Zé Franco – Arquivo pessoalArquivo pessoal do autor
“Educar é deixar-se um pouco no outro…”
Educar é deixar-se um pouco no outro… E importa, ao estimado educador, perceber como é que tem ficado em cada outro que educa. É para um mundo melhor que se quer? Vale a pena continuar? Perguntas que também me atravessam.
Se a terra está seca de pão, de sonhos, de futuro, e a educação parece uma semente teimosa, que a coragem seja um rio. Que a esperança respire. Que o amor permaneça. Não custa pouco arrancar um sorriso à fome, e não é simples cultivar valores de cultura, de vida humana, e o sentido de pátria, para que esta Terra, e este mundo, sejam um pouco aliviados de tantos fardos que hoje suportam.
FELIZ DIA DO EDUCADOR (22 de novembro, Angola)!
Com esse texto especial, Zé Franco homenageia os educadores, partilha pensamento sobre o ato de ensinar nos dias de hoje, particularmente em seu país natal, e comemora o dia do educador por meio da escrita.
Ismaél Wandalika: ‘Tempo das coisas! Coisas do tempo’
Soldado Wandalika Imagem criada por IA da Meta
Há coisas que só o tempo faz Há Coisas no tempo se desfaz Umas coisas o tempo traz Outras coisas o tempo leva e refaz
O tempo resignifica conceitos Molda mandamentos Alerta o coração e sem medos Nasce suas lendas pra vida sem tédios
O tempo é monge das reflexões Cura todas as infecções Só o tempo compreende os corações Consegue dialogar sentado com as nossas ilusões…
No tempo todas as coisas mudam Mau muda para melhor mesmo que não mas apreende a refletir suas tristes acções para com seu semelhante O bom pode ser pior que o ruim na vida A santa viraliza e se transforma em uma víbora A víbora muda de vida e transforma sua história.
No tempo todos estão sujeitos à falha Não há quem escape da lei da vida A vida é justa maltrata os bons e os maus Somos meros humanos A cronologia faz parte da nossa existência Uma dia a nossa missão termina E começará a dos outros semelhante a nós… Seres como nós Vindo de nós Após nós…
Elaine dos Santos: ‘Reflexões sobre o que é Literatura’
Elaine dos SantosImagem criada por IA do Bing – 05 de setembro de 2025, às 10:12 PM
Professores graduados em Letras, mas que têm uma forte preferência pelos estudos literários, costumam debater-se entre o que é Literatura e o que não é Literatura.
Aliás, eis um dos grandes problemas diante alunos ‘novatos’ nos cursos de graduação é ensinar-lhes que escritos de autoajuda ou manuais de vendas não são exatamente o que eles devem considerar Literatura para ser estudada, analisada.
Recentemente, uma declaração da professora, pesquisadora, tradutora, Aurora Formoni Bernardini gerou controvérsias, visto que ela valoriza forma, conteúdo e novos horizontes no texto literário. De fato, a Literatura que agrada o nosso juízo estético (que é diferente de gosto estético, como estudiosos, como críticos, é aquela que consegue equilibrar forma e conteúdo.
Antes, porém, uma explicação: Hans Robert Jauss, em uma conferência na Alemanha, em 1967, acrescentou o leitor como parte da tríade que configura uma obra literária. Quanto mais uma pessoa lê, maior o seu horizonte de expectativas. Mas está em pauta o seu gosto literário.
Quem leu as grandes epopeias gregas, como ‘Ilíada‘, ‘Odisseia‘; ou ‘Eneida‘, marco fundacional da cultura romana ou ‘Os Lusíadas‘, em que Camões canta a saga dos grandes navegadores, lerá com maior criticidade um poema que se proponha ser épico.
Quando Bernardini aponta ‘novos horizontes’, é impossível não pensar em ‘Os sofrimentos do jovem Werther‘, de Goethe, publicado em 1774. Trata-se de um romance de um amor arrebatador, conflituoso, em que a vida só teria sentido se a amada estivesse com Werther. Traz um tom autobiográfico, intimista – que, neste caso, revela-se por cartas amorosas.
Dentro de um cenário que prenuncia a Primeira Revolução Industrial, a transição entre a racionalidade burguesa e o derramamento amoroso do Romantismo, Werther traz o homem em um embate individual, uma luta consigo mesmo, opondo-se, pois, sentimentalismo e industrialização.
Esse desencantamento social, diante de uma transformação ainda não concretizada plenamente: a Revolução Industrial, teria feito muitos jovens desistirem da vida do mesmo modo como Werther, a tal ponto que a obra foi proibida na Alemanha em anos posteriores.
Mais perto do nosso horizonte, penso que ficariam ‘Madame Bovary‘, de Flaubert; ‘O Primo Basílio‘, de Eça de Queiróz, e a nossa Capitu em ‘Dom Casmurro‘, de Machado de Assis, que introduzem o tema do adultério. Evidentemente, aqui, está toda uma crítica que rompe com o ideário do Romantismo até então em voga: “Casaram-se e foram felizes para sempre” (ou a empresa romântica em que sogro e genro estabelecem uma sociedade).
Mas conteúdo e forma? Na graduação, ao trabalhar com ‘Os Lusíadas’, os meus alunos impressionavam-se com a quantidade de versos compostos em métrica decassílaba (dez sílabas métricas). Refiro-me ao cuidado de um poeta que se debruça sobre os seus versos e seleciona palavras, sinônimos de palavras, sons, classes de palavras que lhe deem a rima rica, perfeita.
O Parnasianismo, que vigorou entre nós, no final do século XIX, foi exímio nesse cuidado com a forma, que acabou desconsiderando o conteúdo. Alberto de Oliveira é o exemplo mais bem acabado, uma vez que, em especial, Raimundo Correa traga um romantismo tardio.
O início do século XX, as transformações sociais e tecnológicas impressionaram o ser humano, sobretudo, europeu: carros, locomotivas, avião. Era preciso um texto mais ágil, tão veloz como a máquina que se apresentava. Rompeu-se com a forma.
O horror da Primeira Guerra Mundial também provocou esse rompimento. O avião, por exemplo, foi usado como arma de guerra. O Holocausto nazista, isto é, a matança de judeus na Alemanha, por sua vez, gerou a Literatura de Testemunho. Na verdade, em todas as situações em que o ser humano se vê defrontado com a violência e falta de liberdade, as letras são uma salvação. Prosperaram textos intimistas durante a pandemia.
Colocar-me-ia a favor de Aurora Formoni Bernardini: nem todos os textos serão sucesso, nem todos os textos serão eternos, alguns ficarão como boas lembranças. Falta-lhes literariedade (nos meus textos, identifico essa falta! Não é à toa que opto por crônica, quase ensaio).
É importante, no entanto, afirmar: Maria Firmina dos Reis produziu e publicou os seus textos no Brasil escravocrata, era mulher, era mestiça, era professora, usou um pseudônimo e, ainda assim, com a passagem dos anos, foi redescoberta, post-mortem, e é reconhecida como a primeira romancista do Romantismo no Brasil – não nos intimidemos. Permito-me parafrasear Camões: Os tempos mudam, as vontades mudam, tudo é composto por mudança. Quem sabe?
Elaine dos Santos: ‘Reflexões sobre o mês de agosto’
Elaine dos SantosImagem criada por IA do Bing – 05 de agosto de 2025, às 11:10 PM
Dizem (ah, como as pessoas dizem!) que sou muito cética em relação ao conhecimento popular (ah, se elas soubessem o que eu sei!). Estamos em pleno mês de agosto, mês do desgosto, segundo enuncia a sabedoria popular.
O filósofo grego Aristóteles , contrapondo-se ao seu preceptor, Platão, enunciou a mimese, isto é, a representação das coisas feitas pelo artista. Para Platão, o artista fazia uma representação de segunda ordem. As coisas existiam no mundo das ideias e o marceneiro ou o carpinteiro representavam-nas como objetos físicos.
Há um romance de Rubem Fonseca, chamado ‘Agosto‘ e que enfoca os acontecimentos de agosto de 1954, que desembocaram na morte do ex-presidente Getúlio Vargas, que me parece exemplar quando abordamos a mimese e, ao mesmo tempo, a fatídica fama do mês de agosto.
Como se trata de ficção que tem a História como pano de fundo, não existe o propósito de contar A verdade dos fatos, mas uma possível verdade, dentre tantas que, talvez, com o decorrer dos anos, ainda possam vir à tona. Sim, e daí?
O leitor do romance ‘Agosto’, de Rubem Fonseca, pode ler os eventos ficcionalizados ‘a gosto’. Lembrei-me disso porque vivemos uma época em que as pessoas leem o cotidiano acreditando que existe apenas uma e absoluta verdade, como se determinados políticos, religiosos detivessem a ‘fórmula secreta da verdade’.
A propósito: que verdade?
Segundo a tradição, a desventura do mês de agosto teria começado na Península Ibérica quando navegantes partiam em suas caravelas para longas viagens. Era o tempo das grandes navegações. Na praia, ficavam mães, namoradas, esposas, filhas que pranteavam o destino dos homens da família… Era sempre uma incerteza sobre o retorno.
No entanto, o século XX (20) foi pródigo em reforçar a má fama do mês de agosto (ou teria sido mero acaso?): a Primeira Guerra Mundial teve início em agosto (na verdade, a data oficial é 28 de julho de 1914, mas a responsabilidade recaiu sobre agosto); a Segunda Guerra Mundial teria encerrado com um armistício assinado em 14 de agosto de 1945; por outro lado, é impossível não registrar o horror das duas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 6 de agosto e 9 de agosto de 1945, respectivamente.
No Brasil, além da morte de Getúlio Vargas, em 1954, é possível registrar a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, o que criou um clima de grande instabilidade política, visto que o seu vice-presidente, João Goulart, não era bem-visto pelos militares, que temiam a sua posse. Para apaziguar os ânimos, o Brasil viveu a experiência parlamentarista, quando Tancredo Neves assumiu como primeiro-ministro.
Cabe lembrar ainda o estranho acidente que vitimou Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK), ex-presidente, em 22 de agosto de 1976. Diversas teses envolvem o acidente, como sabotagem mecânica, envenenamento do motorista etc. De qualquer sorte, JK também morreu em agosto.
Consagrado por retratar a violência urbana, Rubem Fonseca, no livro ‘Agosto’, proporciona-nos essa possibilidade de “’er o mundo’ justamente sob a ótica literária, da mimese, da imitação.
O historiador francês Paul Veyne ensina-nos que quem se dedica à escrita da História oficial não consegue recuperá-la em sua plenitude, vale-se de documentos, depoimentos etc., mas ressalta que, por exemplo, a batalha perdida por Napoleão em Waterloo tem várias nuances: a derrota sob a ótica de Napoleão, sob a ótica dos seus soldados, sob o olhar dos soldados vencedores, por exemplo, não é A História única e definitiva.
Tanto no acidente de JK, que teve o seu mandato como presidente questionado por atos de corrupção; como Vargas que poderia ter sido levado ao suicídio quando as acusações de Carlos Lacerda – corrupção e, na sequência, o crime da rua Tonelero, que teria sido encomendado para matar Lacerda – aproximavam-se aceleradamente do Palácio do Catete, poderiam ter tomado atitudes que fogem à compreensão do historiador e, portanto, dos registros históricos.
Rubem Fonseca, cujo romance foi publicado em 1990, abranda esse sentimento de totalidade – tão caro ao mundo grego antigo – para dar-nos a fluidez do mundo de Baumann, os grandes heróis que a História construiu e ofertou-nos eram ou são seres de carne e osso, dotados de músculos, nervos, vísceras, sangue, ideias que nem sempre se assemelham ao que pensamos, almejamos. Sendo assim, nós necessitamos dar-nos conta que a vida é uma sucessão de fatos inevitáveis, uma sucessão de narrativas.
Erich Auerbach, em seu livro ‘Mimesis‘, por exemplo, é pontual: você pode ler as grandes epopeias gregas – Ilíada e Odisseia – como elas são, ou seja, narrativas fictícias, atribuídas a um poeta, Homero, que não se sabe se existiu.
Por outro lado, ao ler a Bíblia cristã, você necessita assumir uma postura de crer ou não no Deus cristão – e isso não é menosprezo pelo Deus cristão, mas ter a ciência que, no mundo, existem outras religiões, outros deuses, outras crenças.
Por que mesmo que, passados 500 anos, continuamos associando agosto e desgosto?
Ivete Rosa de Souza: ‘Para onde caminha a humanidade’
Ivete Rosa de SouzaImagem criada por IA do Bing – 29 de junho de 2025, às 21:09 PM
“A humanidade na contramão da sanidade. Perdeu-se de vez a compostura, o respeito à vida, a perpetuação da espécie.”
Confesso estar deveras assustada com as notícias reproduzidas na mídia com estardalhaço.
O misterioso aparecimento de pais de bebês reborn. Fato esse tão absurdo quanto a valorização de um objeto inanimado. Como pode se levar um boneco de silicone, recheado de fibra, ou seja lá o que for, para um hospital, uma igreja? Exigir tratamento médico como se fossem verdadeiramente humanos?
Se bem que os proprietários de tais objetos, possam eles necessitarem de ajuda especializada com urgência, investidos de insensatez, de loucura temporária, ou acometidos de alguma síndrome de IA, que na moda atual digere e comanda os que têm preguiça de usar sua própria capacidade de pensar, ou distinguir o imaginário e a realidade.
A mídia alimenta e fomenta ainda mais tais comportamentos, fala sobre bebês, bonecos de mães ainda mais irresponsáveis. Enquanto filhos reais são relegados como objetos, e animais domésticos são descartados como lixo nas ruas.
A humanidade na contramão da sanidade. Perdeu-se de vez a compostura, o respeito à vida, a perpetuação da espécie.
Caminhando nas ruas, o que se vê? Pessoas de todas as idades, ao celular, anestesiadas, embriagando-se com as mídias, esquecidas até da própria vida. São tantas notícias mostrando o lado sombrio do ser humano. Tudo isso associado ao excesso de mídias e à distração, sob abdução eletrônica, perda dos sentidos humanos.
Gente que deixou de ser gente para ser pai e mãe de brinquedo, enquanto bebês reais são abandonados.
Pobreza, violência e tantas outras mazelas assolam o nosso mundo, enquanto humanos se conformam em fugir da realidade brincando de boneca. Tem cada uma.
Humanidade em desgraça, fora do eixo, sem compaixão ou crença, sem amor, perdão e inteligência.
Cláudia Lundgren: ‘Pra não dizer que não falei dos espinhos’
Cláudia LundgrenImagem gratuita do saite Pixabay
Uma hora da madrugada – isto são horas de ficar filosofando? De ficar querendo saber o porquê das coisas? De ficar supondo sobre o que jamais, de fato, saberei?
Pois é! Não sei se pelo avançar das horas, mas esses pensamentos viraram uma verdadeira salada, envolvendo rosas, espinhos, seres humanos e outros ingredientes.
Alguém saberia me explicar o porquê da existência dos espinhos nas rosas? Logo elas, as mais belas, com suas pétalas aveludadas de tons escandalosamente deslumbrantes, e o perfume que as indústrias do ramo buscam, a qualquer custo, sinteticamente imitar. Aqui em casa ninguém soube me responder.
Será que a rosa perderia a sua humildade, se não fossem seus espinhos? O que ela diria aos seus botões, caso eles não existissem? “Sou a rainha das flores, visto-me com uma roupagem ímpar e o meu perfume é o melhor dos jardins. Quando Deus me fez, Ele disse: ‘Desce e arrasa!’”. Ah, mas “que bobagem, as rosas não falam.” (OLIVEIRA, 1976); porque se falassem, não se vangloriariam, exatamente por possuírem espinhos na carne.
Os espinhos não tiram de forma alguma a majestade da rosa, mas assim como nós, ou como quaisquer seres vivos, ela tem seu lado obscuro. Ninguém pode orgulhar-se muito de quem se é; sim, devemos lutar, ferrenhos, dia após dia, para que o nosso lado bom sobressaia; devemos ser conhecidos por atitudes positivas; mas eles estão lá, e abatem nossa soberba; estão lá para nos lembrar da nossa natureza humana; nós não podemos vê-los a olho nu, mas assim como a rosa, somos cravejados de espinhos.
Certa vez, o cravo e a rosa brigaram, e ele saiu ferido; bem, a rosa não tem braços para bater nem pernas para sair do lugar e ir buscar paus, pedras, vassouras, facões ou outras espécies de arma. Ele foi ferido, certamente, por aquilo que havia na rosa: espinhos – objetos perfurocortantes inerentes à sua natureza. Quantas e quantas vezes ferimos os outros com as nossas próprias armas, com aquilo que temos de pior? Palavras que ferem e fazem sangrar a pele alheia, e doem, talvez, bem mais do que uma bofetada; palavras deixam marcas profundas, cicatrizes horrendas, que nem mediante microscópios somos capazes de ver; marcas na alma. Quantas vezes julgamos ter amigos, e nem sabemos que eles vivem nos apunhalando pelas costas com o punhal da falsidade. Quantas vezes humilhamos pessoas, e as fazemos sentir pequenas. Quantas vezes escarnecemos de alguém e ficamos de risadinhas. Quantas vezes, quantas vezes… São os nossos espinhos, lançados como dardos inflamados, capazes de ultrapassar as barreiras da pele e atingirem no profundo o nosso semelhante. Quem pode se vangloriar que atire a primeira pedra.
As situações também demonstram que nem tudo são flores – pra não dizer que não falei delas, de todas elas. Existem os percalços, os obstáculos, que a todo momento temos que ultrapassar; existe a brisa e o furacão; a bonança e a tempestade; existem os leões diários que temos que matar; flores e espinhos.
As reflexões vão ainda mais longe: é através das ‘espinhadas’ da vida que crescemos, que evoluímos, que nos tornamos ‘cascudos’. Os espinhos são maus, em contrapartida, são as armas de defesa das rosas contra cravos que tentam contra a sua honra; que fazem sangrar as mãos daqueles que tentam matá-la, arrancando-a vorazmente do solo.
Vou encerrando por aqui porque já passou das três e preciso descansar esta mente bombardeada de achismos, suposições e reflexões, sabendo que certeza mesmo só quem tem é Deus, que gentilmente confidenciou aos biólogos e botânicos. Boa noite!
Joelson MoraImagem criada por IA no Bing – 07 de março de 2025, às 12:00 PM
O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, é mais do que uma data comemorativa. É um marco da luta feminina por igualdade, dignidade e respeito. O que começou como uma reivindicação por direitos trabalhistas no início do século XX se tornou um símbolo global da resistência contra a opressão, da conquista de direitos civis e da incessante busca pela liberdade feminina.
Mas, ao mesmo tempo em que celebramos as conquistas, também precisamos olhar para as cicatrizes dessa jornada. Quantas mulheres ainda vivem em sociedades que as silenciam, mutilam e subjugam? Quantas ainda carregam fardos que não escolheram?
Em 1911, o primeiro Dia Internacional da Mulher foi celebrado em vários países, inspirado pelos movimentos trabalhistas que exigiam melhores condições e direito ao voto. A tragédia do incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist, em Nova York, onde 146 mulheres morreram presas nas chamas devido à negligência dos patrões, impulsionou ainda mais essa luta. Desde então, mulheres ao redor do mundo se mobilizaram para garantir direitos básicos como educação, trabalho digno e participação política.
Porém, enquanto algumas mulheres conquistam espaço no mercado de trabalho e na política, outras continuam aprisionadas por costumes arcaicos. No Afeganistão, meninas são proibidas de estudar. Na Somália, a mutilação genital feminina é uma prática comum. Na Arábia Saudita, até pouco tempo atrás, mulheres não podiam dirigir.
O mundo evolui, mas a opressão feminina ainda é real e brutal.
A saúde da mulher sempre foi um campo de batalha. Durante séculos, seus corpos foram controlados, explorados e silenciados. No passado, mulheres que sofriam de depressão ou ansiedade eram rotuladas como “histéricas” e submetidas a tratamentos desumanos. Hoje, muitas ainda enfrentam diagnósticos tardios por serem desacreditadas em suas queixas médicas.
Dados alarmantes demonstram essa desigualdade:
Doenças cardiovasculares são a principal causa de morte entre mulheres, mas pesquisas médicas ainda são majoritariamente baseadas em corpos masculinos.
A endometriose afeta 10% das mulheres em idade fértil, mas leva em média 7 anos para ser diagnosticada.
O câncer de mama é o mais letal entre as mulheres, mas em muitas regiões pobres, o acesso à mamografia é quase inexistente.
Além disso, as violências psicológicas e físicas impactam diretamente a saúde mental da mulher. Depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático são mais comuns entre elas, muitas vezes resultado de relacionamentos abusivos e violência doméstica.
A sociedade moldou a imagem da mulher como um objeto. Desde a publicidade até as redes sociais, há uma exigência contínua para que a mulher seja bonita, magra, sensual, mas sem ser “vulgar”. A sexualização precoce é normalizada, ao mesmo tempo em que a liberdade sexual feminina ainda é julgada.
Quem definiu que o corpo da mulher pertence ao olhar dos outros e não a ela mesma?
A resposta está enraizada na cultura patriarcal, que por séculos ditou regras sobre como a mulher deve se vestir, se comportar e até sentir prazer. A pornografia industrializou esse conceito, transformando a mulher em um produto a ser consumido.
Mas mulheres não são objetos. São donas de seus corpos e de suas histórias.
Muitas culturas defendem a circuncisão masculina como um rito de passagem ou uma questão de higiene. Embora polêmica, essa prática não impede a função sexual do homem.
Já a mutilação genital feminina (MGF) é um ato de brutalidade. Realizada em meninas entre 5 e 15 anos, a MGF envolve a remoção parcial ou total dos órgãos genitais femininos, causando dor insuportável, infecções, problemas sexuais e traumas psicológicos irreversíveis. O objetivo? Controlar a sexualidade da mulher, negando-lhe prazer e autonomia sobre seu corpo.
Essa prática ainda acontece em países como Somália, Sudão, Egito e Etiópia. Segundo a ONU, mais de 200 milhões de meninas e mulheres foram submetidas à mutilação genital.
Enquanto isso, em algumas sociedades ocidentais, há debates sobre cirurgias estéticas invasivas em meninas, como a labioplastia, para que seus corpos se enquadrem em padrões estéticos impostos. A diferença entre tradição e imposição cultural é tênue – e o impacto, devastador.
Ser mulher é carregar histórias, dores, conquistas e uma força ancestral. É saber que, apesar dos obstáculos, há uma voz que resiste, que se impõe e que grita por liberdade.
Mas o que ser livre significa para cada mulher?
É poder escolher sua carreira sem ser desmerecida?
É decidir sobre seu próprio corpo sem ser julgada?
É andar na rua sem sentir medo?
É ter espaço na política, na ciência, no esporte, sem ser questionada?
Cada mulher carrega sua própria resposta. O mais importante é que nenhuma mulher se cale diante do que lhe fere.
Homens e mulheres têm um papel nessa mudança. Precisamos questionar padrões, apoiar movimentos femininos, educar meninos para respeitarem as mulheres, criar ambientes seguros e oferecer apoio àquelas que ainda vivem sob o peso da opressão.
E você?
Você se respeita?
Você se permite ser quem realmente é?
Você fortalece outras mulheres ou as julga?
A liberdade feminina não é apenas um direito – é um chamado para que todas as mulheres vivam sua essência plena, sem medo, sem correntes e sem silenciamentos.
Neste Dia Internacional da Mulher, celebremos a luta, mas também a reflexão. Porque um mundo verdadeiramente livre só existirá quando todas as mulheres forem livres.