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Um país sem cultura é um corpo sem alma

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Carlos Carvalho Cavalheiro: Entrevista

“Um país sem cultura é um corpo sem alma.” (Walter Franco)

Walter e Diogo Franco, Adilene Ferreira Carvalho Cavalheiro, Fernanda Ikedo e Carlos Carvalho Cavalheiro no camarim da Fundec em 2011. Walter Franco está segurando o exemplar do jornal Sepé-Tiaraju com a sua entrevista.
Walter e Diogo Franco, Adilene Ferreira Carvalho Cavalheiro, Fernanda Ikedo e Carlos Carvalho Cavalheiro no camarim da Fundec em 2011. Walter Franco está segurando o exemplar do jornal Sepé-Tiaraju com a sua entrevista.

O ano era 1994. Walter Franco, ícone da música brasileira, viria a Sorocaba, cidade do interior paulista, para realizar uma apresentação musical num bar. Era o dia 13 de maio e eu acabara de completar 22 anos de idade.

Apreciador da obra de Walter Franco, eu não me contentei apenas em assistir ao show. Eu o entrevistei – quase que de madrugada – após a apresentação. Simpático, o artista recebeu a mim e amigos para a entrevista que foi publicada no jornal cultural Sepé-Tiaraju.

No dia 29 de junho de 2011, dezessete anos depois, Walter Franco retornou à cidade para o show “Raça Humana”, com a participação de seu filho Diogo Franco. Na oportunidade, consegui entregar o exemplar do jornal de 1994, com a entrevista que fiz com ele. Walter Franco, então, pediu para que eu desse um autógrafo!

Claro que eu também pedi o meu. Walter Rosciano Franco nasceu em São Paulo em 6 de janeiro de 1945 (Dia de Reis). Faleceu em 24 de outubro de 2019, aos 74 anos de idade, após sofrer um AVC. Foi um dos grandes nomes da música popular no Brasil. Eis a íntegra da entrevista de 1994:

“Ele subiu ao palco com seu violão. Sentou-se num banquinho. Conversou com o público, apresentou sua banda e orquestra com corais e maestro imaginários. Cantou. E como não poderia deixar de ser, encantou. Pela primeira vez em vinte e poucos anos de carreira artística, Walter Franco se apresentou em Sorocaba no dia 13 de maio pp. no Bar Koisa Nossa. Após o show, ele concedeu a entrevista que vocês irão conferir agora. Agradecimentos especiais ao Cícero, ao pessoal do Koisa Nossa e da Ge-Hum pela colaboração, sem a qual esta entrevista não poderia ser realizada”.

Carlos Carvalho Cavalheiro – Walter, você estava desaparecido nos últimos tempos. Por onde você andava?

Walter Franco – É circunstancial essa minha parada… no disco. Na música, não. Eu tenho feito uma carreira mais sutil, digamos assim. Eu tenho me apresentado ciclicamente, nos espaços em São Paulo, algumas capitais que me atraem muito, e interior também. Tenho procurado não me afastar totalmente.

E acontece comigo um mistério grande: mesmo que eu desapareça por algum tempo, quando eu volto, o público aumenta. Há uma resposta grande para mim. Isso me deu tranquilidade porque eu nunca, na minha carreira toda, sempre me neguei a fazer um disco comum, nunca joguei esse jogo da mídia.

E acredito que, atualmente, seja uma consequência natural disso. As pessoas me chamam, eu estou mais disponível. Fechei para balanço. Continuei trabalhando com música, me aperfeiçoando, buscando compreender esse processo de autoconhecimento, mas não culpo ninguém por isso, não.

Eu sou responsável pelas coisas boas ou não-boas que me acontecem. Mas, não me afasto, não. Eu simplesmente tenho estado presente de uma forma mais sutil. Não tanto pela grande mídia, mas tenho estado presente esse tempo todo.

CCC – Você musicou letras de autoria de seu pai, Cid Franco. Fale um pouco sobre ele e sua influência em seu trabalho.

WF – Foi meu grande amigo, meu mestre na arte de discernir a vida, principalmente a partir dos princípios éticos, morais, enfim, coisas que hoje em dia estão meio postas de lado. Mas foi meu grande amigo e, circunstancialmente, por coincidência, nesta encarnação – nesta “encadernação” – foi, também, meu pai.

Foi um político, o primeiro vereador socialista eleito no Estado de São Paulo, mas, como político, um grande poeta. Uma pessoa que vivenciava, na verdade, os seus achados poéticos. E uma pessoa que deixou, para mim, para meus filhos, enfim, era uma pessoa pública, acredito que um dos maiores exemplos que um ser humano possa deixar, que é do desapego.

Uma pessoa que dedicou a sua vida a estudar Mahatma Gandhi, a vida de Cristo, a pesquisar as linguagens alternativas, já naquela época, desde discos voadores até a dedicação à literatura infanto-juvenil, à poesia, à literatura, prosa, o jornalismo, o radicalismo, enfim… Mas uma pessoa voltada para o crescimento do ser. Uma pessoa que buscava se aperfeiçoar.

Um político que, na verdade, passou para a outra vida em função do sofrimento porque foi cassado pelo Golpe de 64, por razões ideológicas, por ser um homem de esquerda, um socialista democrático, mas que deixou para nós, para mim, para os meus filhos, para minha família, para as pessoas todas que vocês viram aqui presentes,[1] o exemplo do amor fraterno.

Uma pessoa que nos ensinou a não sentir ódio ideológico, a combater o ódio ideológico, a conviver, a se relacionar até mesmo com os contrários ideologicamente. Eu acho isso o maior exemplo que o ser humano nessa vida pode aprender, a se aperfeiçoar na arte de conviver com os opostos, e se reduzir a zero, como diria Mahatma Gandhi, se colocar no último degrau dos seus semelhantes.

E aqui não vai nenhum sentido messiânico, místico- religioso, não. O princípio de fraternidade, de amizade, de humildade, enfim, sem sentido pejorativo nenhum, como diria Mahatma Gandhi: “Não haverá nenhuma salvação para eles”. Eu tive o privilégio de conviver com as artes, com a poesia, com a literatura, com a música desde garoto na minha própria casa. Talvez, por isso, eu tenha saído meio do jeito que sou.

CCC – Nos seus dois primeiros discos (Ou não e Revolver) você desenvolveu um trabalho mais de vanguarda, experimentalista, se é que assim podemos qualificar. Já a partir do terceiro LP (Long Play), Respire Fundo, houve uma mudança de estilo bem perceptível. Como está hoje o seu trabalho? Esse é o prenúncio de uma nova fase?

WF – Acredito que sim. A gente é a soma daquilo que fomos e do que fizemos. Eu sou a soma disso tudo. Busco me aperfeiçoar. Não há segredo nenhum nisso. Não há nem o personagem artista. Eu sou uma pessoa que está buscando se aperfeiçoar nesse caminho.

CCC – Neste show você se apresenta apenas com violão. Por quê?

WF – Isso tem a ver com o momento. Eu tenho várias alternativas. Eu trabalho com banda, tenho uma superbanda com seis músicos… uma banda concreta (risos).[2] São músicos de primeira. Eu tenho a satisfação de ter sempre tocado com grandes músicos, de João Donato a Wagner Tiso, aos meninos dos Mutantes, enfim, a minha trajetória, se você olhar os meus discos, a ficha técnica do “Respire Fundo” tem mais de 150 músicos…

CCC – Até mesmo o Lobão…

WF – Até o Lobão, até o Lulu Santos, enfim, eu tenho essa satisfação. Mas, no momento, histórico que estamos vivendo, o artista tem que ter várias alternativas para trabalhar.

Assim, como eu viajo com banda para espaços maiores, com produções maiores, eu viajo também com trabalho experimental, com engenheiros de som, trabalho que venho desenvolvendo há muito tempo, e viajo, também, só com violão solo; voz e violão, dessa maneira que vocês viram porque eu acho que o artista é um trabalhador, ele tem que estar presente. A mim me interessa estar presente fisicamente com as pessoas, com vocês e, profissionalmente, é importante isso porque é daí que a gente vive e sobrevive.

CCC – Você influenciou uma geração de roqueiros nos anos 80: Arnaldo Antunes (ex-Titãs), Camisa de Vênus (que regravou “Canalha”), Olho Seco (que regravou ‘Feito gente”)… Como você vê essa influência numa geração posterior, uma década depois de seu surgimento no cenário brasileiro?

WF – Eu acho que é isso que a gente quer. Quando a gente faz alguma coisa, a gente imagina que chegue a algum lugar. E, de fato, o Arnaldo[3] deu algumas entrevistas falando do resgate dessa linha evolutiva do “Revolver”, do “Araçá Azul”.[4] É meu parceiro também. Tenho uma canção inédita com ele.

O “Camisa de Vênus” me deixou feliz, e tantos outros, o próprio João Gordo do Ratos de Porão deu uma declaração falando do trabalho da gente como precursor dessa coisa punk e tal. Eu sempre atuei em vária faixas. A minha música vem desde o silêncio até o grito primal. Eu sempre trabalho dessa maneira. Talvez por isso eu tenha atingido tantas regiões, digamos assim, da musica.

CCC – É difícil ser um artista autêntico no Brasil? Artista que não se vende aos ditames da mídia e do mercado?

WF – O estar distante da mídia é circunstancial. Eu não parto desse princípio. É óbvio que há fases, a moda conduz a música popular para esse ou para aquele caminho. Mas como artista eu sempre estive na grande mídia. Eu sempre pertenci a grandes gravadoras. Eu nunca fiz um trabalho independente.

Eu sempre tive o apoio das grandes gravadoras para fazer meu trabalho. Se não gravei durante esse tempo todo é circunstancial, tanto quanto Paulinho da Viola que ficou sete ou oito anos sem gravar, e tantos outros. Mas eu acredito que o artista , na verdade, ele tenha mais poder. Não poder a partir da volúpia, a volúpia de poder, mas um poder oriundo de sua própria natureza.

Enquanto um político sobe ao palanque para fazer um discurso em época de eleição, atrás de votos, e essa coisa toda; enquanto um militar impõe o poder a partir de seu próprio status; o artista sobe ao palco e canta um refrão e estimula toda uma multidão, toda uma plateia.

Então, é preciso que os artistas em geral também partam para isso. Não se deixem usar simplesmente em época de eleição para esse ou aquele candidato, enfim, essa coisa toda. Porque o país sem cultura, sem querer ser redundante e cair num lugar comum, é um corpo sem alma.

Tivemos a experiência a pouco de um presidente que foi cassado,[5] que a primeira coisa que fez foi bloquear o estímulo à cultura. Por quê? Porque um povo culturalmente bem informado é um povo atento. Essa é a função dos artistas, de manter, de uma forma ou de outra, esse estímulo.

CCC – Proposta de um novo disco? Você volta a gravar?

WF – Espero que sim. Estou com um trabalho novo, estou compondo, fazendo as coisas. Vai depender do ritmo das coisas. Estou relançando agora dois LP’s em CD pela Warner, Continental-Warner e isso, com certeza, está dando um pique grande para a continuidade do meu trabalho posteriormente.

CCC – Como você define o seu trabalho hoje?

WF – Eu nunca defini o meu trabalho. Ele sempre foi definido pelas pessoas. Eu prefiro permanecer assim.

CCC – E, para encerrar, você gostaria de deixar alguma mensagem?

WF – Eu quero: “Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”.

Carlos Carvalho Cavalheiro

[1] Walter Franco tinha familiares residentes em Sorocaba e que assistiram ao seu show naquele dia.
[2] No show, Walter Franco simulou a existência do acompanhamento de uma banda imaginária.
[3] Arnaldo Antunes
[4] Disco experimental de Caetano Veloso.
[5] Fernando Collor de Mello



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