Virgínia assunção:
‘Na Terra da Asa Branca- Uma bricolagem literária com Luiz Gonzaga’


às 18:20 PM
Naquela tarde, quando “a asa branca bateu asas do sertão”, seu Luiz já sabia: era dia de arrastar o pé. A sanfona gemia no canto da sala, chamando feito menino pidão. E lá vinha ele, chapéu de couro, olhar matuto e um sorriso que dizia mais que mil palavras: “Olha pro céu, meu amor, vê como ele está lindo…”
A vizinhança já se ajuntava na frente da casa. Dona Maria vinha rindo com o vestido de chita novo, florido, toda faceira:
— Hoje tem forró, seu Luiz?
— Tem sim, sinhá! “Simbora, sanfoneiro, bota o fole pra chiar!” Vem cá cintura fina, cintura de pilão, porque tá é danado de bom.“
E assim começava a festança. No terreiro, o pó da estrada dançava com o povo. “Qui nem giló” era só no prato, porque tristeza ali não entrava. Até a moça mais enfezadinha, aquela da cidade grande, soltou um “eu só quero um xodó, que alegre o meu viver”, e foi logo rodando com Zé da Cacimba.
“Respeita Januário!” — gritou alguém, quando o sanfoneiro tentou improvisar demais. O velho Januário, pai de Luiz, só olhou e sorriu de canto, como quem diz:
“Esse menino vai longe…”
E foi.
No meio da dança, Luiz contava causos, misturando histórias com versos:
— “Seu doutor, uma esmola pra um homem que é são…”
— “Mas seu Luiz, isso é música ou apelo?”
— “É só verdade, compade.”
O sanfoneiro mudou o tom e puxou um baião:
— “Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião… meu amor não vá simbora,
fique mais um bucadinho, vamo dançar mais um tiquinho?
E não é que até o padre entrou na roda, de batina e tudo?
A Lua subia no céu de festa, e o povo cantava junto: — “A vida do viajante é andar por esse mundo de meu Deus…” Mas ali ninguém queria partir. Cada música era um abraço. Cada riso, um retrato de um
Brasil que dança mesmo com a dor no coração, ao som do rei do baião… tem pena d’eu…
Teve menino cantando “Xote das meninas”, teve vó que se lembrou do tempo em que dançava “Assum Preto” agarradinha.
— “Lá vai a marruá…” — gritou um dos netos, correndo com o cachorro atrás.
O forró seguia firme, sem hora pra acabar. “O que me enche o coração é o olhar
dessa moreninha, meus amô!“ Até que seu Luiz, cansado de tanto fole e suor, sentou
na cadeira de palha e disse:
— “Oia eu aqui de novo…”
— “Vai embora não, seu Luiz!”
— “Mas já? Ainda tem “Pau de Arara” pra cantar!”
E assim, entre um xote e um chamego, “um se deita em meu cangote”, um “pedi pra São João antigo trazer mais alegria, tinha tanta poesia, amor e animação”, no São João do passado, a noite virou poesia viva. Seu Luiz sorria, e no seu sorriso cabia o sertão inteiro — com seca, com festa, com fé.
Na despedida, ele ainda cantou baixinho:
— “Se a gente lembra só por lembrar do amor que a gente um dia perdeu…”
E o povo respondeu em coro:
— “Saudade inté que assim é bom, pro cabra se convencer que é feliz sem saber…”
Foi-se a festa, mas ficou no ar o cheiro do baião, o som do fole e a certeza de que, enquanto houver sanfona e o coração de um nordestino batendo, Luiz Gonzaga nunca vai embora de verdade.
Virgínia Assunção
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Maria Virgínia de Assunção Feitosa Gomes, natural de Maceió/AL, residente há muitos anos em Aracaju/SE. É Professora licenciada em Letras Português/Francês; licenciada em Pedagogia e Jornalista. Pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura e em Psicopedagogia Institucional e Clínica. Dr. H.C. em Educação. Possui vários cursos de formação complementar na área de educação. É escritora e poetisa. Membro fundadora e presidente da AFLAS – Academia Feminina de Letras e Artes de Sergipe; membro fundadora da AMS – Academia Virtual Municipalista de Sergipe; membro efetiva da ALCS – Academia Literocultural de Sergipe; membro correspondente da FEBACLA, Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes. Membro do Movimento Cultural Antônio Garcia Filho da ASL – Academia Sergipana de Letras.
Virgínia, esteja o Luiz Gonzaga onde estiver, certamente está se sentindo homenagiadíssimo com o seu texto!
Eu pude sentir a emoção desse poema. Aí que delícia! ❤️👏👏👏👏👏👏👏👏👏
Parabéns, amiga querida!