setembro 28, 2024
La rencontre de la brume et la brise 
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Paulo Roberto Costa: 'O velho Giba'

Paulo Roberto Costa: ‘O VELHO GIBA’

 

Velho, velho o Gilberto não era. Talvez de espirito, não sei. Na verdade, não devia ter 30 anos ainda, mas nós todos o chamávamos ‘o velho Giba’.

Era um operador de computadores do turno da noite, mas chegava sempre muito cedo na empresa; pelo menos antes do pessoal administrativo largar as canetas em pé e fugir do escritório.

Sua rotina era agradavelmente ímpar. Chovesse ou fizesse sol, o velho Giba, do alto de seus 1,60m, ia de sala em sala cumprimentar todo mundo. Um minutinho de prosa, uma piadinha ─  normalmente sobre o resultado de um jogo de futebol ─, e lá ia, com seu corpo um pouco rechonchudo e pernas levemente arqueadas, corredor abaixo. De sala em sala. Todos os dias.

Não deixava ninguém de lado e sequer se importava com os cargos ou com a pomposidade das salas. Parava nas soleiras das portas e cumprimentava quem lá estivesse. Podia-se marcar a hora pela sua passagem. Aos sábados, era o goleiro do time do escritório. Goleiro e mascote ao mesmo tempo. Não fumava e nem bebia, mas fazia todos rirem nos ‘happy hour’. Sempre.

Um belo dia, porém, o velho Giba não passou pelas salas. Chegou mais tarde, foi direto para o 13º andar onde trabalhava e assumiu o seu posto, murmurando soturnamente um cumprimento ao seu colega de trabalho que, embora tivesse estranhado sua atitude, não lhe deu muita atenção, consumido que estava pela carga de trabalho. Sequer notou também o silêncio inusitado e as respostas monossilábicas aos seus questionamentos.

Por volta das duas horas de uma madrugada fria e ventosa, o velho Giba foi até o ultimo andar do edifício que estava em obras e debruçou-se no parapeito de uma janela, contemplando a cidade abaixo. Precisava ficar sozinho e pensar. Precisava tomar uma decisão e não conseguia falar com ninguém. Fitou longamente o escuro da noite, adornado, àquela hora, apenas pelas luzes dos prédios vizinhos que nunca tinha observado antes. Ouvia ao longe o som da cidade que nunca dormia, absorto e oprimido pela insana batalha dos anjos e demônios que se digladiavam em sua mente.

Subiu sobre o parapeito e respirou profundamente, esperando que o ar frio lhe clareasse as ideias. Tentava desesperadamente agarrar-se a um tênue fio de esperança de que a razão vencesse sua emoção que agora começava a transbordar na forma de lágrimas repentinas que banhavam sua face. Sentiu as pernas tremerem sem saber se era o frio da madrugada, o efeito da bebida que tinha ingerido pela primeira vez na vida ou simplesmente o enorme pavor que sempre tivera de alturas.

Seus pensamentos, descontroladamente, saltavam de uma emoção para outra, descortinando toda sua vida como em um filme rodado em alta velocidade. Um tempo impreciso depois, olhou mais uma vez para o céu, balbuciando o que acreditava ser uma prece, rogando ainda por uma resposta. Sentia como se o mundo tivesse parado repentinamente. O vento cessou, a cidade se calou e as estrelas aguardaram em suspenso para voltar a cintilar. Ouvia vagamente ao longe a voz de seu colega de trabalho chamando seu nome, tirando-o daquela espécie de transe. Olhou mais uma vez o vazio à sua frente e sorriu levemente ao perceber que já tinha sua resposta. Com um profundo suspiro, abraçou a solidão como se fosse antiga companheira e mergulhou na escuridão da noite sem fim, nos braços da eternidade.

Sergio Diniz da Costa
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