Uma roda que gira, mas segue imutável
Elaine dos Santos: ‘Uma roda que gira, mas segue imutável’


Recentemente, tive a oportunidade de conversar com um professor da disciplina da História e pesquisador da ocupação espanhola e portuguesa no Rio Grande do Sul, estado da federação no qual resido e conheço parte da História, porque a Literatura tem-na representado em diferentes obras.
Na escola, entrelinhas, parecem-nos afirmar que o estado mais meridional do Brasil sempre foi território português, desde que Pedro Álvares Cabral chegou à Bahia em 1500 e, claro, não fomos acostumados a questionar essas informações dadas como verdadeiras.
Não faz muito tempo, li postagens em redes sociais perguntando o motivo pelo qual não se ‘comemorava’ mais o dia do índio. Como escreveu Olavo Bilac: “Ora (direis) ouvir estrelas”, como desconheceis a Constituição Cidadã de 1988 e as escolhas dos povos originários do teu país? Ora, por que precisas ler, refletir, questionar, não é mesmo?
A grande obra romanesca que procura abarcar a História oficial sul-riograndense, fazendo-o do ponto de vista ficcional, é a trilogia de O tempo e o vento, de Erico Verissimo. Contudo, o ponto de partida é a presença de tropeiros paulistas na região, destinados à preia do gado, isto é, caçar (talvez, laçar) e conduzir bois e mulas para as feiras no interior paulista, que se destinavam à venda de charque, bem como mulas para o transporte nas Minas Gerais, no tempo do apogeu da mineração.
Talvez sobre o período áureo de Vila Rica (atual município de Ouro Preto), tenhamos uma obra satírica que nos conceda uma visão menos formal, menos romanesca daqueles tempos. Trata-se de Cartas Chilenas, composta por diversos poemas dotados de extrema ironia, obra atribuída a Tomás Antônio Gonzaga, sob o pseudônimo de Critilo, descrevendo as condições sociais, políticas, econômicas em Santiago do Chile, na verdade, Vila Rica, e os desmandos de seu administrador, Fanfarrão Minésio – o governador da Capitania de Minas Gerais – e a corrupção em seu governo. As Cartas são endereçadas a um interlocutor que residiria em Madri, Claudio Manoel da Costa, cujo pseudônimo era Doroteu.
Entretanto, retomando a conversa com o meu interlocutor versado em História, aprofundamo-nos no tema da violência que marcou a ocupação do Rio Grande do Sul. De novo, recorro à Literatura e ao conjunto de textos de Contos gauchescos, obra de Simões Lopes Neto, cujo narrador Blau Nunes não nos deixa esquecer que a violência estava presente nas guerras, mas também nas corridas de cancha reta, nos amores não correspondidos ou nas traições amorosas.
Esse tom belicoso, combativo, fez inúmera vítimas em solo gaúcho, independente da forma como a ficção o representasse.
No meu município, situado na região central do estado, há uma ponte em ruínas, cujas tábuas que uniam os pilares foram queimadas entre 1893 e 1895, num dos mais violentos enfrentamentos ocorridos nessas terras, a Revolução Federalista, também chamada Revolução da Degola, em que os adversários eram, de fato, degolados.
Necessariamente, essas conversas derivam para o mundo ocidental, que melhor conhecemos (ou achamos que conhecemos), afinal, Edward Said já nos ensinou que o Oriente é uma construção narrativa do Ocidente.
Quantas guerras estão em andamento no mundo? Quantas guerras temos conhecimento que estão em andamento no mundo hoje? Poucas pessoas sabem, mas há um território em algum lugar em que estão mulheres e filhos/filhas de homens, de diversas nacionalidades, que pertenciam ao Estado Islâmico e morreram, inclusive, em missões suicidas.
A questão é o que fazer com crianças e adolescentes ‘sem pátria’? Sim, a pátria de suas mães ou de seus pais teme recebê-los. As mães não querem apartar-se dos filhos. Eles configuram uma responsabilidade para os territórios que os abrigam. Esses espaços constituem algo semelhante a campos de concentração?
Finalizamos com o assunto que domina os noticiários. Incontáveis chacinas nos últimos 30 anos no Rio de Janeiro, mas o crime só cresce. A minha primeira lembrança de uma facção remonta à Falange Vermelha, na década de 1980, que se transformou em Comando Vermelho.
Achille Mbembe e sua necropolítica acabaram sendo a ‘explicação’, se é que ela existe, para a violência contemporânea – particularmente, no século XXI (21).
Lembrei-me que, em 1995, a escritora Patrícia Melo, publicou o livro O matador, que se tornou o filme O homem do ano, em 2003. O tema? Na mesma linha de Rubem Fonseca, a violência urbana. Maiquel, o protagonista, torna-se um criminoso brutal, aplaudido pela população, bem pago pelos mandantes dos crimes, até a sua derrocada, tornando-o vítima da mesma violência que ele protagonizava.


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