“Num país fictício, desses que só existem nos contos de fada, a repentina morte do rei – que não deixara sucessor, pois não tinha descendência – suscitou um fato inusitado: a eleição do novo monarca.”
Num país fictício, desses que só existem nos contos de fada, a repentina morte do rei – que não deixara sucessor, pois não tinha descendência – suscitou um fato inusitado: a eleição do novo monarca. Com isso, candidataram-se tantos candidatos quantos os que se achavam em tal condição.
Todos achavam-se capazes de resolver os inúmeros problemas do reino. Um desses candidatos se destacou pelo seu discurso messiânico, prometendo a salvação em troca do voto. Para influenciar o eleitorado, sobretudo aquele mais ignorante, desprovido de escolaridade e de capital cultural, o candidato costumava a proferir seus discursos aos berros, socando a mesa com os punhos fechados e prometendo a distribuição de lanças, espadas e arco e flechas a todos que fossem considerados cidadãos de bem.
“Quando for coroado rei, assaltante não terá vez em meu reino: serão todos mortos!”, dizia o candidato. Ocorre que em se tratando de um país onde a maioria não se preocupava muito com a informação, o discurso do candidato convenceu significativa parte do eleitorado. E ele se tornou um monarca.
A partir daquele dia as coisas mudaram no reino. O soberano gostava apenas da cor verde e, por isso, todas as outras cores foram proibidas. Quem ousasse vestir roupa de outra cor, era sumariamente condenado, alguns à morte, outros à serviços forçados. Quando cobrado por sua atitude, o rei dizia que estava agindo em defesa do grupo, que pessoas que pensam diferente e agem por si são sempre perigosas. E com isso alimentava o medo dos cidadãos: “Quem pensa diferente é inimigo, é terrorista!”.
E as pessoas foram aceitando as justificativas dadas pelo monarca. Ocorre que a polícia do reino era extremamente violenta e o ‘plano’ de acabar com os ladrões quase sempre terminava com o extermínio de muita gente honesta, vítimas da violência. “Violência só pode ser combatida com mais violência! Ou matamos todo mundo, incluindo os inocentes que estão próximos aos bandidos, ou mantemos os soldados nos quartéis e os ladrões nas ruas!”. A população medrosa, intimidada com a ameaça do rei, calava-se uma vez mais, aceitando como justo o ‘efeito colateral’ de mortes de pessoas inocentes durante as repressões policiais aos criminosos.
No entanto, a economia do país ia de mal a pior, o desemprego estava aumentando e as pessoas começaram a passar fome. “A culpa é do trabalhador que não quer abrir mão de seus direitos. É hora de decidir: ou mais direitos ou mais empregos”. E os trabalhadores começaram a aceitar as perdas de direitos, acreditando que isso seria a solução do desemprego e da crise econômica.
Na tentativa de evitar uma revolta popular, o rei elaborou um plano maquiavélico. Começou a incutir nas pessoas a ideia de que os inimigos do povo estavam misturados ao próprio povo. Era necessário identificar quem eram as pessoas nefastas que obstaculizavam o progresso do país. O rei, então, começou a imiscuir-se na vida alheia e elegeu como nocivo todo aquele que tivesse um comportamento fora do padrão estabelecido pelo próprio rei.
Foram perseguidos e maltratados os pobres, os inconformados, os poetas, os artistas, os homossexuais, as feministas, os militantes sociais, entre tantos outros. Presos, torturados, perseguidos, estes reagiram e deu-se início a uma guerra civil, que serviu para aumentar a popularidade do rei que advertia em seus discursos: “Precisamos exterminar os inimigos ou seremos dizimados por eles!”.
Porém, a situação do povo continuava a mesma. Miséria, fome, injustiça social, falta de perspectiva do futuro…
Nesse momento, a criança a quem eu contava essa história me perguntou: – Não havia solução para aquele povo? Respondi que sim, que sempre é possível ao ser humano construir sua própria história e reverter os erros cometidos. Mas, seria muito mais fácil para aquele povo se não tivesse votado em alguém cujas propostas estivessem fundamentadas apenas na centralização do poder e na ampliação da violência por parte de quem detém o poder. Quando se acredita na inocência da serpente, arrisca-se a ser a vítima de sua peçonha.
Carlos Carvalho Cavalheiro – carlosccavalheiro@gmail.com
28.08.2018
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024