Paulo Roberto Costa: 'A insustentável indiferença do ser'
“O dia lhe parecia promissor. Dirigia sem pressa, a caminho de seu trabalho. Tinha tempo. Seus pensamentos transitam erraticamente entre as lembranças do final de ano em família, seus afazeres programados para o dia em curso e seus planos para o futuro.”
Sexta-feira, nove horas de uma e agradável manhã de verão. O dia lhe parecia promissor. Dirigia sem pressa, a caminho de seu trabalho. Tinha tempo. Seus pensamentos transitam erraticamente entre as lembranças do final de ano em família, seus afazeres programados para o dia em curso e seus planos para o futuro.
Em dado momento, ao passar sob um viaduto, ouviu um enorme estrondo e tudo se apagou. Nem teve tempo de reagir. A enorme pedra, lançada por um marginal do alto do viaduto, estilhaçou o para-brisa de seu carro e atingiu sua cabeça. Seu carro, desgovernado, capotou diversas vezes. Segundo relatos, teve morte instantânea. Queira Deus!
No breve noticiário televisivo, a polícia, para ilustrar a enorme incompetência e descaso das autoridades, limitou-se a comentar que aquele local era o mais crítico daquela estrada, pelo número de ocorrências daquele tipo! Tragicômico!
A missa de sétimo dia representou o ato final de uma tragédia, com uma família destruída emocionalmente, incrédula e inconformada com a perda de mais um jovem que teve a vida ceifada nas mãos da criminalidade.
Passado um mês, dele só restou a lembrança na mente e nos corações dos familiares e amigos e um número nas estatísticas lamentáveis de um país abandonado à própria sorte. Foi somente mais uma notícia de tragédia, entre tantas outras.
Os telejornais, diariamente, nos bombardeiam com casos de crimes de todo tipo, como se estivessem abrindo a Caixa de Pandora, exemplificando o Código Penal item a item. São tantos, tão estarrecedores e frequentes que parecem nos deixar a todos entorpecidos, como se estivéssemos apenas assistindo a um filme de terror ou tendo um pesadelo do qual não conseguíssemos acordar. Assistimos quase que indiferentemente, notícias de crianças e jovens sendo chacinados por balas perdidas ou por policiais perdidos. Vemos o crime organizado, cada dia mais saudável, forte e violento, dando aulas de organização para um estado combalido e ausente. Políticos, que deveriam estar preocupados em fazer leis mais rígidas para conter a escalada da violência, agindo como os piores facínoras, com a despreocupação que a impunidade característica do país garante.
Aceitamos, como parte da vida, o medo latente que nos impede de sair à noite ou de irmos despreocupados até a padaria da esquina. Que nos mantém acordados enquanto o último dos familiares não chega a casa. Vivemos em prisão domiciliar, culpados por nossa própria omissão ou indiferença. Conformados, impotentes ou simplesmente desinteressados – uma vez que está acontecendo com o vizinho e não com conosco -, limitamo-nos a trocar mensagens nas redes sociais e a comentar nas rodas de bate-papo.
Parece que estamos até perdendo, paulatinamente, nossa própria capacidade de nos indignarmos. Termina o dia, desligamos a televisão, como se com isso estivéssemos deixando fora todo o mal do mundo mais uma noite, para continuarmos no dia seguinte, com nossa vidinha de ovelhas no matadouro, aguardando a hora de nos encontrarmos com o Criador.
Paulo Roberto Costa – paulocosta97@gmail.com