Sobre a sensibilidade humana
Elaine dos Santos: ‘Sobre a sensibilidade humana’
A pandemia de covid-19, como toda a grande catástrofe registrada ao longo dos séculos, foi um divisor de águas para muitas pessoas. Algumas aprenderam, cultivaram, tentaram manifestar sentimentos como solidariedade, empatia, respeito. Outras, não.
Quando tudo começou, a minha hematologista disse: “desaparece, esta doença é um altíssimo risco para ti”. Restringi as minhas saídas e aprendi a viver e a conviver comigo, três cães e uma gata. Gostei! Aliás, gostei muito…
Como professora de Literatura, ao estudar as principais correntes de crítica literária, fazemos leituras na área da Filosofia, da História, da Psicanálise… alguns desses fundamentos ajudaram-me bastante. Além disso, sou revisora de dissertações e teses, frequentemente, me encontro com textos que trazem os grandes pensadores da História, da Filosofia como referência. Que delícia! Quanto conhecimento adquirido.
Sou um ponto fora da curva na cidade em que resido.
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Tenho uma amiga de infância que, como eu, é professora de Literatura e diz preferir os textos do Romantismo: ‘A Moreninha‘, ‘Senhora‘ e afins, que trazem o clássico final: “E foram felizes para sempre”. Questionei-a e ela respondeu que as pessoas devem conhecer as coisas boas do mundo. Perspectiva interessante, mas divergi.
Gosto de Eça de Queiróz, de Machado de Assis, de Graciliano Ramos, de Rachel de Queirós . Poderia dizer que gosto de textos que trazem “a vida como ela é”.
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Moro em um município interiorano com grande extensão territorial, mas carente de emprego, de assistência social – e, como todo o Brasil, com saúde, educação e segurança em frangalhos. Temos vilas pobres e conflagradas. Temos alto índice de criminalidade, evasão escolar, muitos idosos que são arrimo de família (basta consultar o último censo do IBGE).
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Quando se verificou a pandemia, os ânimos acirraram-se, porque a maioria não era adepta do isolamento social. Ainda assim, as mortes comoveram muita gente. Ainda assim, as mortes não sensibilizaram muita gente.
Quando se verifica um grave acidente, quando alguém padece meses ou anos a fio, boa parte da cidade solidariza-se com a família.
Mas: não custa lembrar, somos uma cidade muito pequena, em que as vidas se cruzam e as opiniões divergentes afetam todos.
Qual a razão dessa reflexão? As redes (anti) sociais demonstram um descompasso entre o (falso) rico e o pobre; entre o sujeito que se crê europeu e o sujeito cujas raízes estão na mãe África. Estamos no Brasil e não deve ser diferente em outros locais.
Sabe o que tem me impressionado mais e mais? O descaso com a dor do outro e a capacidade (incapacidade, na certa) de perceber os medos, as dúvidas, os sofrimentos que afetam todas as vidas. A tal empatia ou, quiçá, solidariedade.
Já me disseram que eu deveria esquecer acontecimentos passados na minha própria vida, como se a dor não fosse minha. Já me disseram que eu não deveria ter dito isso ou aquilo para A ou para B, mas não me perguntaram o que A ou B disse que me levou a responder.
E, hoje, para o meu desalento, uma mãe contava que é criticada porque posta fotos de sua filha recém-falecida, porque manifesta a dor do luto, que é a ausência mais presente em nossas vidas: a morte de quem amamos.
Adoecemos e não foi só covid-19 ou, como me disse um padre, meu amigo, a pandemia mostrará com que tipo de pessoas vivemos. Mostrou! Quando alguém é insensível com os sofrimentos do outro, esse mesmo alguém precisa de ajuda, ele é doente. Tristes tempos!
Elaine dos Santos