Paulo SiuvesImagem criada por IA do Bing – 08 de julho de 2025, às 19:30 PM
Sempre vi o frio como poesia sazonal. Ele chega devagar, no começo do outono, cortante e sussurrante — um frio que as pessoas desprezam, até que percebem que não era só um ventinho qualquer, mas um inverno disfarçado.
De manhã, o frio contrasta com o brilho generoso do sol, mas é um brilho gelado, como o da luz acesa da geladeira — presença sem calor.
À tarde, o vento sopra na minha orelha frases que ninguém mais escuta. Os outros correm pela avenida, com seus fones de ouvido, seus compromissos, suas camisetas de verão. E eu, me encolho num frio que castiga os mais frágeis do que eu — e às vezes, sou eu quem é.
À noite, um mingau, um caldo, ou um vinho encorpado, tinto generoso como as estrelas que brilham de longe, trazem algum alento.
Os tecidos de algodão tentam, em vão, proteger minha pele desse poema gelado que o frio insiste em declamar na minha orelha.
E eu me recolho, em silêncio, sob o abrigo dos cobertores, porque o frio — o frio não é psicológico, coronel.
Evani RochaImagem criada por IA do Gencraft – 16 de junho de 2025, às 10:20 PM
Sobre a mesa os cotovelos magros, e as mãos com seus dedos longos e finos apoiando o queixo… Era uma mesa de madeira lisa, dura, silenciosa. Os lábios cerrados também eram silenciosos. Os olhos parados ao longe, no abandono daquele rosto esguio cruelmente insignificante. Quem se importa com a dor da infância? Se já é gente grande, com dores tão imensas, e tão distante daquelas? O horizonte parece um caminho para as nuvens, mas não são nuvens dessas brancas que se diz como algodão. Elas têm cores: alaranjadas, acinzentadas, violetas e carmim… O quadro da parede retrata uma casinha solitária em frente a uma montanha nua, sem árvores, sem rios… Talvez aqueles pontinhos verdes sejam cactáceas, para resistir ao tamanho daquele sol!
O vento sopra o pó da estrada de terras que vai embora serpenteando o vale. A mesa também é insignificante. Não menos que todas as preces do fim das tardes, a se repetirem dia após dia… os pensamentos caóticos lhe cansam a paciência. Esperar dói! Dói muito, talvez pela incerteza. O quadro está torto, exposto, na parede de adobe. Que importa um quadro torto, se a vida também é torta!? Se pudesse arrumaria o quadro na parede, e colocaria nele pelo menos uma arvorezinha ao lado da casa… Se pudesse, tiraria as curvas do caminho de terra e deixaria que ele entrasse céu adentro, até às nuvens…
Se pudesse, não pensaria mais, deitaria na cama desarrumada, puxaria o cobertor e fecharia os olhos. Esticaria os braços frágeis com suas mãos magras e seus dedos longos. Lá fora na varanda ficaria a mesa dura e silenciosa para sempre, a olhar um horizonte tão distante a mudar de cores todos os dias. Insignificante, cruelmente insignificante.