A redação de um texto

Sergio Diniz da Costa: ‘A redação de um texto’

Sergio Diniz
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Imagem criada por IA do Grok
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É comum ouvir pessoas comentando que “escrever é um dom!” Pelo senso comum, de fato o é. Mas, a rigor, o que é um ‘dom’?

            Em termos religiosos, é o “bem ou a graça recebida pelos deuses, numa visão politeísta, ou por forças sobrenaturais”. Pela visão da Teologia, entre os monoteístas, é o “bem espiritual que se considera como recebido de Deus ou a própria vida que Deus emana; bênção, graça”. E, ainda, no conceito comum, é a ‘aptidão inata para fazer algo, especialmente difícil ou raro; inclinação talento’.

            Recebido de uma forma transcendental ou como um mero talento, nestas breves considerações, queremos destacar um aspecto mais técnico da elaboração de um texto, centrado no domínio da gramática, com a adição do tempero da cultura geral e da criatividade, tornando o escritor semelhante ao exímio espadachim. Ou a uma graciosa bailarina.

            Um texto bem escrito é análogo a uma luta de espada ou a um número de balé: requer a força e a destreza das mãos que empunham a espada e a delicadeza de um ‘adágio’.

            Um bom escritor tem de ser, antes de tudo, um amante do conhecimento; um ser humano feito uma criança que está a todo o momento descobrindo e redescobrindo o mundo à sua volta com a sensação de magia, de encantamento e, acima de tudo, de gratidão pelo extraordinário dom da inteligência, sob o impulso da sensibilidade.

            E um bom escritor, regra geral, é um bom leitor, pois, como amante do conhecimento, a todo o momento está mergulhado na fonte desse conhecimento: os livros! Contudo, os bons livros, de autores que a História da Literatura os consagrou como tais.

            O bom escritor, ao lado da cultura geral e da criatividade, pode e deve se utilizar de certas ‘ferramentas’ para a execução de seu mister, como, por exemplo, um bom e tradicional Dicionário.

            Além desse velho companheiro, hoje temos um mega instrumento de pesquisa: a internet, com motores de pesquisa, a exemplo do Google.

            Particularmente, eu não entendo nada sobre ‘balé’, mas, no parágrafo acima, onde cito o movimento ‘adágio’, só o citei porque pesquisei no Google ‘dicionário do balé’, ou ‘movimentos do balé’.

            Portanto, ao se escrever um texto com citações em geral, a pesquisa simples e rápida no Google nos abre um mundo fantástico de conhecimento e de esclarecimento de dúvidas.

            É preciso, porém, saber filtrar essa pesquisa, buscando, às vezes, mais de uma fonte de informação, no próprio Google.

            Por fim, quando for escrever um texto, fazer um ‘planejamento textual’, lembrando-se que um texto, como uma história que se conta a uma criança, tem um começo, um meio e um fim.

            Com isso em mente, levando-se em consideração:

            A escolha do título (chamativo, instigante, que leve o leitor a ter vontade de saber do que se trata a crônica, o conto etc.)

            O início do texto (com uma afirmação genérica, uma reflexão própria ou de um grande autor ou filósofo, uma frase de efeito etc.)

            O desenvolvimento, o ‘recheio’ do texto (elementos que justifiquem o título, para se obter um desencadeamento natural da escrita, do pensamento e dos objetivos do autor, criando, desta forma, uma harmonia textual)

            O final do texto (a conclusão da mensagem, justificando o título e criando no leitor sentimentos diversos, de acordo com a intenção do autor).

            Um dom ou uma técnica, ou ambos, escrever é, principal e essencialmente, a manifestação da alma humana. E cabe ao escritor, por meio de sua escrita, imortalizá-la já neste plano terreno, por sua natureza, efêmero!

Sergio Diniz da Costa

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Texto

Sergio Diniz da Costa

‘Texto: uma caixa de lápis de cor e um jogo de quebra-cabeça’

Sergio Diniz
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Imagem criada pr IA da Meta - 14 de setembro de 2015,
 às 14:07 PM
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às 14:07 PM

“Quando eu era criança, adorava colorir desenhos em preto e branco, com meus lápis de cor. E, de tanto fazer isso, quando adulto passei a colorir papéis brancos com palavras de cor.” (COSTA, Sergio Diniz da. Pensamentos soltos na brisa das tardes. Vol. 2. Sorocaba/SP: Crearte Editora, 2018)

Escrever um texto para quem é alfabetizado é um ato relativamente simples. Ou deveria ser. O desafio mesmo é escrever um grande, um ótimo texto!

Textos comuns e mal escritos, desde simples manifestações, comentários no Facebook e até mesmo trabalhos acadêmicos, vemos pululando, enxameando, infestando por todo lugar e a toda hora.

                Curiosamente, o problema não está tão somente na falta de escolaridade para quem a teve ou a tem. Utilizando uma linguagem popular, o “buraco é mais embaixo”. Pelo menos aparentemente, parece faltar às novas gerações, mais do que a necessidade, o gosto, o prazer pelo conhecimento, o encantamento com a cultura geral.

                Não bastasse a falta de um mínimo de domínio das regras de Português, falta imaginação, criatividade, qualidade que o cultivo da leitura de obras universais consagradas nos impregna, semelhante a um processo de osmose.

                Um texto é análogo a uma caixa de lápis de cor e um jogo de quebra-cabeças.

                A pobreza, em relação ao conhecimento e à cultura geral, aliados à falta de criatividade, representa uma caixa de cor de apenas seis cores e lápis pequenos. E a um jogo de quebra-cabeças com poucas peças.

                Quando eu era criança, apesar de gostar de desenhar e colorir desenhos, a condição financeira dos meus pais não permitia que eu e meus irmãos tivéssemos material escolar de boa qualidade, e, menos ainda, em quantidade.

                Por todo o período dos primeiros anos escolares nutri a insatisfação, a tristeza de não poder ter uma caixa de lápis de cor de 12, 24 e, menos ainda, 48 cores!

                Tal se dava, também, com os jogos de quebra-cabeça. Jogos com poucas peças e poucas imagens a serem reproduzidas.

                O hábito da leitura, no entanto, aguçou minha imaginação e levou-me a ser, na fase adulta, um escritor. E indo mais longe, revisor de textos e livros.

                Um texto mal escrito é semelhante a uma caixa de cor de apenas 6 cores. E a um jogo de quebra-cabeça com poucas peças.

                As ‘cores’, no caso, representam o vocabulário pobre e a falta de intimidade com o significado das palavras. E as palavras, às vezes, parecem sacis nos enrodilhando em seus redemoinhos de significados e sentimentos.

                O desconhecimento básico das regras de pontuação, por sua vez, contribui para a elaboração de textos de redação paupérrima. E a pontuação, na urdidura de um texto, é como uma espada nas mãos de um bárbaro ou de um espadachim.

                Algumas pessoas se apropriam das palavras feitos ladrões noturnos, enquanto que, na qualidade de um simples comentarista a um escritor, devem (e podem) ser artesãos que, com elas, tecem longos tecidos de sonhos.

                Com um vocabulário pobre, uma visão cultural deficiente e desconhecendo as regras da boa redação, as palavras para essas pessoas são poucas peças com as quais, desordenadamente, montam quebra-cabeças que exibem paisagens áridas, ou figuras distorcidas, dantescas.

                Se o problema dos textos mal escritos está devidamente posto, o ‘nó górdio’* a ser desatado pelos modernos Alexandres o seria por meio de um mergulho à base do problema em si; base que tem raiz nos primeiros anos de vida, talvez mesmo no período de gestação, em uma futura mamãe lendo em voz alta para um filho ainda sem um rosto definido, contudo, com uma alma presente e já preparada para começar a receber as sementes da leitura e da escrita.

                Esse filho, desta forma, receberia de sua mamãe uma caixa de lápis de cor etérea com infinitas cores. E um jogo de quebra-cabeças com o qual montaria paisagens transcendentais!

                * O nó górdio é uma lenda que envolve o rei da Frígia (Ásia Menor) e Alexandre, o Grande. É comumente usada como metáfora de um problema insolúvel (desatando um nó impossível) resolvido facilmente por ardil astuto ou por “pensar fora da caixa”.

                Conta-se que o rei da Frígia (Ásia Menor) morreu sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o Oráculo anunciou que o sucessor chegaria à cidade num carro de bois. A profecia foi cumprida por um camponês, de nome Górdio, que foi coroado. Para não esquecer de seu passado humilde ele colocou a carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus. E a amarrou com um enorme nó a uma coluna. O nó era, na prática, impossível de desatar e por isso ficou famoso.

                Górdio reinou por muito tempo e quando morreu, seu filho Midas assumiu o trono. Midas expandiu o império, mas não deixou herdeiros. O Oráculo foi ouvido novamente e declarou que quem desatasse o nó de Górdio dominaria todo o mundo.

                Quinhentos anos se passaram sem ninguém conseguir realizar esse feito, até que em 334 a.C. Alexandre, o Grande, ouviu essa lenda ao passar pela Frígia. Intrigado com a questão, foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio. Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó. Lenda ou não o fato é que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois.

                É daí também que deriva a expressão “cortar o nó górdio”, que significa resolver um problema complexo de maneira simples e eficaz. (Wikipédia, a enciclopédia livre.)

Sergio Diniz da Costa

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Ivan Fortunato: 'Particularmente, penso que o mesmo é um problema'

Particularmente, penso que o mesmo é um problema (*)

            Para introduzir este breve ensaio, devo esclarecer o leitor mais arguto, e os críticos de plantão, que não sou um escritor livre de erros – de qualquer natureza. Por isso, caro ledor, venho aqui contrapor não os erros de escrita que se dão na dubiedade da própria língua, na falta de atenção de quem publica um texto com uma palavra mal digitada, ou apresenta uma sentença com erros de concordância. Aqui, tenho a intenção de abordar erros de linguagem que surgem propositadamente na tessitura de uma ideia, escrita ou falada, quando se busca a erudição.

Um desses erros, que têm incorrido com certa frequência, é o uso da palavra mesmo(a). Claro que não me refiro à sua utilização como adjetivo, tendo o sentido de igual (p. ex.: eu quero o mesmo lanche que o meu amigo pediu) ou repetido (p. ex.: fui atendido pelo mesma funcionária de sempre).

O erro acontece quando o mesmo é utilizado como sujeito ou predicado, na intenção de substituir um desses termos utilizados na frase anterior. Raramente essa prática é falada, mas reiteradamente aparece na comunicação escrita. Os exemplos são facilmente encontrados: placas, comunicados, memorandos, ofícios, notícias, circulares, e-mails, e assim por diante. Da mesma forma, praticamente todos os trabalhos acadêmicos que recebo de meus estudantes para correção, carregam o mesmo erro em sua redação. Não raro, a justificativa pela opção do mesmo ou da mesma, é que a repetição do termo anterior deixaria a redação feia, empobrecida e/ou repetitiva. A explicação é válida, contudo, o mesmo não resolve o problema: piora.

Eis um pequeno exemplo:

  • Um cartaz manuscrito em letras garrafais tinha o nobre propósito de alertar que as vagas em frente a um condomínio de classe média não deveriam ser utilizadas. Isso porque o veículo correria risco de danos materiais, pois o prédio estava, naquele momento, sendo pintado. O cartaz dizia: Motorista, cuidado! Não estacione na frente do prédio, porque o mesmo está sendo pintado. Vê-se uma linguagem complicada, utilizada em uma mensagem que poderia e deveria ser simples: Motorista, cuidado! Não estacione na frente do prédio, porque o mesmo que está sendo pintado. Ou, ainda, mais simplificado: Motorista, não estacione. O prédio está sendo pintado.

O mesmo, além de reduzir a qualidade da escrita, dificulta a comunicação. Por isso, a saída é bem simples: deixar de escrever mesmo ou mesma para substituir termos já utilizados no texto.

Enquanto o mesmo é um problema da linguagem escrita, a linguagem oral tem sofrido com a combinação de duas palavras que incorrem num erro tautológico básico. Trata-se dos dizeres “eu, particularmente”. Ora, tanto o pronome eu, quanto o modo particular (particularmente), dizem respeito à pessoa que fala. Nesse sentido, “eu, particularmente”, é tão redundante (e errado) quanto dizer descer para baixo, ou subir para cima.

Em conclusão, eu, particularmente, tenho alertado meus estudantes e colegas a respeitos desses erros que, cada vez mais, se tornam comuns nos escritos e nas falas. Muitas vezes, os mesmos parecem penduricalhos, que somente atrapalham a compreensão e a comunicação. Ao fim e ao cabo, este último parágrafo apresenta dois erros. Que tal tentar reescrevê-lo?

 

(*) Ivan Fortunato é doutor em geografia pela UNESP, professor do Instituto Federal em Itapetininga, membro do IHGGI e secretário da Academia de Letras de Itapetininga (2017/2018). Contato: ivanfrt@yahoo.com.br