Desejo de Natal

Ivete Rosa de Souza: Crônica ‘Desejo de Natal’

Ivete Rosa de Souza
Ivete Rosa de Souza
Imagem criada por IA do Grok – 9 de dezembro de 2025, às 15:25 PM – https://grok.com/imagine/post/ff78fc4c-8a0f-402e-8a0d-9c7d958d89f8-1

Muito cedo, descobri que Papai Noel era só uma foto, ou algum senhor de barbas brancas, com roupas vermelhas, e ar bonachão. Literalmente, nunca acreditei em Papai Noel. Minha mãe adorava o Natal. Eu vi em seus lindos olhos verdes certa tristeza, ou descrença. Passamos muitos natais, com o mínimo humanamente possível.

Meu pai trabalhava muito, mas por vezes se perdia com jogos de azar. Minha mãe, para compensar, além do trabalho em casa e com os filhos, começou a trabalhar de faxineira, e era ela que, por muitas vezes, salvou o Natal.

Ela tinha a tradição de ir à missa do galo. Eu e meus irmãos sonolentos acompanhávamos. Íamos à missa, com nossas roupinhas novas, isto se ela tivesse conseguido comprar, ou escolher entre as roupas doadas à Igreja. Ou mesmo que ela tivesse comprado tecido e, com suas pequenas mãos, fizesse vestidos para as meninas, bermuda meu irmão.

Não sei como ela conseguia, nem quando tinha tempo para costurar, mas sempre estávamos com uma roupa especial para o Natal.

 Meu pai, ao ver o esforço de minha mãe, algumas vezes, saía com sua maletinha de ferramentas, batendo de porta em porta, oferecendo pequenos consertos, limpeza de fogões, telhados, o que fosse. Muitas vezes saía pela manhã, voltava só à noite, com algum dinheiro, e alguns doces, ou biscoitos, que nós devorávamos.

Foram muitos Natais, com meus pais e meus irmãos. Depois do falecimento de meu pai, nós, os filhos, tínhamos que estar de véspera na casa de nossa mãe. E se alguém faltasse, com certeza não teria explicação. A nossa mãe emburrava, levaria meses para perdoar a falta. Não dava muita trela para o início do novo ano, poderia ir aonde quisesse, mas o Natal era sagrado.

Eu, como policial, por muitos anos, trabalhei em sistema de rodízio. Escalas que sobravam para quem era solteiro ou casado sem filhos. Não era por minha vontade trabalhar no Natal ou Ano Novo. Mas era difícil explicar para minha mãe que tinha de cumprir escala de 12 horas ou iniciar um turno, das 22 às 6 da manhã, em pleno Natal. O jeito era sair do trabalho e correr para almoçar com ela, mesmo assim, o clima ficava tenso, aqueles olhos verdes me fulminaram diversas vezes.

Demorou, mas se acostumou, depois vieram os netos. Os de minhas irmãs, e por último os meus. Ela agora tinha motivos de sobra para que não faltasse ninguém, ai daquele que atrasasse. 

— Que desaforo é esse? Corri o dia todo, fazendo tudo o que vocês gostam, para atrasar e comer frio?

— Mas mãe, estamos todos aqui, não é isso que importa?

—Está bom! Vão se ajeitando aí.

Minha mãe era exagerada na cozinha, sempre sobrava um montão de comida. E ela separava em seus potinhos. Comida para cada um dos filhos, mais um pouco para cada neto. E ainda assim sobrava e levava para os vizinhos. Todos os anos, era a mesma coisa. Faz menos comida, vai estragar. Ela não respondia, só olhava de lado, o jeito era sair do caminho daqueles olhos, que diziam:

— Não te pedi opinião.

Confesso que, hoje em dia, a exagerada sou eu. Meu esposo ria e falava: — Você puxou à sua mãe. Mulher exagerada e ria, claro, saindo de perto, que com certeza, meus olhos não verdes como os de minha mãe, falavam a mesma coisa.

Os Natais foram escasseando, com uma única exceção: meu irmão era o único presente, já que morava com nossa mãe. Comecei a receber os parentes de meu marido em casa. Ia buscar minha mãe, uma ou outra vez ela veio. Mas se sentava em um canto e ali permanecia. Acredito que se sentia deslocada.

Nós a buscávamos, trazia meu irmão, e convidava as minhas irmãs, mas nenhuma vez elas vieram. Nem mesmo sabendo que nossa mãe fazia questão de reunir todos nós.

Outras vezes, ela não quis vir, e outras ainda adoentada, tirava nossa vontade de festejar. Fazíamos um jantar simples, entregávamos os presentes das crianças, e só; algo se perdeu no caminho. O Natal, que era sinônimo de idas à missa do galo, roupas novas, muita comida, risos e festa, ficou para trás. Minha mãe partiu há sete anos completos, nossos Natais encantados e cheios de riso, por causa da birra de mamãe, ficaram mais tristes.

 Eu me entristeço no Natal, sinto a falta de minha mãe, e até das broncas. Adorava provocá-la. Aqueles olhos verdes ainda me inspiram a fazer para meus filhos um Natal, que nunca será igual, aos de dona Margarida.

Sempre teremos a troca de presentes, um prato especial, posso até ir à Missa do Galo, ou acompanhar na TV. Mas, nossos Natais, com toda a certeza, empobreceram, deixaram de ser o dia mais importante do ano. Pois minha Margarida Rosa, a mulher mais natalina que conheci, não está mais aqui.

Ivete Rosa de Souza

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Reencontro

Irene da Rocha: Poema ‘Reencontro’

Irene da Rocha
Irene da rocha
Imagem criada por IA do Grok

Cruzamos tempo, espaços e caminhos,
Dormindo ao som dos ventos, distraídos,
Mas hoje, enfim, nos vemos reunidos,
Quebrando a solidão dos desalinhos.

O grito ao vento leva os carinhos,
Transforma os lamentos já sofridos,
E faz dos corações antes partidos
Um lar que aquece e afasta os espinhos.

Não é partida é o começo ardente,
No toque o lume, no olhar a verdade,
E a alma encontra a alma eternamente.

Vivemos juntos, mesmo em saudade,
Corpos distantes, mas o amor presente,
No cosmos somos pura eternidade.

Irene da Rocha

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Minha saudade

Verônica Moreira: Crônica ‘Minha saudade’

Verônica Moreira
Verônica Moreira
Imagem criada pelo getimg.ai/image-generator - 14 de julho de 2025, às 20h35 PM
Imagem criada pelo getimg.ai/image-generator – 14 de julho de 2025, às 20h35 PM

Minha saudade virou interrogação, não vejo por que a senti. Para que sentir saudade de algo ou alguém tão irreal de sentimentos? Nem toda saudade precisa ser acariciada com as mãos do coração…

Tem saudade que a gente quer sentir, tocar, abraçar e até beijar. Saudade de sentir o gosto, o cheiro, o contato e o calor. Saudade de colo de vó, de mãe, de abraço de professora e de tia. Eu sinto saudade de tempos de escola, de adolescência, de salada mista. Mas não me permito sentir mais saudades da ficção, dos sentimentos falsos. Aquelas mentiras regadas de olhares e poesias que inventavam amores.

Quantas juras de amor as pessoas fazem apenas para ter um momento de estrela… Estrelas apagadas, que não encontraram o amor verdadeiro. Por não encontrarem, vivem um conto de mentiras dentro de si mesmos.

Há tempos não acredito mais em príncipes, nem em cavalheiros. Acredito, sim, na realidade. E aprendi a encontrar felicidade nos olhares que estão à minha volta. É bom acordar de manhã com alguém nos paparicando, trazendo café da manhã. É lindo ter, à minha volta, os melhores do mundo: filhas, filho, genros, netos. Essa será minha cultura para sempre: ter o amor de quem me ama e amar quem é real.

Por isso, não sinto saudades do passado. Enterrei-o no momento em que deveria. Minha saudade virou interrogação, não vejo por que a sentir.

Verônica Moreira

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Meu templo

Evani Rocha: Poema ‘Meu templo’

Evani Rocha
Evani Rocha
Imagem gerada por IA do Canva - 25 de junho de 2025, às 08:30 PM
Imagem criada por IA do Canva – 25 de junho de 2025,
às 08:30 PM

Lembro-me das histórias
Do jardim ensolarado
Dos pedregosos caminhos
Das veredas orvalhadas

Dos ramalhetes amarelos
Pendurados nas janelas
Da saudade impregnada
Nos ladrilhos das calçadas

Abdiquei-me dos detalhes
Das folhas do calendário
Engavetei na memória
O silêncio da verdade

Despedi-me das utopias
Vesti-me de realidade,
Nos ponteiros do relógio
No murmúrio da cidade

Não me apetece conselhos
Planto as minhas sementes,
Aceito minha colheita
Não me doma o espelho
Nem a peleja da lida

Eu sou o meu próprio templo
O tempo em correria
O mover das estações,
As águas em correnteza
Os trilhos e os vagões

Trago as marcas nos pés
Nas mãos o amanhecer
Nos olhos trago a certeza
Dos vales que atravessei
Das flores que eu colhi
E das que nunca plantei!

Evani Rocha

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À porta da casa

Zé Franco: Poema ‘À porta da casa’

Ze Franco
Zé Franco
Imagem criada por Ia do Bing – 16 de maio de 2025,
às 10:05 PM

À porta da casa
havia um caminho
cuja beira era a nossa varanda
(às vezes cheia de saudades,
outras, cheia de ausências),
então, passavam homens
passavam mulheres
e passavam várias idades
não podíamos contar os sonhos
porque não tinham nem gênero
nem idade, nem raça.
Vivos ou mortos,
cada caminhante é uma terra de sonhos.

Zé Franco

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Caatinga

Ceiça Rocha Cruz: Poema ‘Caatinga’

Ceiça Rocha Cruz
Ceiça Rocha Cruz
Imagem gerada por IA do Bing - 10 de dezembro de 2024
 às 2:47 PM
Imagem gerada por IA do Bing – 10 de dezembro de 2024
às 2:47 PM

Fim de tarde.
Na várzea do meu sertão,
mata seca,
chão ressequido,
solidão.

Galhos secos e avencas,
espinhos de mandacarus
perfuraram meu peito.
Feridas abertas de saudades
que se derramam na janela
do tempo.
Falta você…

Você é o meu sol
a desabrochar
inebriando o dia.
O vento a sussurrar
aos ouvidos, versos poéticos,
meu abraço,
meu tudo…

Lá do alto,
carcará e gavião sorridentes,
espreitam,
emolduram o cenário.

Hoje a caatinga voltou a sorrir.
Você trouxe a chuva,
guardou o sol,
aprisionou-me na sua história
e no seu amor.

A alegria invadiu o meu viver.
A caatinga do meu peito
transformou-se,
inundou com o seu rio,
a várzea do meu sertão.

Ceiça Rocha Cruz

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Quietude sombria

Ceiça Rocha Cruz: Poema ‘Quietude sombria’

Ceiça Rocha Cruz
Ceiça Rocha Cruz
Imagem gerada por IA do Bing – 3 de dezembro de 2024 às 10:42 AM

Caminho solitária
num dia sombrio e medonho
de passos lentos, saudade irreprimida,
desiludida; busco você
no meio do nada.

Na rua vazia
pálidas sombras guiam-me
e um nevoeiro de tristeza e saudade
impede-me de ser feliz.

Entrei na inexpressiva réstia taciturna
da vida, obcecada pela saudade,
sem você, sem seu amor,
nos mistérios da solitude do tempo.

No silêncio ensurdecedor,
você veio
e o Sol brilhou encantando a vida, enfim
e uma voz murmurou…
basta de saudade, de melancolia,
sou o chão da tua sombra
o teu amor.

Assim, dissipou a tristeza,
a saudade incontida,
acendeu a chama do amor,
na janela da emoção,
na quietude sombria.

Ceiça Rocha Cruz

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