O que mora na seca do sonho

Ella Dominici: ‘O Que Mora na Seca do Sonho’

(Serapião de Aurora, alter ego de Ariano Suassuna, alma sertaneja e verbo resistente)

Ella Dominici
Ella Dominici
Imagem criada por IA do Bing
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Sou aquele que inventa sede pra beber palavra.
Não tenho nome, tenho sina:
sou o riso que ficou preso no galope do vento,
sou o santo que erra rezando,
sou o ermo que sonha com mar.

Nasci do barro e da conversa.
Minha mãe foi uma nuvem com fome de chuva,
meu pai, um aboio que fugiu do curral.
Aprendi cedo que o verbo nasce de faca:
é cortante, mas abre caminho pro coração passar.

Falo o português que o sol ensinou —
cheio de calor, cheio de teimosia.
E quando a palavra falta,
invento um silêncio de passarinho.

Tenho dentro de mim um sertão que não cabe em mapa.
É um mundo de rezadeiras e vaqueiros,
onde o riso é remédio e a dor é professora.
Por lá, as histórias se deitam no chão,
esperando que alguém as acorde com fé.

Sou o auto e o milagre,
sou o palhaço que filosofou diante do altar,
sou o Cristo que sorriu do alto do gibão.
Sou o cavalo sem freio do pensamento nordestino,
que corre, tropeça, mas não se entrega.

E quando o céu se quebra em trovão,
eu digo: é Deus rindo alto de nós.
Porque até o divino, no meu sertão,
tem um sotaque de barro e poesia.

Ella Dominici

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