meus olhos, eles sim, gradativamente, têm ido para o espaço.
Todavia, não podemos nos deixar abater com esse tipo de coisa, natural, aliás. Devemos, ao contrário, nos apegar a um sapientíssimo provérbio português: ‘Vai-se o anel, ficam os dedos’.
E, ficando os dedos, e já com os óculos com lentes mais possantes, estou cá, mais uma vez, e a uma distância recomendada da tela do computador, digitando uma nova crônica: ‘Os óculos dos poetas’!
Os poetas têm óculos! A propósito, nascem com eles! E suas lentes são inquebrantáveis, pois que diáfanas. Porém, não podem ser medidas em graus, entendidos estes como ‘cada uma das principais divisões da escala de certos instrumentos de medida’.
As lentes dos óculos dos poetas não podem ser medidas, mas apenas sentidas. E não há uma Tabela de Graus de Sensibilidade para aferir a quantidade e a qualidade de sentimentos que circulam pela alma dos poetas.
Os poetas enxergam e, mais do que enxergar, sentem o mundo que os envolvem por meio de óculos sutis, óculos esses que o Tempo, o implacável Tempo em relação ao corpo físico, faz-se deles um espectador atento e maravilhado.
Os poetas, por meio de lentes especiais, veem e sentem a transcendência das formas; das formas impermanentes, caleidoscópicas. E, nesse sentir último das coisas e dos próprios seres são, eles mesmos, da mesma essência; da essência da qual são feitas as estrelas… e os sonhos!
De onde vem essa força Que a tudo transforma E semeia? Essa luz que transpassa os olhos, Expande, transborda E derrama pelo chão!?
De onde verte essa emoção Feita água em cachoeira, Borbulhante e ligeira, Molhando as palmas das mãos? Essa ânsia de agir feito criança, Correr descalça na chuva E dormir por entre as nuvens?
De onde brota tantas palavras Carregadas de saudade, Se encadeando em frases, Se transformando em poesia… Esse avesso da alma, Que se entrega à fantasia?
De onde nasce essa coragem, Que já foi medo um dia, Mas hoje quer ser o mundo… Segundos de abstração, Que faz da gente um corcel?
De onde surge esse céu Que abre caminhos por dentro, Emerge como nascente, Trazendo à tona lembranças Esquecidas para sempre… Mas somente enquanto O ‘sempre’ Não nos devore loucamente!