Lina Veira: ‘Envelhecer X idadismo’
Minha filha, não tenho muito mais o que fazer no dia, mas todos os dias eu vou ver o mar…
Pego o trem e vou.
– Pai, isso é ótimo! Vamos juntos então! Tobias nunca andou de trem…
E os olhos deles brilharam de alegria.
– O trem sai aqui do bairro e vai até a beira-mar gratuito.
– Vai mesmo?
– Sim!
E fomos no dia seguinte.
Ele ia na frente contando e explicando tudo sobre as ruas, praias, pescadores e peixes. A gente ouvia com atenção. Tobias observava tudo naquela cidade onde passava alguns dias de férias. Papai, com seus quase 90 anos, andava devagar e percebi que logo se cansou. Paramos numa cafeteria para ele descansar e tomar um café com tapioca e bolo.
E tudo aquilo foi importante para mim.
Senti-lo, ouvi-lo, estar. Olhando seus olhos verdes e hora buliçosos e hora tristes demais, eu pensei em quantas vezes quis estar tão perto assim.
E pensei na sua frase: “Não tenho muito mais o que fazer no dia, mas todos os dias eu vou ver o mar…”
E o mesmo, eu faço na ilha. Todos os dias eu vou ver o mar.
Onde estaria meu pai neste momento que escrevo sobre a gente?
O que é envelhecer?
E decidi escrever sobre o idadismo.
Como tratamos nosso idoso dentro de casa?
Primeiro vamos deixar claro que o processo de envelhecimento se dá por toda a vida, do nascimento até a morte. Logo, a partir do nascimento já estamos envelhecendo.
De acordo com a lei brasileira, é considerada pessoa idosa o cidadão com idade igual ou superior a 60 anos. Embora seja discutido 65 anos. A velhice é uma construção social, pessoal e particular de cada um, demarcada na prática como a última fase da vida.
Platão, acreditava que a velhice traria um grande sentimento de paz e libertação. Aristóteles, considerava a velhice um símbolo de sabedoria, experiência de vida. E Lina Veira, em ‘Um de meus olhares’, define como um fenômeno natural e exclusivo de cada um. Um processo que precisamos acolher, preparar, viver.
Mas, para você leitor, o que é envelhecer? E o que tem a ver o idadismo com tudo isso? Envelhecer altera nossa vida biológica, psicológica. Apresentamos o declínio do corpo jovem e sofremos com o corpo envelhecendo, com o preconceito ao nosso redor, principalmente dentro de casa. Ali por baixo dos panos, disfarçadamente na rotina.
O idadismo é crime no Brasil, mas poucos sabem. Previsto no Estatuto da Pessoa Idosa. O idadismo é a discriminação dessas pessoas por causa da idade.
Uma discriminação que pode incluir avaliações e ações, palavras negativas e infelizes a respeito do outro, estereótipos e exclusões de vidas ainda ativas aos que querem viver.
O idadismo pode impedir ou dificultar a vida e acesso de um idoso, suas escolhas e gostos, seu bem-estar, à realização de seus serviços particulares, bancários por exemplo, seu direito de ir e vir, seus sonhos ainda. Sem esquecer seu conforto, e direitos básicos como alimentação rica em nutrientes que precisam serem atendidos.
Infelizmente o idadismo é uma atitude comum e normal dos filhos e sobrinhos com seus idosos no Brasil. O que mais prejudica a sua saúde, sua motivação, vida, alegria e dignidade. A realidade notória de como os idosos estão sendo tratados, ou melhor, não bem tratados.
Um preconceito normalizado que nega à essas pessoas seus direitos humanos e sua habilidade ainda de alcançar seu potencial em determinadas atividades e rotinas. Entendam. Não podemos ignorar essas vidas que ainda estão ativas e pensam, e sentem, e entendem e acolhem realidades diversas. Precisamos estimular o que mais gostam de fazer. Estar com elas onde elas mais gostam de estar, deixar que elas se organizem com seus dinheiros e demandas também. Mesmo que precisem de alguém para ajudar.
No Brasil, preconceitos e erros (como sentimos) e à discriminação (como agimos) em relação à idade de nossos familiares que estão envelhecendo, nossos tios, tias, mães e pais, existem.
É crime ignorar essas pessoas dentro de suas casas, confundir suas verdades e sentires, gerar excessos de atividades, que prejudiquem sua saúde e bem-estar. Desenvolver sentimentos depressivos, brincadeiras de mal gosto e dizeres humilhantes.
Parem de dizer frases negativas e repetitivas que aceleram e atrofiam sua alegria e saúde mental: “A senhora esquece tudo, não dá de confiar mais.” (estimule sua memória com atenção e carinho…ajude a guardar as coisas); “Não é nada não, deixa pra lá”. (não existe não é nada não, explique) “O senhor não pode mais fazer isso ” (faça com ele, motive-o) “Já está velho” (todos estamos ficando velhos), “Não vai mais sair com a gente… ” (leve para lugares que sempre gostou de ir, não os deixem sozinhos )
Imagine como gostaria de ser tratado na sua velhice.
Conversando com Janielle Jondral, brasileira, fundadora na Austrália da Connection Aid estratégica práticas para velhice, demência, concluímos que o idadismo é um problema ainda maior no Brasil que tem adoecido novos idosos. O preconceito, e infelizes palavras começam bem antes dos 60 anos, as injustiças sobre essas pessoas são comuns em muitas famílias, deixando-os limitados, humilhados e adoecidos. E tudo isso é verídico na convivência dentro de casa com filhos e familiares que disfarçam as más palavras e bruta comunicação com seus idosos.
A velhice é uma fase da vida que precisa de respeito e atenção não de piadas e desmerecimentos ou comentários desastrosos sobre o outro. Elogie, acolha.
Uma palavra ou frase pode ser graça e desgraça na vida e história de alguém.
Escolha ser graça!
Tenha calma, e procure estimular sua memória com músicas do seu tempo, passear em lugares da juventude, visitar amigas da mocidade, fazer atividades que despertem sua energia e mais atividades que os deixe felizes.
Você também está envelhecendo. Lembre-se disso.
Vamos cuidar melhor de nossos pais, tios e avós. Eles estão enfrentando o fim da sua mocidade, entre gritos e silêncios de suas histórias, e é preciso sentir- se belo e bem
Não permita que seu idoso perda o entusiasmo pela vida.
Sejamos como Vinicius:
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
E eu digo: Nasço agora
Crie espaço.
Elogie mais
A discriminação contra idosos é crime, de acordo com o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003). A lei prevê punição para quem desdenha, humilha, ignora, menospreza ou discrimina idosos. É preciso conscientizar a população sobre os direitos dos idosos e promover uma mudança cultural que valorize e respeite a pessoa que envelhece neste país.
Seja alguém que estimula e alegra essas pessoas. Que movimenta suas vidas.
Lina Veira
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Lina Veira, como é mais conhecida na área literária Maria Andrelina Oliveira Bento, natural de Fortaleza (CE), é formada em Engenharia Sanitária e Ambiental, escritora, cronista, contista e romancista. Tem projetos literários no Instagram, como Sábado com Poesia, saraus on-line e presenciais, feiras de livros, lançamentos e divulgação de autores na sua região. É autora dos livros ‘Um de meus Olhares’, Editora Motres, que explora questões profundamente humanas e deixa a utilidade da motivação e desapego, influenciando homens e mulheres e ‘Outras Flores se Abrem’, pela mesma editora, um livro altamente feminino, que deixa uma proposta calma e consciente do reinventar-se, e marca sua trajetória na escrita, deixando suas crônicas e versos como instrumento de liberdade. É coautora em algumas revistas e coletâneas literárias.
Maravilhosa como sempre, Lina! Excelentes reflexões.
Magnífico texto.
Um olhar profundo e verdadeiro sobre nossos idosos.
Deveria ser tarefa de escola ensinar boas maneiras para com os de mais idade.
Obrigação de pai e mãe na educação dos filhos.
Parabéns pela excelente matéria! É fundamental dar visibilidade aos idosos e destacar sua importância na sociedade e alerta para a discriminação! É crime.