No silêncio do entardecer a vida passava. Percursos íngremes, trajetos sinuosos, ora longos, ora curtos, cheios de dor, de solidão, de saudades.
Enveredava na plácida tarde, caminhos pedregosos, juntando pedras, para construir castelos, fortes à ventania e às tempestades.
No murmurejo das águas do rio Vermelho e nas pedras dos mistérios, dos segredos, da ilusão, o tempo passou.
Recriava a vida buscando o cume da montanha, livrando-se dos tropeços, tornando os empecilhos transponíveis.
Na solidão dos versos, sonhos e canções, canções d’amor ao murmúrio do vento.
À sombra mortalha do silêncio sussurros ditavam o tempo, imprimindo sobre as pedras, sua história, sua fortaleza e solidez, no caminho de pedras do existir.
Na tarde que fenece, no macio azul do rio, navega feliz desliza ligeiro vai além de águas afora, um barquinho.
Abre as pálpebras do entardecer, desperta no silêncio ensurdecedor a solidão.
No limiar da tarde, debruça-se solitário às margens, amamentado de saudades.
Na varanda do tempo, na placidez do vento, um lamento. Um rumorejo dos lábios ecoa à beira do rio silencioso.
Enfim, sob a névoa dos olhos da tarde, o barquinho vai, navegando vai… Fustigado pela solidão do eterno tempo, vai… Assiste o Sol que morre no fim do dia e vai.
No coração do tempo um olhar vago, meus olhos buscaram os teus, mergulhando fundo neste olhar.
Apaixonei-me, colori todo o firmamento com este amor.
No silêncio da tarde tu te foste, um vento selvagem levou parte de mim, deixou-me na solidão.
E na canção do adeus o sussurro: eu sempre vou te amar! Olhos saudosos desenhados de lágrimas, acenos, brancos lenços, a dor da partida e uma saudade atroz.
Na névoa dos olhos da tarde e dos meus, debruçada na janela do pensamento, à sombra da mortalha do silêncio que a ti me leva, choros.
Leva-me no teu pensar, na fímbria da tua vida do teu amor, para ouvir o ressoo do teu coração num turbilhão de batimentos e ecos… amo-te!
Sou tua brisa forte, tua ventania. Leva-me nas asas do teu vento que assovia voraz, no teu sonho para sonhar acordada pra te dizer: eu sempre vou te amar. Leva-me contigo! Leva-me!
Neste momento, não há lugar para poesia nas palavras que estou escrevendo; talvez isso seja um tipo de legado, pois reúne tudo o que possuo… No entanto, é possível que meus herdeiros não venham a existir… Quem poderia se interessar por palavras e sentimentos que, à primeira vista, não parecem ter significado? Em um tempo como o nosso, quem teria a sensibilidade de preservar minhas escritas como verdadeiros tesouros?
Ah, meus caros amigos, será que ainda vale a pena deixar mais preciosidades dispersas pelo ar, em lugares gelados ou mornos? Neste instante, o que me rodeia são incertezas e uma esperança que, atualmente, mantenho em banho-maria. Sinto que não estou me cabendo dentro de mim mesma… E, quem se preocupa com isso? Aqueles que herdaram a essência da mulher poetisa, que transforma a poesia em sua riqueza. A quem caberá encontrar a chave do meu baú de tesouros?
Refletindo sobre minhas crenças, imagino como seria a disputa entre meus possíveis herdeiros. Acredito que alguns deles tentarão se apropriar dos meus versos carregados de melancolia e solidão. Alguns poderão sentir-se mais atraídos pelos meus poemas fervorosos, repletos de paixão, enquanto outros poderão ansiar por reviver a infância em que o doce de coco era infinitamente mais tentador do que os de hoje. Contudo, ninguém será capaz de vivenciar as emoções que eu experimentei, desde a angústia mais intensa até aquelas paixões torcidas que me levaram à loucura.
Ah, meus descendentes! Lembrem-se de compartilhar minha herança com os necessitados de sabedoria, pois tudo o que deixo a vocês, apesar de parecer pouco, foi um presente que recebi um dia, sem pedir, de um poeta que guardou seu valioso legado dentro de mim. Não se tratava de dinheiro, prata ou ouro, mas de um tesouro que poucos desejavam, embora todos os que o possuíram se tornassem ricos, mesmo sem perceber que o verdadeiro herdeiro é aquele que lê.