Hábil ‘Esgrimista das Letras’, a professora Elaine dos Santos abrilhanta ainda mais o Quadro de Colunistas do ROL
ELAINE DOS SANTOS, natural de Restinga Seca (RS), é licenciada em Letras, Mestre e Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Tem formação em espanhol pela Universidad de La Republica, Montevidéu.
Possui 29 artigos acadêmicos publicados em revistas nacionais na área de Letras com classificação Qualis, além de participação em eventos com trabalhos completos e resumos.
É autora do livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe, adaptação de sua tese de doutorado, e coautora em outros livros versando sobre Direito, História, Educação e Letras.
É revisora de textos acadêmicos, cronista com textos publicados em jornais regionais e estaduais e participação em mais de 80 antologias.
A professora Elaine, por meio de um engenhoso trocadilho, apresenta-se com a crônica ‘A-Gosto’, um texto que, segundo ela (e certamente), suscitará muitas indagações dos leitores do ROL!
A-GOSTO
Agosto é o oitavo mês do ano no calendário gregoriano, tendo recebido esse nome em homenagem ao Imperador romano Cesar Augusto. Com certa frequência, diz-se que Julho – homenagem a Júlio Cesar – e Agosto têm 31 dias por uma disputa, digamos, de egos entre os partidários dos dois imperadores, mas há controvérsias sobre a veracidade dessa informação.
O adágio popular, por sua vez, afirma que “agosto é mês de desgosto”. Pondera-se que um dos melhores períodos para a realização das grandes navegações empreendidas, sobretudo, por espanhóis e portugueses, no início da chamada Idade Moderna, era o mês de agosto. Muitos marinheiros / navegantes casavam-se antes de partir em viagem, sem saber se voltariam. Com isso, a população passou a associar a sorte das noivas ao fato de perderem os noivos – para o mar – logo depois do casamento. Perdiam-nos pelo afastamento prolongado, perdiam-nos definitivamente em caso de morte.
A fama do mês de agosto ainda pode ser observada em outra expressão popular: “mês do cachorro louco”. Segundo consta, haveria um aumento da raiva canina, aliada à ampliação da quantidade de fêmeas no cio, em função do clima dominante no mês. Os cães, na disputa pela fêmea, brigam entre si, cresce o número de arranhaduras, cortes etc. Em razão disso, muitas cidades aproveitam o mês de agosto para deflagrar campanhas contra a raiva.
A par de tudo isso, o mês de agosto tem registrado, ao longo dos séculos, alguns acontecimentos que evocam triste memória. No campo internacional, é possível referir o início da Primeira Guerra Mundial, datada de 01 de agosto de 1914; o lançamento de primeira bomba atômica da História, em 06 de agosto de 1945, sobre a cidade japonesa de Hiroshima; sendo que, no dia 09 de agosto, uma nova bomba seria lançada sobre Nagasaki, também no Japão. Para os mais jovens, uma data marcante é 31 de agosto de 1997, quando, em Paris, morreu Diana, a “princesa do povo”, ícone internacional, em um trágico acidente de carro.
No cenário nacional, cabe citar, por exemplo, outro trágico acidente de carro, porém, em 22 de agosto de 1976, envolvendo o ex-presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira, ocorrido na Via Dutra. Creio, no entanto, que, para a História do Brasil, o fato histórico mais marcante e comovente foi o suicídio de Getúlio Dornelles Vargas, em 24 de agosto de 1954.
Lemos muito sobre o acontecimento histórico em revistas e jornais da época, em pesquisas históricas (dissertações, teses, livros) e tivemos a oportunidade de (re) conhecê-lo pelo romance “Agosto” de Rubem Fonseca.
Como professora de Literatura, no ensino médio e na graduação, ensinei os meus alunos que a Literatura (prosa ou poesia) não é a realidade nua e crua, contada em palavras, mas uma recriação de eventos, que podem ser reais ou inventados (ficcionais).
Se tomarmos a História, temos inúmeras teorias conspiratórias ou não sobre o suicídio de Vargas – não me compete discuti-las, restrinjo-me ao campo literário e às escolhas feitas pelo narrador do romance “Agosto”. A grandeza da Literatura reside também neste aspecto: o diálogo que o leitor pode estabelecer com a obra e lê-la “a-gosto”.
Fiz, sim, de propósito, um trocadilho com as palavras: agosto (o mês); desgosto (a fama); a gosto (nossas expectativas), afinal, o meu campo de trabalho é a palavra, principalmente, a palavra escrita.
Por outro lado, quero, aqui, chamar a atenção para dois aspectos: nem sempre o nosso interlocutor compreenderá aquilo que “pretendemos expressar” ao pé da letra. O melodrama, que surgiu na França logo após a Revolução de 1789, estava destinado a acalmar os ânimos da população, para isso, montou-se uma estrutura singela: havia uma situação estável (o mocinho e a mocinha apaixonados, por exemplo), a situação era instabilizada (por um vilão) e era superada, recompondo-se o equilíbrio: houve a revolução, muitos morreram, mas a França voltaria a ser grande é a “mensagem final”, se assim se pode afirmar.
O outro ponto: os nossos leitores podem não ter o mesmo universo de expectativas, como define Hans Robert Jauss, isto é, nem todos, por exemplo, leram os grandes clássicos da Literatura nacional e internacional para fazerem a intertextualidade entre eles. Exemplo simplório: alguns leitores deste texto revisitarão as origens do nome do mês de agosto, as expressões populares “agosto, mês de desgosto”, “agosto, mês de cachorro louco”, outros conferirão as datas dos fatos históricos elencados e ainda outros lerão o romance de Rubem Fonseca. Outros tantos não reagirão: ou porque já conhecem ou porque não lhes interessa. A-gosto (de cada um). Ah, sim! Haverá aqueles que farão indagações. Assim espero.
Prof. Dra. Elaine dos Santos
Contatos com a autora
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